quarta-feira, 24 de abril de 2019

Instrumentos para Rastreamento do Cérebro

Martin Lindstorm escreveu o livro A lógica do consumo: verdades e mentiras sobre por que compramos (tradução Marcello Lino. Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2017).

Ele informa: um aparelho de IRMf (Imagem por Ressonância Magnética funcional) é uma enorme máquina de quatro milhões de dólares. Ela mais parece uma gigantesca rosca esculpida, acrescida de uma língua muito longa e fixa. Sendo a mais avançada técnica de rastreamento cerebral disponível atualmente, o IRMf mede as propriedades magnéticas da hemoglobina, componente nos glóbulos vermelhos do sangue transportador de oxigênio pelo corpo. Em resumo, o IRMf mede a quantidade de sangue oxigenado no cérebro e pode identificar com precisão até uma área de apenas um milímetro.

Ao realizar uma tarefa específica, o cérebro requer mais combustível — principalmente oxigênio e glicose. Portanto, quanto mais uma certa região do cérebro estiver trabalhando, maior será o consumo de combustível e o fluxo de sangue oxigenado para aquela região. Portanto, durante o exame no IRMf, quando uma parte do cérebro está sendo usada, aquela região se acende em vermelho-fogo. Ao rastrear essa ativação, os neurocientistas podem determinar quais áreas específicas do cérebro estão trabalhando em um determinado momento.

Os neurocientistas normalmente usam esse instrumento de 32 toneladas e do tamanho de um carro de passeio para diagnosticar tumores, derrames, lesões nas juntas e outras afecções capazes de frustrarem o desempenho de raios X e tomógrafos computadorizados. Os neuropsiquiatras perceberam o IRMf ser útil para esclarecer certas doenças psiquiátricas de tratamento difícil, dentre as quais psicoses, sociopatia e distúrbio bipolar.

Mas aqueles fumantes tragando, batendo papo e circulando na sala de espera não estavam doentes nem sofriam de distúrbio algum. Junto com uma amostragem semelhante de fumantes nos Estados Unidos, eles foram cuidadosamente selecionados para participar de um revolucionário estudo de neuromarketing, e ajudavam Martin Lindstorm a chegar ao fundo de um mistério capaz de pasmar profissionais de saúde, fabricantes de cigarros, fumantes e não fumantes havia décadas.

Durante muito tempo, as advertências posicionadas de forma proeminente nas embalagens de cigarros pareciam surtir um efeito estranhamente pequeno nos fumantes, se é que surtiam algum. Fumar causa câncer de pulmão. Fumar causa enfisema. Fumar durante a gravidez causa malformações no feto.

Você poderia imaginar: essas imagens explícitas deteriam a maioria dos fumantes. Então, por que, em 2006, apesar de proibidas as propagandas de cigarro, das advertências diretas e frequentes por parte da comunidade médica e do investimento maciço dos governos em campanhas antitabagismo, os consumidores ao redor do mundo continuaram a fumar astronômicos 5,763 bilhões de cigarros, uma cifra não incluindo cigarros isentos de impostos ou o enorme mercado negro internacional?

Não faz sentido. Os fumantes são seletivamente cegos em relação a imagens de advertência? Será que pensam: “Sim, mas sou a exceção à regra”? Estão fazendo uma enorme bravata contra o mundo? Acreditam secretamente serem imortais? Ou eles conhecem os perigos trazidos pelo cigarro à saúde e simplesmente não estão nem aí para o risco de morte?

Era isso esperado por Martin Lindstorm descobrir utilizando a tecnologia do IRMf. Aqueles 32 fumantes do estudo estavam entre os 2.081 voluntários vindos dos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Japão e China recrutados para o maior e mais revolucionário experimento de neuromarketing da História.

Aquele estudo era 25 vezes maior do que qualquer outro na área de neuromarketing realizado até então. Usando as ferramentas científicas mais avançadas à disposição, a experiência revelou as verdades ocultas por trás do modo:

  1. como as mensagens de branding e marketing funcionam no cérebro humano,
  2. como o nosso eu mais verdadeiro reage a estímulos em um nível muito mais profundo que o pensamento consciente e
  3. como a mente inconsciente controla o nosso comportamento (geralmente o contrário de como pensamos que nos comportamos).

Em outras palavras, Lindstrom iniciou uma jornada para investigar alguns dos maiores enigmas e problemas com os quais se defrontam consumidores, empresas, anunciantes e governos nos dias de hoje.

Por exemplo:

  1. O merchandising realmente funciona? (A resposta, descobriu, é um retumbante não.)
  2. Que força têm as logomarcas? (Aroma e som são mais poderosos do que qualquer logo por si só.)
  3. Publicidade subliminar ainda ocorre? (Sim, e ela provavelmente teve influência sobre o que você escolheu na loja de conveniência no outro dia.)
  4. O nosso comportamento de consumo é afetado pelas maiores religiões do mundo? (Sem dúvida, e cada vez mais.)
  5. Que efeito os avisos e advertências de saúde surtem em nós? (Continue lendo.)
  6. Será que o sexo na publicidade funciona (na verdade, não) e será que poderia se tornar mais explícito do que já é? (Espere para ver.)

Iniciado em 2004, o seu estudo consumiu, do início ao fim, quase três anos da sua vida, custou aproximadamente sete milhões de dólares (fornecidos por oito empresas multinacionais), abrangeu vários experimentos e envolveu milhares de pessoas vindas do mundo todo para servir de objeto de estudo, bem como duzentos pesquisadores, dez professores universitários e doutores e uma comissão de ética.

Ele lançou mão de dois dos mais sofisticados instrumentos de rastreamento cerebral do mundo: o IRMf e uma versão avançada do eletroencefalograma chamada TEE, abreviatura de topografia de estado estável, que rastreia ondas cerebrais rápidas em tempo real. E quais foram os resultados? Bem, por enquanto Martin Lindstorm diz apenas: eles vão transformar a sua visão de como e por que você compra.

“As advertências sobre cigarros — seja informando sobre o risco de contrair enfisema, doenças cardíacas ou uma série de outras afecções crônicas — haviam na verdade estimulado uma área do cérebro dos fumantes chamada nucleus accumbens, também conhecida como “ponto do desejo”. Essa região é um elo na malha de neurônios especializados que se acendem quando o corpo deseja algo — seja álcool, drogas, tabaco, sexo ou apostas. Quando estimulado, o nucleus accumbens exige doses cada vez mais altas para ser aplacado.

Em suma, os resultados do IRMf mostraram as imagens de advertência sobre cigarros não apenas fracassarem em desestimular o fumo, mas, ao ativarem o nucleus accumbens, aparentemente encorajavam os fumantes a acender um cigarro.

Não pudemos deixar de concluir: aquelas mesmas imagens de advertência sobre cigarros visando limitar o fumo, reduzir a incidência de câncer e salvar vidas haviam, pelo contrário, se tornado um assustador instrumento de marketing para a indústria do tabaco.

A maioria dos fumantes respondeu: as imagens de advertência aparentemente funcionavam — talvez porque acreditassem que aquela fosse a resposta certa, fosse o que os pesquisadores queriam ouvir ou então porque se sentiam culpados, pois sabiam o que o cigarro estava fazendo com sua saúde. No entanto, os nossos voluntários não se sentiam envergonhados pelo que o cigarro estava fazendo com seu corpo; sentiam-se culpados porque aquelas imagens estimulavam as áreas de seu cérebro ligadas ao desejo.

Sua mente consciente simplesmente não conseguia estabelecer a diferença. Ninguém estava mentindo quando respondeu o questionário. Mas seu cérebro — a área mais honesta de todas — havia desmentido retumbantemente o respondido. Do mesmo modo como o cérebro de cada um de nós faz todo dia.

Os resultados dos estudos suplementares sobre as imagens cerebrais realizadas foram tão provocadores, fascinantes e polêmicos quanto o do projeto de pesquisa sobre cigarros. Um a um, eles se aproximaram de um objetivo proposto por Martin Lindstorm a alcançar: derrubar alguns dos pressupostos, mitos e crenças mais antigos sobre que tipos de publicidade, branding e embalagens realmente estimulam o nosso interesse e nos incentivam a comprar.

Se ele conseguisse ajudar a desvendar as forças subconscientes que estimulam os nossos interesses e, em última instância, nos fazem abrir a carteira, o estudo daquelas imagens cerebrais comporia os três anos mais importantes da sua vida.

Quanto à sua profissão, é um especialista em branding global, ou seja, durante toda a sua vida, sua missão (e paixão) tem sido descobrir como os consumidores raciocinam, por que compram certos produtos ou não — e o que os profissionais de marketing e anunciantes podem fazer para dar nova vida a produtos que estão com problemas, encalhados, em declínio ou, simplesmente, fracos em vendas desde o início.

Instrumentos para Rastreamento do Cérebro publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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