sexta-feira, 26 de abril de 2019

Templos de Consumo: Fé e Lealdade Religiosa em Marcas

Martin Lindstorm, no livro “A lógica do consumo”, diz os dois métodos de pesquisa, com o TEE, a versão avançada do eletroencefalógrafo, e com o IRMf, terem bons atributos. Nenhum desses instrumentos é invasivo. Nenhum envolve radiação. Ambos são capazes de medir com mais precisão do que qualquer outro instrumento disponível o nível de atração (ou repulsa) emocional que nós, como consumidores, sentimos.

O IRMf é capaz de identificar com precisão no cérebro uma área tão pequena quanto um milímetro. Basicamente, o aparelho faz um minifilme amador do cérebro a cada intervalo de poucos segundos — e em dez minutos pode reunir uma quantidade espetacular de informações.

Enquanto isso, o TEE, menos caro, tem a vantagem de medir as reações instantaneamente, ao passo que o IRMf tem alguns segundos de atraso. Isso torna o TEE ideal para registrar a atividade cerebral enquanto as pessoas estão assistindo a comerciais e programas de tevê, ou a qualquer outro tipo de estímulo visual, em tempo real. Melhor ainda, é portátil e pode ser levado em viagens — é uma espécie de laboratório móvel.

“Um rastreamento cerebral típico realizado por um IRMf envolve planejamento, análise, realização da experiência e interpretação dos resultados, o que pode sair caro. Os estudos realizados com TEE são bem menos dispendiosos.

Neuromarketing não significa implantar ideias no cérebro das pessoas ou forçá-las a comprar o que não querem. Significa revelar o que já está dentro da nossa cabeça — a nossa “lógica de consumo”.

Assim como as religiões, as empresas e marcas de sucesso têm uma noção de missão clara e muito poderosa. As religiões de sucesso também lutam para exercer poder sobre seus inimigos.

Conflitos religiosos existem desde o início dos tempos e basta uma rápida olhada nas notícias para ver que a tomada de posição contra o Outro é uma poderosa força unificadora. O fato de ter um inimigo identificável nos dá não apenas a possibilidade de articular e demonstrar nossa fé, mas também de nos unirmos aos nossos irmãos de credo.

Essa mentalidade do tipo “nós contra eles” também pode ser vista em todo o mundo do consumo. Essa estratégia do tipo “nós contra eles” atrai fãs, estimula controvérsia, cria lealdade e nos faz pensar e discutir — e, é claro, comprar.

O apelo sensorial é outra característica fundamental das grandes religiões do mundo. Feche os olhos e entre em uma igreja, templo ou mesquita. Você será imediatamente envolto pelo ambiente do edifício ao sentir o cheiro do ar, do incenso e da madeira. Se você abrir os olhos, verá a luz se refletir nos vitrais. Talvez um sino esteja repicando, um órgão esteja sendo tocado, ou um padre, rabino ou reverendo esteja falando. De certa maneira, nossos sentidos nos permitem “sentir” o coração, a alma e o peso de uma religião.

E o mesmo não acontece com os produtos? Produtos e marcas evocam certos sentimentos e associações com base em sua aparência, sensação ou aroma. Pense no aroma de couro de um Mercedes-Benz novo em folha. Ou nas linhas elegantes e esteticamente agradáveis de um iPod. As qualidades sensoriais de um produto quase sempre evocam uma reação emocional, seja ela de incômodo ou anseio.

Outra parte integral das religiões é a narração de histórias. As narrativas podem estar reunidas no Novo Testamento, na Torá ou no Alcorão, mas toda religião se baseia em uma série de histórias e contos — centenas e mais centenas deles (às vezes, horripilantes; outras vezes, milagrosos; e, muitas vezes, uma mistura das duas coisas).

Os rituais adotados pela maioria das religiões nos quais pede que participemos — rezando, nos ajoelhando, meditando, jejuando, entoando hinos ou recebendo o sacramento — têm raízes nessas histórias. Elas são a base da fé.

Da mesma maneira, toda marca de sucesso está ligada a algumas histórias. Pense na decisão recente da Whole Foods de vender um número limitado de sacolas com as seguintes palavras escritas em letras garrafais: I’m Not a Plastic Bag (Não sou uma sacola de plástico). Se não são sacolas de plástico, o que são? Isso não importava. Intuindo uma história à qual eles mesmos podiam dar sentido, hordas de consumidores fizeram fila, e as sacolas esgotaram quase imediatamente.

A maioria das religiões também celebra uma sensação de grandiosidade, embora algumas enfatizem a austeridade. Você alguma vez já esteve no Vaticano? Entre os tetos abobadados, os belos afrescos, as ricas tapeçarias, móveis e quadros, saímos com a percepção de que somos meros mortais, apequenados por algo muito maior do que nós mesmos. A preservação dessa sensação de grandiosidade é, na verdade, tão importante que nenhum edifício em Roma pode ser mais alto do que a basílica de São Pedro.

Pense no esplendor do templo do Buda Dourado em Bangcoc, adornado por um Buda de quase 3,5 metros de altura. Em ouro maciço, a estátua pesa mais de 2,5 toneladas e está avaliada em aproximadamente duzentos milhões de dólares.

Muitas empresas trabalham de forma semelhante para inspirar sentimentos de admiração e deslumbramento. Na verdade, basta pensar em várias marcas de luxo — as lojas principais da Louis Vuitton em Paris, da Prada em Tóquio, da Apple em Nova York e Chicago. Tudo isso foi criado para gerar uma noção de grandiosidade.

Algumas empresas e produtos inspiram deslumbramento pelo simples alcance de sua visão. Pense em como o Google Maps, com a sua capacidade de esquadrinhar a paisagem desde Maine até Marte, imprimiu à empresa uma grandiosidade onipotente, onipresente, como se ela agora fosse dona dos mapas, dos céus e até do espaço exterior.

E quanto à noção de evangelismo — o poder de ir até novos seguidores e conquistá-los? Ao lançar seu serviço Gmail, a Google atraiu seguidores de uma maneira diabolicamente astuta. Ao disponibilizar o serviço apenas para usuários convidados, o Gmail se transformou quase em uma religião virtual. Ao receber o convite de um amigo para se unir ao grupo, você se sentia como se tivesse sido aceito em uma comunidade semiexclusiva e vitalícia. Só após ter obtido cerca de dez milhões de usuários é quando o Gmail abriu suas portas para meros mortais.

Os símbolos também são onipresentes na maioria das religiões. A cruz. Uma pomba. Um anjo. Uma coroa de espinhos. Assim como as religiões têm seus ícones, o mesmo acontece com os produtos e marcas.

Embora a logomarca não seja mais tão poderosa quanto as empresas acreditavam, à medida que o mercado se torna mais e mais lotado, alguns ícones simples, mas poderosos, estão cada vez mais ganhando força. Criam uma linguagem, ou estenografia, global e instantânea.

Por exemplo, todos os ícones da Apple — desde a própria logomarca da empresa até a lata de lixo ou a carinha sorridente que você vê ao ligar o computador — estão associados de forma única à empresa, mesmo quando dissociados dos seus produtos. Muito mais do que as logomarcas dos produtos, esses símbolos evocam em nós associações fortes — por exemplo, a promessa de um cheeseburger suculento — da mesma maneira que os ícones religiosos evocam poderosas associações religiosas. Símbolos como esses podem ter um impacto extremamente forte na nossa motivação para comprar.

O mistério também é uma força poderosa na religião. Nela, o desconhecido pode ser tão poderoso quanto o conhecido — pense em quantos anos os estudiosos gastaram ponderando sobre os mistérios da Bíblia, do Santo Sudário de Turim ou do Cálice Sagrado.

Quando o assunto são marcas, o mistério também pode ser igualmente eficaz para chamar nossa atenção. A Coca-Cola, por exemplo, utiliza uma sensação de mistério com a sua fórmula secreta — uma receita misteriosa e distinta de frutas, óleos e condimentos que a empresa mantém no cofre de um banco em Atlanta. A fórmula é tão misteriosa, na verdade, que muitos estratagemas para a obter foram postos em prática sem sucesso.

Ritual, superstição, religião — conscientemente ou não, todos esses fatores contribuem para formar nosso pensamento quando compramos algo. Na verdade, como os resultados desse estudo de imagens cerebrais mostrariam, os produtos de maior sucesso são aqueles que têm mais em comum com as religiões.

Templos de Consumo: Fé e Lealdade Religiosa em Marcas publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



Nenhum comentário:

Postar um comentário