quarta-feira, 24 de abril de 2019

Destruição Criadora de Novas Atividades Ocupacionais

Yuval Noah Harari, no livro “21 lições para o século 21” (São Paulo: Companhia das Letras; 2017), afirma: a perda de muitos trabalhos tradicionais, da arte aos serviços de saúde, será parcialmente compensada pela criação de novos trabalhos humanos.

Um clínico geral que diagnostica doenças conhecidas e administra tratamentos de rotina provavelmente será substituído pela IA médica. Mas, justamente por causa disso, haverá muito mais dinheiro para pagar médicos e assistentes de laboratório humanos que façam pesquisas inovadoras e desenvolvam novos medicamentos ou procedimentos cirúrgicos.

A IA poderia ajudar a criar novos empregos humanos de outra maneira. Em vez de os humanos competirem com a IA, poderiam concentrar-se nos serviços à IA e na sua alavancagem. Por exemplo, a substituição de pilotos humanos por drones eliminou alguns empregos, mas criou muitas oportunidades novas em manutenção, controle remoto, análise de dados e segurança cibernética.

É possível que o mercado de trabalho em 2050 se caracterize pela cooperação, e não pela competição, entre humanos e IA. Em campos que vão do policiamento à atividade bancária, equipes formadas por humanos e IA poderiam superar o desempenho tanto de humanos quanto de computadores.

O problema com todos esses novos empregos, no entanto, é que eles provavelmente exigirão altos níveis de especialização, e não resolverão, portanto, os problemas dos trabalhadores não qualificados que estão desempregados. A criação de novos empregos humanos pode mostrar-se mais fácil do que treinar novamente humanos para preencher esses empregos.

Em ciclos de automação anteriores, as pessoas podiam passar de um trabalho padronizado de baixa qualificação a outro com facilidade. Em 1920, um trabalhador agrícola dispensado devido à mecanização da agricultura era capaz de achar um novo emprego em uma fábrica de tratores. Em 1980, um operário de fábrica desempregado poderia trabalhar como caixa em um supermercado. Essas mudanças de ocupação eram possíveis porque a mudança do campo para a fábrica e da fábrica para o supermercado só exigiam um retreinamento limitado.

Em 2050, porém, um caixa ou um operário da indústria têxtil que perder seu emprego para um robô dificilmente estará apto a começar a trabalhar como oncologista, como operador de drone ou como parte de uma equipe humanos-IA num banco. Não terão as habilidades necessárias.

Apesar do aparecimento de muitos novos empregos humanos, poderíamos assim mesmo testemunhar o surgimento de uma nova classe de “inúteis”. Poderíamos de fato ficar com o que há de pior nos dois mundos, sofrendo ao mesmo tempo de:

  1. altos níveis de desemprego e
  2. escassez de trabalho especializado.

Muita gente poderia compartilhar do destino não dos condutores de carroça do século XIX — que passaram a ser taxistas —, mas dos cavalos do século XIX, que foram progressivamente expulsos do mercado de trabalho.

Além disso, nenhum dos empregos humanos que sobrarem estará livre da ameaça da automação, porque o aprendizado de máquina e a robótica continuarão a se aprimorar. Um caixa do Walmart de quarenta anos de idade desempregado que graças a esforços sobre-humanos consegue se reinventar como piloto de drone poderá ter de se reinventar novamente dez anos depois, quando a pilotagem de drones poderá também ter sido automatizada.

Essa volatilidade também dificultará a organização de sindicatos e a garantia de direitos trabalhistas. Se hoje muitos novos empregos em economias avançadas já envolvem trabalho temporário sem proteção, trabalho de freelancer e tarefas isoladas realizadas só uma vez, como sindicalizar uma profissão que prolifera e desaparece em uma década?

A criação de novos empregos e o retreinamento de pessoas para ocupá-los serão um processo recorrente. A revolução da IA não será um único divisor de águas após o qual o mercado de trabalho vai se acomodar num novo equilíbrio. Será, sim, uma torrente de rupturas cada vez maiores.

Já hoje poucos empregados esperam permanecer no mesmo emprego por toda a vida. Em 2050 não apenas a ideia de “um emprego para a vida inteira” mas até mesmo a ideia de “uma profissão para a vida inteira” parecerão antidiluvianas.

Mesmo se fosse possível inventar novos empregos e retreinar a força de trabalho constantemente, cabe a nós perguntar se um humano mediano terá a energia e a resistência necessárias para uma vida de tantas mudanças. Mudanças são sempre estressantes, e o mundo frenético do início do século XXI gerou uma epidemia global de estresse.

Será que as pessoas serão capazes de lidar com a volatilidade do mercado de trabalho e das carreiras individuais? Provavelmente vamos precisar de técnicas de redução de estresse ainda mais eficazes — desde medicamentos, passando por psicoterapia e meditação — para evitar que a mente do Sapiens entre em colapso. Uma classe “inútil” pode surgir em 2050 devido não apenas à falta absoluta de emprego ou de educação adequada, mas também devido à falta de energia mental.

Destruição Criadora de Novas Atividades Ocupacionais publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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