Felipe Datt (Valor, 20/06/18) avalia: o aprimoramento da experiência dos correntistas em um mundo cada vez mais digital está no topo da agenda do setor financeiro. O uso intensivo de inteligência artificial e computação cognitiva para a aplicação em robôs inteligentes, ferramentas de analytics para transformar dados em oferta de produtos customizados e a possibilidade de parceiros “plugarem” suas soluções nas plataformas digitais dos bancos – com o open banking – são os temas prioritários na moderna tecnologia bancária.
O objetivo de transformar a experiência digital dos correntistas vem impactando as estratégias de investimentos em tecnologia dos bancos em anos recentes. O fenômeno foi detectado na pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária 2018. Dos R$ 19,5 bilhões alocados em tecnologia em 2017, 32% foram destinados ao segmento de hardwares e 50% em softwares. Em 2011, os data centers consumiam 45% do orçamento e os softwares, apenas 32%.
A mudança é simples de entender: com o novo comportamento das pessoas e o maior uso de canais digitais e redes sociais, aliado ao fenômeno do mobile banking, já respondendo por 35% de todas as transações bancárias no Brasil, os bancos deixaram de mirar apenas as soluções para satisfazerem o discurso de maior eficiência nos processos internos e robustez na capacidade de atendimento. Eles se voltaram na direção de soluções para adicionarem valor à experiência do consumidor.
Conforme a pesquisa da Febraban, 80% dos bancos já investem em inteligência artificial e computação cognitiva. O mesmo percentual afirma investir em soluções de analytics, capazes de extrair insights a partir de um volume imenso de bancos de dados sobre seus clientes. Ele cresce de forma exponencial anualmente. Permitem a criação de produtos e serviços personalizados para os clientes.
“Os dados pessoais [privados e a respeito das riquezas pessoais] são um dos principais insumos dessa nova economia e há um potencial enorme para trabalhar com as informações coletadas e armazenadas”, diz o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal.
Houve de fato uma mudança no mix de investimentos em tecnologia. Antes, 80% dos investimentos eram voltados à manutenção da infraestrutura e 20% para transformar o negócio. Hoje, mais de 50% dos recursos do Bradesco, por exemplo, são destinados à transformação, para adotar novas tecnologias de modo a aprimorar a experiência do cliente.
Os esforços do Bradesco nos últimos três anos foram no sentido de aperfeiçoar as ferramentas de inteligência artificial e uma de suas principais vertentes, o machine learning. Este método comanda as máquinas por meio de algoritmos. Podem:
- identificar padrões a partir de um grande volume de dados,
- criar conexões entre eles e
- executar tarefas com mínima intervenção humana.
Voltado inicialmente a tirar dúvidas de colaboradores, o chatbot Bia passou a interagir com os correntistas no app do banco há cerca de um ano. Em parceria com plataformas de inteligência artificial como o Watson, da IBM, o banco desenvolveu esse robô. Ele aprende continuamente e melhora a resposta aos usuários conforme aumentam as interações. Em um ano, foram mais de 22 milhões de interações com os clientes. Bia conta com uma equipe de 50 curadores e tem conhecimento sobre 64 produtos e serviços do Bradesco.
Há um mês e meio, Bia deixou de apenas fornecer informações para também auxiliar os usuários em suas transações. Ocorre logo após o login e sem necessidade de percorrer o menu. O cliente pode enviar um comando de voz, solicitando à assistente virtual inteligente o pagamento de uma conta ou a transferência de recursos. O que um atendente humano poderia levar minutos para fazer a Bia responde ou executa em menos de um segundo. Viva o desemprego tecnológico! Corta custos e não gera demanda!
Explorar o potencial dos dados coletados dos clientes também é uma estratégia cada vez mais utilizada. Ferramentas de analytics permitem às instituições conhecer melhor os hábitos e preferências dos correntistas, capacitando os bancos a serem mais assertivos na oferta de produtos.
Hoje, com o uso de analytics e de ferramentas de geolocalização, um banco consegue saber se um cliente entrou em uma concessionária e oferecer, automaticamente, uma oferta de financiamento de veículos. Ainda os bancos estão na “ponta do iceberg” no uso dessas soluções.
A transformação dos hábitos dos consumidores e a velocidade de adesão às novas tecnologias também têm impactado nas estruturas de trabalho das áreas digitais dos grandes bancos. Cada vez mais se assemelham a big techs como Google ou Facebook, ou mesmo a fintechs.
As equipes reúnem até dez especialistas de áreas diversas (profissionais de TI, analistas de sistemas, colaboradores da área de negócios, entre outros) e se debruçam de forma colaborativa no desenvolvimento de novos projetos. No BB, em 2017, eram duas “salas ágeis” no banco. Em 2018, já são 170. O modelo traz agilidade no desenvolvimento e na entrega das soluções e permite, com mais facilidade, entender se a tecnologia dará certo ou não ainda na fase de desenvolvimento.
Cientistas sociais e de dados, designers de aplicativos, especialistas em algoritmos e em user experience (UX) e até antropólogos digitais, este jargão entrou na linguagem “moderninha” para designar quem estuda o comportamento dos consumidores nesse mundo hiperconectado. Essas são algumas das profissões do novo quadro de colaboradores, conforme os bancos avançaram em suas jornadas digitais.
O Itaú Unibanco contratou 50 cientistas de dados no ano de 2017 e triplicará esse número em 2018. O banco criou, em 2017, o Centro de Excelência em Analytics e desenvolveu um programa para a formação de cientistas de dados, além de ter estruturado um curso de machine learning. Ele superou a marca de cinco mil inscritos.
No Itaú, o número de projetos entregues aumentou 138%. O time-to-market (o prazo para a entrega de uma solução), foi reduzido em 19%, entre o primeiro trimestre de 2017 e o mesmo período de 2018. Os investimentos do Itaú em tecnologia cresceram 40% nos últimos dois anos. A jornada de transformação digital envolve colaboradores, novas tecnologias e clientes.
É impossível um banco entrar nessa jornada sem mudar a forma como trabalha com os colaboradores. Os resultados começam a se refletir nos balanços financeiros. A operação digital respondeu por 69% do lucro líquido recorrente do banco em 2017. Em 2015, essa fatia era de 32%.
Em operação desde novembro de 2017, o Next, banco digital do Bradesco, atingiu a marca de 150 mil correntistas, com um incremento de três mil novas contas por dia. Os números poderiam ser maiores. Do total de 1,3 milhão de downloads do aplicativo, 700 mil fazem parte da chamada “jornada de adesão”.
Apesar do interesse manifesto, um terço desse contingente represado de futuros clientes ainda não conseguiu abrir a conta corrente digital por um motivo peculiar: a falta de comprovante de residência, como contas de água e luz, no momento do cadastro – uma exigência regulatória no Brasil.
Na maioria dos casos, são pessoas jovens. Elas moram com os pais ou em repúblicas de estudantes, quando não em favelas sem endereços formais. Para resolver a situação, o banco, em parceria com uma startup participante do programa de aceleração inovaBra, desenvolveu um algoritmo capaz de permitir a comprovação da moradia dos futuros clientes por meio de geolocalização.
Dessa forma, consegue verificar o endereço de forma até mais segura em lugar da apresentação de um comprovante tradicional. Com a nova solução, a expectativa é ampliar, logo, a capacidade do Next para a abertura de cinco mil contas por dia.
O exemplo do Bradesco e do programa inovaBra, criado há três anos, não é o único no mercado. Um número maior de instituições financeiras tem apostado em:
parcerias com empresas novatas de tecnologia e
programas de aceleração capazes da identificação e
adoção mais rápida de soluções e ferramentas para a resolução de problemas comuns no dia a dia de suas plataformas digitais.
O Itaú Unibanco anunciou a ampliação do espaço de empreendedorismo Cubo, de uma área de 5 mil m2 para 20 mil m2. A ideia é ampliar o número de startups de 55 para 210.
Em outro exemplo, o Banco do Brasil estruturou uma operação de open banking com a ContaAzul. Ela oferece uma plataforma de gestão e controle financeiro para pequenas e médias empresas.
A expectativa é novas Application Programming Interface (APIs). Elas permitem a integração de diferentes sistemas. Serão lançadas com outros parceiros.
Em outra frente, o banco assinou uma parceria com a aceleradora Startup Farm para se aproximar do ecossistema de startups. O programa de aceleração “Ahead Banco do Brasil” selecionará até dez startups para serem aceleradas em São Paulo e proverem soluções para o banco.
Com o lançamento da Agenda BC+, o Banco Central (BC) também tem buscado fomentar a inovação no sistema financeiro. Além da resolução com regulamentação da atuação das fintechs de crédito no Brasil, a Autoridade Monetária anunciou o lançamento do Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas (LIFT), com o objetivo de fomentar o desenvolvimento de soluções financeiras tecnológicas. O espaço funcionará em um ambiente virtual e será destinado ao desenvolvimento de protótipos, que posteriormente poderão se transformar em produtos ou serviços nas aceleradoras dos bancos ou em universidades.
A intenção do LIFT é atrair ideias para utilizar tecnologias disruptivas como analytics, blockchain e inteligência artificial para promover a inovação tecnológica no sistema financeiro nos próximos anos no Brasil.
O processo de inovação não é apenas inevitável como tem potencial de aumentar eficiência do sistema financeiro brasileiro. A maior eficiência virá em novas opções de produtos e serviços personalizados, redução de custos para o consumidor, melhora da educação financeira e aumento da inclusão financeira. Só coisa boa, né? Não falam do desemprego tecnológico…
Poder de Grandes Dados (Big Data) em Bancos publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com

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