Yuval Noah Harari, no livro “21 lições para o século 21” (São Paulo: Companhia das Letras; 2017), pergunta: se humanos não são necessários nem como produtores nem como consumidores, o que vai salvaguardar sua sobrevivência física e seu bem-estar psicológico?
Não podemos esperar que a crise irrompa com toda a força antes de começarmos a buscar as respostas. Será tarde demais. Para lidar com as rupturas tecnológicas e econômicas inéditas do século XXI, precisamos desenvolver novos modelos sociais e econômicos o quanto antes.
Esses modelos deveriam ser orientados pelo princípio de que é preciso proteger os humanos e não os empregos. Muitos empregos são uma faina pouco recompensadora, que não vale a pena salvar. Ser caixa não é o sonho de vida de ninguém. Deveríamos nos focar em prover as necessidades básicas das pessoas e em proteger seu status social e sua autoestima.
Um modelo novo que atrai cada vez mais atenção é o da renda básica universal (RBU). A RBU propõe que:
- os governos tributem os bilionários e as corporações que controlam os algoritmos e robôs, e
- usem o dinheiro para prover cada pessoa com um generoso estipêndio que cubra suas necessidades básicas.
Isso protegerá os pobres da perda de emprego e da exclusão econômica, enquanto protege os ricos da ira populista.
Uma ideia relacionada a isso propõe ampliar o âmbito de atividades humanas consideradas “empregos”. Atualmente, bilhões de mães e pais cuidam de seus filhos, vizinhos cuidam uns dos outros e cidadãos organizam comunidades sem que qualquer dessas valiosas atividades seja reconhecida como emprego.
Talvez precisemos mudar uma chave em nossa mente, e nos dar conta de que cuidar de uma criança e de um idoso com doença senil é sem dúvida o emprego mais importante e desafiador do mundo. Assim, não haverá escassez de trabalho mesmo que computadores e robôs substituam todos os motoristas, gerentes de banco e advogados.
A questão, é claro, é quem vai avaliar e pagar por esses empregos recém-reconhecidos? Supondo que bebês de seis meses não pagarão salários a suas mães, o governo provavelmente terá de se responsabilizar por isso. Supondo também que vamos querer que esses salários cubram as necessidades básicas de uma família, o resultado final será algo não muito diferente da renda básica universal.
Uma outra opção é o subsídio público de serviços básicos universais, no lugar da renda. Em vez de dar dinheiro às pessoas, que então poderiam comprar o que quisessem, o governo poderia subsidiar educação, saúde e transporte gratuitos, entre outros serviços. Essa é, na verdade, a visão utópica do comunismo. O plano comunista de promover a revolução proletária talvez esteja obsoleto, mas quem sabe ainda deveríamos visar a realizar o objetivo comunista por outros meios?
Pode-se discutir se é melhor fornecer às pessoas uma renda básica universal (o paraíso capitalista) ou serviços básicos universais (o paraíso comunista). Ambas as opções têm vantagens e desvantagens. Mas não importa qual paraíso você escolha, o problema real está em definir o que “universal” e “básico” realmente significam.
Quando as pessoas falam de um auxílio básico universal — em forma de renda ou de serviços —, em geral estão se referindo a um auxílio básico nacional. Até agora, todas as iniciativas de RBU têm sido estritamente nacionais ou municipais de países mais civilizados.
No entanto, o problema com tais programas nacionais e municipais é que as principais vítimas da automação provavelmente não vivem nesses lugares avançados. A globalização fez as pessoas em um país dependerem totalmente dos mercados de outros países, mas a automação poderia desfazer grande parte dessa rede global de comércio, com consequências desastrosas para as conexões mais fracas.
No século XX, países em desenvolvimento carentes de recursos naturais progrediram economicamente sobretudo com os salários baixos de seus trabalhadores não qualificados. Hoje em dia, milhões de habitantes de países subdesenvolvidos ganham a vida produzindo camisas e as vendendo a clientes nos desenvolvidos, enquanto o ganha-pão de outras pessoas em periféricos é lidar com as reclamações dos clientes do centro em centrais de teleatendimento.
Mas com a ascensão da IA, de robôs e impressoras 3-D, o trabalho não qualificado e barato torna-se muito menos importante. Em vez de fabricar uma camisa na periferia e despachá-la para os longínquos Estados Unidos, pode-se comprar o código on-line da camisa na Amazon e imprimi-la em uma impressora em casa.
Depois, em vez de ligar para serviços de atendimento ao consumidor na Índia para reclamar de sua impressora, você poderia conversar com um representante de IA na nuvem do Google, cujo sotaque e tom de voz podem se modelados segundo sua preferência. Se os operários e operadores de SAC recém-desempregados na periferia não têm a instrução necessária para virarem estilistas ou programadores — então como vão sobreviver?
Em vez de um crescimento econômico que melhore as condições em todo o mundo, veremos uma nova e imensa riqueza criada em nichos de alta tecnologia, como o Vale do Silício, enquanto muitos países em desenvolvimento vão à ruína.
Qual será o destino dos retardatários? É possível que os eleitores americanos aceitem que os impostos pagos pela Amazon e pelo Google por seus negócios nos Estados Unidos sejam usados para oferecer estipêndios ou serviços gratuitos a mineiros desempregados na Pensilvânia e a taxistas sem trabalho em Nova York. No entanto, os eleitores americanos aceitariam que esses impostos fossem enviados para sustentar pessoas desempregadas em lugares que o presidente Trump definiu como “países de merda”?”
Proteger os Humanos e não os Empregos publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário