segunda-feira, 22 de julho de 2019

Do Equilíbrio Mecânico À Complexidade Dinâmica

Kate Raworth, autora do livro “Economia de Donut: sete maneiras de pensar como um economista do século 21” [Doughnut Economics: Seven Ways to Think Like a 21st-Century Economist] (Rio de Janeiro: Zahar; 16/05/2019), cobra: a maçã de Newton tem muito a responder. Em 1666, quando o brilhante jovem cientista se sentou no jardim de Lincolnshire de sua mãe, ele ficou maravilhado – como se diz – com a forma como uma maçã caiu: por que nunca de lado ou para cima, mas sempre para baixo?

A resposta provocou sua famosa percepção da gravidade e das Leis do Movimento. Isso revolucionou a Ciência.

Mas, dois séculos depois, essas mesmas leis também deram origem:

  1. à inveja da Física,
  2. a metáforas equivocadas e
  3. a um pensamento dolorosamente limitado em Economia.

Se apenas – pouco antes da queda da maçã – o jovem Isaac também se maravilhasse com o crescimento, em uma interação fascinante e em constante evolução de árvores e abelhas, sol e folhas, raízes e chuva, flor e sementes, isso poderia levá-lo a insights igualmente revolucionários sobre a natureza de sistemas complexos, transformando assim a história da Ciência.

Teria mudado também o curso da Economia, inspirando seus admiradores econômicos com uma metáfora muito mais frutífera. Hoje estaríamos falando não do mecanismo de mercado, mas do organismo de mercado – e nós seríamos muito mais sábios por isso.

Infelizmente, apenas o modo como a maçã caiu chamou a atenção de Isaac e levou a suas descobertas inovadoras. Desejando a autoridade da Ciência, os economistas imitaram as Leis do Movimento de Newton em suas teorias, descrevendo a Economia como se fosse um sistema mecânico estável.

Mas agora [sob inspiração de Charles Darwin] sabemos: é muito melhor compreendido como um complexo sistema adaptativo, composto de seres humanos interdependentes em um mundo dinâmico e vivo.

Portanto, se quisermos ter a menor chance de nos introduzirmos no Donut, é essencial deslocar a atenção do economista “da maçã em queda para a maçã em crescimento”, da mecânica linear à dinâmica complexa. Dê adeus ao mercado como mecanismo e descarte o capacete do engenheiro: é hora de colocar um par de luvas de jardinagem.

Se nossa compreensão da Complexidade foi dificultada por 100.000 anos de evolução, ela foi completada por 150 anos de teoria econômica. Esse período reforçou nossos preconceitos com modelos mecanicistas e metáforas reducionistas.

No final do século XIX, um punhado de economistas de mentalidade matemática decidiu tornar a Economia uma ciência tão respeitável quanto a física. E eles se voltaram para o cálculo diferencial. Se este poderia descrever de forma tão elegante a trajetória de maçãs caindo e lua em orbita serviria para descrever a Economia com um conjunto de axiomas e equações.

Assim como Newton descobriu as leis físicas do movimento explicativas desde o mundo da escala de um único átomo ao movimento dos planetas, os economistas mecanicistas procuraram descobrir as Leis Econômicas do Movimento. Elas explicavam o mercado, começando com um único consumidor e ampliando a escala até a produção nacional. [Este é o individualismo metodológico, contraposto pelo holismo metodológico.]

O economista britânico William Stanley Jevons definiu essa apropriação metafórica na década de 1870, quando afirmou: “a Teoria da Economia apresenta uma analogia próxima com a Ciência da Mecânica Estática, e as Leis da Troca se parecem com as Leis do Equilíbrio propiciado por uma alavanca: O Mercado”.

Na Suíça, o engenheiro e economista Léon Walras tinha uma visão similar, declarando que “a teoria pura da economia é uma ciência semelhante às ciências físico-matemáticas em todos os aspectos”. Como fosse para provar isso, ele começou a se referir à troca de mercado como “o mecanismo da competição”.

[Curiosamente, há diferentes significados para o termo “complexo. Em economia como sistema complexo, é um adjetivo para a qualificar como passível de ser encarada ou apreciada sob diversos ângulos em uma visão holística. Como substantivo, na teoria de Carl G. Jung (1875-1961), complexo é o sistema de ideias associadas (parcial ou totalmente inconscientes), vinculadas ao terreno da afetividade, contraditórias, não necessariamente reprimidas, capazes de levar o indivíduo a pensar, a sentir e por vezes a agir de acordo com um padrão de natureza definida. Por extensão, indivíduo complexado sofre de perturbação psicológica, especialmente de timidez, inquietude ou tem dificuldade de trato. Por exemplo, sofre de complexo de culpa, de castração, de inferioridade, etc.]

Jevons, Walras e outros compararam o papel desempenhado pela gravidade ao puxar um pêndulo para o papel desempenhado pelos preços, puxando os mercados para o equilíbrio. Como Jevons colocou:

“Assim como medimos a gravidade por seus efeitos no movimento de um pêndulo, podemos estimar a igualdade ou desigualdade de sentimentos pelas decisões da mente humana. A vontade é o nosso pêndulo, e suas oscilações são registradas minuciosamente nas listas de preços dos mercados. Não sei quando teremos um sistema perfeito de estatísticas, mas a falta dele é o único obstáculo insuperável para tornar a economia uma ciência exata.”

Tais metáforas mecânicas – da alavanca ao pêndulo – devem ter parecido inovadoras em seu dia. Não é de admirar esses economistas as colocassem no centro de suas teorias de como indivíduos e empresas se comportam, fundando, assim, um campo a ser conhecido como Microeconomia.

Mas para fazer essa nova teoria ecoar as leis de Newton e se conformar aos rigores do cálculo diferencial, Jevons, Walras e seus colegas pioneiros matemáticos tiveram de fazer algumas suposições heroicamente simplificadoras sobre como funcionam os mercados e as pessoas. Crucialmente, a teoria nascente dependia de supor: para qualquer mistura de preferências dos consumidores, havia apenas um preço no qual todos com objetivo de comprar e todos com menta de vender ficariam satisfeitos, comprando ou vendendo tudo desejado por eles nesse preço.

Em outras palavras, cada mercado tinha de ter um único ponto de equilíbrio estável, assim como um pêndulo tem apenas um ponto de descanso. Para essa condição, os compradores e vendedores do mercado tinham de ser “tomadores de preços” – nenhum agente econômico seria grande o suficiente para ter influência sobre os preços – e eles teriam de seguir a Lei dos Retornos Decrescentes. Juntos, essas suposições sustentam o diagrama mais amplamente reconhecido em toda a teoria microeconômica. Ele deve dominar o cérebro de todos os alunos novatos de Economia: o diagrama da oferta e da demanda.

Dogma I: o preço correspondente ao encontro da oferta com a demanda é o ponto de equilíbrio do mercado.

O que está por trás deste par icônico de linhas de cruzamento? Pense em alguma mercadoria e veja como funciona. A curva de demanda mostra quanto dessa mercadoria os clientes vão querer comprar a cada preço, dado seu objetivo de maximizar sua utilidade ou satisfação. A curva se inclina para baixo porque, quanto mais dela um consumidor compra, menos utilidade eles ganhariam com a compra de mais um – uma suposição conhecida como a utilidade marginal decrescente do consumo – e assim eles estarão dispostos a pagar um pouco menos por cada uma sucessiva.

A curva de oferta, por outro lado, mostra quantas mercadorias os vendedores estarão preparados para fornecer por qualquer preço, dado o objetivo de maximizar seus lucros. Por que a curva se inclina para cima? Porque – prossegue a teoria – se cada produtor tiver uma capacidade produtiva fixa, então o custo de cultivar ou produzir mais nela começará a subir – essa é a Lei da Diminuição dos Retornos Marginais – e, portanto, eles exigirão um preço maior para fornecer mais.

Alfred Marshall desenhou a versão definitiva deste diagrama na década de 1870. Comparou o entrecruzamento de suas linhas ao par de lâminas de uma tesoura – mais uma analogia mecânica – para explicar o mistério de como os preços de mercado estão definidos. Assim como uma tesoura não corta papel apenas com a lâmina superior ou a lâmina inferior, mas precisamente onde as duas lâminas se cruzam, ele argumentou o preço de mercado não ser determinado apenas pelos custos dos fornecedores nem pela utilidade dos consumidores, mas precisamente onde os custos e utilidade se encontram – e aí está o ponto de equilíbrio de mercado.

Walras tinha uma agenda ambiciosa para essa tesoura: ele estava convencido de ser possível transformar a análise de uma única mercadoria em todas as mercadorias, criando assim um modelo de toda a economia de mercado. E, raciocinou ele, se esses mercados fossem compostos de vendedores e compradores competitivos e plenamente informados, a economia alcançaria um ponto de equilíbrio que maximizaria a utilidade total.

Em outras palavras – em um claro eco da mão invisível de Smith –, para qualquer distribuição de renda, ela produziria o melhor resultado possível para a sociedade como um todo. As técnicas matemáticas ainda não existiam para Walras provar seu palpite, mas sua agenda foi mais tarde escolhida por Kenneth Arrow e Gerard Debreu. Eles expuseram suas equações no Modelo de Equilíbrio Geral elaborado em 1954. Parecia ser uma prova marcante, dando base microeconômica para a análise macroeconômica, lançando uma teoria econômica aparentemente unificada e estabelecendo as bases do que é conhecido desde então como “Macro Moderna”.

A teoria parece completa, soa impressionantemente como Física e é apresentada em equações autorizativas. Mas é profundamente falha. Graças à interdependência dos mercados, dentro de uma economia, não é possível somar as curvas de demanda de todos os indivíduos para obter uma curva de demanda confiável e descendente para a economia como um todo. Sem isso, não há promessa de equilíbrio.

Isso não é novidade para os economistas, ou pelo menos não deveria ser: na década de 1970, vários teóricos inteligentes perceberam (para seu próprio horror) os pilares dessa secular Teoria do Equilíbrio não se sustentavam. Mas as implicações de sua percepção (espantosamente conhecidas como as condições de Sonnenschein-Mantel-Debreu) ​​foram tão devastadoras para o resto da teoria de modo a refutação parece ter sido ocultada, ignorada ou descartada nos livros didáticos e nos ensinamentos. Deixou os alunos de Economia na ignorância por não saberem de algo estar fundamentalmente fora de sintonia com as polias e pêndulos de equilíbrio do mecanismo de mercado.

Como resultado, as teorias do equilíbrio geral dominaram a análise macroeconômica durante a segunda metade do século XX, e até o crash financeiro de 2008. As variantes “novo-clássicas” da teoria do equilíbrio pressupunham os mercados se ajustarem instantaneamente a choques, dadas as expectativas racionais dos agentes econômicos conhecedores do melhor modelo da Economia.

Elas disputavam a atenção com as chamadas variantes “novo-keynesianas”. Estas assumiam haver atrasos no ajuste, devido a salários e preços “rígidos” (ou não flexíveis) e informações assimétricas.

Ambas as variantes não conseguiram antecipar o acidente de percurso vindo porque, sendo construídas sobre a presunção de equilíbrio, enquanto simultaneamente ignoravam o papel do setor financeiro [isso não é verdade para o modelo de racionamento de crédito de Joseph Stiglitz] eles tinham pouca capacidade de prever, muito menos responder ao boom, crash e depressão.

Com modelos tão inadequados dominando a análise macroeconômica, alguns especialistas de renome começaram a criticar as próprias teorias com autocrítica. Eles haviam ajudado a legitimar essas fantasias.

Robert Solow, conhecido como o pai da teoria neoclássica do crescimento econômico e colaborador de longa data de Paul Samuelson, tornou-se um crítico declarado, primeiro em seu discurso de 2003 sem rodeios, intitulado “Dumb and Dumber in Macroeconomics” e depois em análises capazes de ridicularizarem as suposições aparentemente rigorosas da teoria.

O modelo de equilíbrio geral, ele apontou, na verdade depende de haver apenas um único e imortal consumidor-trabalhador-proprietário maximizando sua utilidade em um futuro infinito, com previsão perfeita e expectativas racionais, tudo isso servido por firmas perfeitamente competitivas. Como na terra esses modelos absurdos se tornaram tão dominantes? Em 2008, Solow deu sua opinião:

“Eu fiquei com um quebra-cabeça, ou até mesmo um desafio. O que explica a capacidade de ‘Macro Moderna’ conquistar corações e mentes entre economistas acadêmicos brilhantes e empreendedores? (…) Sempre houve uma tendência purista na economia onde se quer tudo seguir nitidamente a partir da ganância, racionalidade e equilíbrio, sem ifs, ands ou buts… A teoria é pura, aprendida, não terrivelmente difícil, mas apenas técnica o suficiente para sentir como a ‘Ciência’. Além disso, é praticamente garantido dar conselhos do tipo laissez-faire. Eles se encaixam perfeitamente na virada geral para a direita política, iniciado nos anos 80, e pode ou não estar chegando ao fim”.

Uma coisa está claramente chegando ao fim: a credibilidade da economia de equilíbrio geral. Suas metáforas e modelos foram concebidos para imitar a mecânica newtoniana, mas o pêndulo dos preços, o mecanismo de mercado e o retorno confiável para o descanso estável simplesmente não são adequados para entender o comportamento da economia. Por que não? É o tipo errado de Ciência.

Ninguém apontou este ponto antes com mais força da utilizada por Warren Weaver, diretor de ciências naturais da Fundação Rockefeller, em seu artigo de 1948, “Science and Complexity”. Olhando para os últimos trezentos anos de progresso científico, enquanto simultaneamente olhava para os desafios enfrentados pelo mundo, Weaver agrupou três tipos de problemas a serem entendidos pela ciência.

  1. Em um extremo estão os problemas de simplicidade, envolvendo apenas uma ou duas variáveis ​​na causalidade linear – uma bola de bilhar, uma maçã caindo, um planeta em órbita – e as leis de Newton da mecânica clássica fazem um ótimo trabalho ao explicá-las.
  2. No outro extremo, ele escreveu, há problemas de complexidade desordenada envolvendo o movimento aleatório de bilhões de variáveis ​​– como o movimento de moléculas em um gás – e estes são melhores analisados ​​usando Estatística E Teoria da Probabilidade.
  3. Entre esses dois ramos da Ciência, no entanto, reside um vasto e fascinante domínio: problemas de complexidade organizada. Eles envolvem um número considerável de variáveis ​​“inter-relacionadas em um todo orgânico” do qual emerge um sistema complexo, mas organizado.

Os exemplos de Weaver chegaram perto de fazer as perguntas incapazes de serem feitas e respondidas pela “maçã de Newton”. “O que faz uma rosa brotar e abrir? Quando isso acontece? Por que a água salgada não satisfaz a sede? Um vírus é um organismo vivo?”

Ele notou as questões econômicas também chegarem a esse sistema complexo orgânico e, portanto, emergente de interações. “Como se forma o preço do trigo? É seguro depender da livre interação de forças econômicas como oferta e demanda? (…) Até qual ponto os sistemas de controle econômico devem ser empregados para evitar as grandes oscilações da prosperidade à depressão?”

De fato, Weaver reconheceu a maioria dos desafios biológicos, ecológicos, econômicos, sociais e políticos da humanidade ser questões de complexidade organizada, menos entendidas pela mente humana. “Esses novos problemas, e o futuro do mundo depende de muitos deles, exigem a ciência fazer um terceiro grande avanço”, concluiu ele.

Esse terceiro grande avanço começou nos anos 1970, quando a Ciência da Complexidade, estudando como as relações (interconexões) entre as várias partes de um sistema moldam o comportamento do todo, começou a decolar. Desde então, transformou muitos campos de pesquisa, desde o estudo de ecossistemas e redes de computadores até padrões climáticos e disseminação de doenças.

Embora tudo sobre complexidade pareça ser complicado, no sentido de ser um composto de elementos que entretêm relações numerosas, diversificadas e difíceis de apreender pelo espírito, seu desafio é ser compreensível. O desafio de complexidade é alcançar simplicidade. Seus conceitos centrais são realmente simples de compreender, o que significa, apesar de nossos instintos imediatistas e simplórios, todos nós podemos aprender, através de treinamento e experiência, a sermos melhores pensadores de sistemas.

Um número crescente de economistas está pensando em sistemas também, tornando a Economia da Complexidade, a Teoria das Redes e a Economia Evolucionária entre os campos mais dinâmicos da pesquisa econômica. Mas, graças à influência duradoura de Jevons e Walras, a maior parte do ensino de Economia e livros didáticos ainda introduzem a essência do mundo econômico como linear, mecânica e previsível, resumida pelo mecanismo de equilíbrio do mercado. É uma mentalidade desatualizada e deixará futuros economistas profundamente mal equipados para lidar com a complexidade do mundo contemporâneo.

Em um divertido “retrospecto de 2050”, o economista David Colander, especialista em Metodologia, conta avalia, em 2020, a maioria dos cientistas – de físicos a biólogos – já havia percebido o pensamento sobre complexidade ser essencial para entender grande parte do mundo. Os economistas, no entanto, foram um pouco mais lentos quanto à aceitação, e foi só em 2030 quando “a maioria dos pesquisadores econômicos passou a acreditar a economia ser um sistema complexo pertencente à ciência da complexidade”.

Se essa história do futuro for correta, poderá ser tarde demais. Por que esperar até 2030, quando podemos abandonar as metáforas mal escolhidas da Física newtoniana e ficar mais experientes com sistemas desde já?

Do Equilíbrio Mecânico À Complexidade Dinâmica publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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