terça-feira, 30 de abril de 2019

A Mente Americana Mimada

Greg Lukianoff e Jonathan Haidt, autores de “A Superproteção da Mente Americana” [“The Coddling of the American Mind”], afirmam: você pode encontrar muitas mentiras em campi universitários, em escolas secundárias e em muitos lares. Essas inverdades raramente são ensinadas explicitamente. Ao contrário, elas são transmitidas aos jovens pelas regras, práticas e normas lhes impostas, muitas vezes com as melhores intenções.

Este é um livro sobre três Grandes Inverdades, espalhadas amplamente nos últimos anos:

  1. A Inverdade da Fragilidade: “O que não mata você deixa você mais fraco”.
  2. A Falsidade do Raciocínio Emocional: “Sempre confie em seus sentimentos”.
  3. A Mentira de Nós Contra Eles: “A vida é uma batalha entre pessoas boas e pessoas más”.

Enquanto muitas proposições são falsas, a fim de ser classificada como uma grande mentira, uma ideia deve atender a três critérios:

  1. Ela contradiz a sabedoria antiga, isto é, ideias amplamente encontradas na literatura com sabedoria de muitas culturas.
  2. Ela contradiz a moderna pesquisa psicológica sobre o bem-estar.
  3. Ela prejudica os indivíduos e as comunidades, inocentemente, capazes de a adotarem.

Mostrará como essas três Grandes Inverdades – e as políticas e os movimentos políticos utilizadores delas – estão causando problemas para os jovens, as universidades e, mais genericamente, as democracias liberais. Para citar apenas alguns destes problemas: a ansiedade adolescente, a depressão e as taxas de suicídio aumentaram acentuadamente nos últimos anos.

A cultura em muitos campi universitários tornou-se mais ideologicamente uniforme, comprometendo a capacidade dos acadêmicos de buscar a verdade e de os alunos aprenderem com uma ampla gama de pensadores. Extremistas proliferaram na extrema direita e na extrema esquerda, provocando um ao outro a níveis cada vez mais profundos de ódio.

A mídia social canalizou as paixões partidárias para a criação de uma “cultura de destaque”: qualquer um pode ser publicamente envergonhado por dizer algo bem-intencionado, mas possível de alguém interpretar sem caridade como uma ignorância ou má-fé.

As plataformas digitais e as novas mídias sociais permitem os cidadãos se refugiarem em bolhas auto confirmatórias, onde seus piores temores sobre os males do outro lado podem ser confirmados e amplificados por extremistas e trolls cibernéticos. Eles pretendem semear a discórdia e a divisão.

As três Grandes Inverdades floresceram em muitos campi universitários, mas têm suas raízes em experiências anteriores de educação e infância. Agora eles se estendem do campus para o mundo corporativo e a praça pública, incluindo a política nacional.

Eles também estão se espalhando das universidades americanas para as universidades em todo o mundo de língua inglesa. Essas grandes inverdades são ruins para todos. Qualquer pessoa preocupada com os jovens, a educação ou a democracia deve se preocupar com essas tendências.

Nos anos passados, os administradores foram motivados a criar códigos de discurso no campus para restringir o que consideravam discurso racista ou sexista. Cada vez mais, no entanto, a justificativa para os códigos de discurso e os questionamentos dos lugares-comuns por parte dos palestrantes estava se tornando medicada: os alunos alegavam certos tipos de discurso – e até mesmo o conteúdo de alguns livros e cursos – interferiam em sua capacidade de pensar. Eles queriam proteção contra esse material “subversivo”. Acreditavam eles poderem colocar em risco sua saúde mental, ou “provocando-os” ou deixando-os “inseguros”.

Para dar um exemplo: o “Currículo Básico” da Columbia University (parte da exigência de educação geral para todos os alunos do Columbia College) apresenta um curso chamado Obras-Primas da Literatura e Filosofia Ocidental. Em um ponto, isso inclui trabalhos de Ovídio, Homero, Dante, Agostinho, Montaigne e Woolf. Segundo a Universidade, o curso deveria abordar “as questões mais difíceis sobre a experiência humana”.

No entanto, em 2015, quatro estudantes de Columbia escreveram um ensaio no jornal da escola argumentando: “os alunos precisam se sentir seguros em sala de aula”, mas “muitos textos no cânone ocidental são elaborados com histórias e narrativas de exclusão e opressão”. Eles contêm “material desnorteante e ofensivo, capazes de marginalizar as identidades dos alunos na sala de aula”.

Alguns alunos disseram esses textos serem tão desafiadores para ler e discutir a ponto de os professores deverem emitir “alertas preventivos”. Deveriam fornecer apoio psicológico aos alunos com notificações verbais ou escritas (fornecidas por um professor capacitado) para alertar aos alunos de “eles estarem prestes a encontrar material potencialmente angustiante”!

O ensaio foi matizado e trouxe alguns pontos importantes sobre a diversificação do cânone literário, mas é “a segurança versus o perigo” uma estrutura útil para discutir reações à literatura? Ou será o próprio arcabouço capaz de alterar as reações de um estudante a textos antigos, criando um sentimento de ameaça e uma reação de estresse ao invés, de outra forma, ter sido sentido apenas como desconforto ou aversão?

É claro o ativismo estudantil não ser novidade. Os alunos têm tentado ativamente moldar seu ambiente de aprendizado por décadas, como quando eles se juntaram a professores durante as “guerras canônicas” dos anos 90. Esse foi o esforço para adicionar mais mulheres e escritores de cor em lugar de “homens brancos mortos” dominantes nas listas de leitura. O “politicamente correto” virou discurso justificativo para os populistas de direita rejeitarem todo o discurso de esquerda.

Os estudantes, nas décadas de 1960 e 1970, muitas vezes tentavam manter os palestrantes fora do campus norte-americanos, ou mesmo impedir os palestrantes ideologicamente opostos serem ouvidos. Por exemplo, estudantes de várias universidades protestaram contra palestras do biólogo de Harvard E. O. Wilson por causa de seus escritos sobre como a evolução moldou o comportamento humano. Alguns líderes estudantis pensavam essa Teoria da Evolução poder ser usada para justificar os papéis e desigualdades de gênero existentes. Um cartaz, anunciando um protesto, pediu aos colegas: “tragam noisemakers”.

Mas esses esforços de censura não foram motivados por preocupações com a saúde. Os estudantes queriam bloquear as pessoas julgadas por eles, sumariamente, como defensoras de “más ideias”.

Aliás, é como fazem hoje, mas, naquela época, não estavam dizendo aos membros da comunidade escolar eles serem prejudicados pela visita do palestrante e/ou pela exposição de ideias provocadoras de reflexão. Eles certamente não estavam pedindo aos professores e administradores adotarem uma atitude mais protetora em relação a eles, protegendo-os da presença de certas pessoas incômodas.

O que é novo hoje é a premissa de os estudantes serem frágeis. Mesmo aqueles não frágeis acreditam os outros estarem em perigo e, portanto, precisarem de proteção. Não há expectativa de os alunos se tornarem mais fortes a partir de seus encontros com a fala ou com os textos chamados por eles de “provocadores”. (Essa é a inverdade da fragilidade: o que não mata te deixa mais fraco).

Greg Lukianoff temia, se os alunos se considerassem frágeis, ficassem longe do estudo. Se os alunos não desenvolvessem habilidades ao aceitarem convites amigáveis ​​para treinar no “ringue de prática”, e se evitassem essas oportunidades, porque “pessoas bem-intencionada”s os convenceram de eles serem prejudicados por tal treinamento, bem, seria uma tragédia para todos em causa. Suas crenças sobre a própria fragilidade e a fragilidade dos outros diante de ideias não apreciadas, aprioristicamente, se tornariam profecias autorrealizáveis.

Os alunos não apenas acreditariam não poderem lidar com essas “coisas”, mas se agissem com essa crença e evitassem a exposição, eventualmente se tornariam menos capazes de fazê-lo. Se os alunos conseguissem criar “bolhas de segurança” intelectual”, na faculdade, eles não se preparariam para uma ansiedade e um conflito ainda maiores, depois da formatura, quando certamente encontrariam muito mais pessoas com visões mais extremistas em relação às suas.

Com base na experiência pessoal e profissional de Greg Lukianoff, sua teoria era a seguinte: os estudantes estavam começando a exigir proteção da fala porque haviam aprendido involuntariamente a empregar as distorções cognitivas. Simplesmente, muitos estudantes universitários estavam aprendendo a pensar de maneira distorcida ou superprotegida. Isso aumentaria a probabilidade de se tornarem frágeis, ansiosos e facilmente magoados.

Greg Lukianoff queria discutir essa teoria um psicólogo social. Aí consultou Jonathan Haidt. Este escreveu extensamente sobre o poder da TCC e sua estreita adequação à sabedoria antiga. Ele imediatamente viu o potencial na ideia de Greg.

Como professor da Stern School of Business da Universidade de Nova York, ele acabava de começar a ver os primeiros sinais desse novo “modelo frágil de estudante”. Sua principal área de pesquisa era a Psicologia Moral e seu segundo livro, The Righteous Mind: Why Good People Are Divided by Politics and Religion, foi um esforço para ajudar as pessoas a entender diferentes culturas morais, ou matrizes morais, particularmente as culturas morais da esquerda e da direita políticas.

O termo “matrix”, como usado por ele, vem do romance de ficção científica Neuromancer, de 1984, de William Gibson. Ele foi a inspiração para o filme posterior The Matrix. Gibson imaginou uma rede futurista, semelhante à internet, conectando todos a “bolha de autoconfirmação”. Ele a chamou de “matriz” e se referiu a ela como “uma alucinação consensual”. O psicólogo social achou esta ser uma ótima maneira de pensar sobre as culturas morais.

Um grupo cria uma matriz moral consensual à medida que os indivíduos interagem uns com os outros. Então, eles agem de maneiras a poderem ser ininteligíveis para pessoas de fora.

Na época, parecia uma nova matriz moral estar se formando em algumas universidades e estar destinada a crescer. A mídia social, é claro, é perfeitamente projetada para ajudar as “alucinações consensuais” a se espalharem nas comunidades conectadas em velocidade distorcida – no campus e fora, à esquerda e à direita.

Greg Lukianoff e Jonathan Haidt, ansiosamente, se juntaram na tentativa de resolver esse mistério. Escreveram um artigo juntos, explorando a ideia de Greg e usando-a para explicar vários eventos e tendências surgidas no campus nos dois anos anteriores.

Submeteram o artigo ao The Atlantic com o título “Argumentando sobre a miséria: como os campus ensinam distorções cognitivas”. O editor, Don Peck, gostou do artigo, ajudou-lhes a reforçar o argumento e deu-lhe um título mais sucinto e provocador: “A mente americana mimada”. Este foi o título adotado por Greg Lukianoff e Jonathan Haidt para o livro aqui resenhado.

No ambiente existente desde 2015, praticamente, qualquer pessoa de qualquer idade e em qualquer ponto do espectro político poderia argumentar estar ansioso, deprimido ou indignado. Esta não é uma explicação suficiente para o desassossego e as novas demandas por “segurança mental” no campus? Por que não voltar às questões levantadas naquele artigo original?

A Mente Americana Mimada publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



Nenhum comentário:

Postar um comentário