Oscar Pilagallo é jornalista e autor de “História da Imprensa Paulista”. Escreveu resenha (Valor – Eu&Fim-de-Semana, 26/04/19) sobre o livro”No Calor das Ideias Breviário do Bem Pensar (Vol. 1)”
Coriolano Gatto e Luiz Cesar Faro (editores). Editora: Insight Comunicação (452 págs., download gratuito: clique em E-book)
http://nocalordasideias.com.br/ (versão digital gratuita)
O capitalismo tem a virtude de não ser nada conservador: além de detestar o patriarcado, o patrimonialismo, a aristocracia, o cartório, promove o “turnover” de suas elites. Coerentemente, o liberal que o defende é profundamente revolucionário, quase anárquico, sempre olhando para o futuro, nunca para o passado.
Essa é a perspectiva que alicerça a profissão de fé de um intelectual que, egresso da Universidade de Chicago, experimentou, ao voltar ao Brasil, “a solidão” diante da clivagem ideológica entre uma direita burra e uma esquerda selvagem que dominou o cenário político do país nas últimas décadas.
O depoimento, concedido no cronológica e politicamente distante ano de 2003, início do governo Lula, ganhou um valor circunstancial: o outsider de então é o atual poderoso ministro da Economia, Paulo Guedes.
Seu texto é o ponto alto de “No Calor das Ideias“, coletânea de artigos, entrevistas e depoimentos publicados na revista “Insight Inteligência”. Para o diretor Luiz Cesar Faro, um dos organizadores do volume, trata-se de material praticamente inédito, dada a circulação restrita do veículo em suas mais de duas décadas de vida.
O depoimento, prestado a Faro e Coriolano Gatto, não vale apenas por expor o pensamento de um influente servidor público quando longe do poder e dos limites impostos pela etiqueta e conveniência inerentes ao cargo. Sua argumentação, concorde-se ou não com ela, tem valor intrínseco.
Guedes aborda o antagonismo irreconciliável entre o socialismo e a social-democracia, de um lado, e o capitalismo liberal, de outro. Vê a disputa por corações e mentes como o embate entre sociedades fechadas e abertas que, ao longo da história, desde a guerra entre a democrática Atenas e a militarizada Esparta na Grécia Antiga, vem descrevendo movimentos de sístole e diástole.
O então futuro ministro acusa, falsamente, a esquerda de não reconhecer a conquista civilizatória da moeda e do sistema de preço, algo que, talvez com o exagero decorrente da oralidade, coloca no mesmo patamar da linguagem. “Sempre foi uma ingenuidade da esquerda imaginar que pode reinventar um processo milenar, imanente ao desenvolvimento humano.”
Para ele, o capitalismo como modelo de exploração do homem pelo homem é um aparente paradoxo. O capitalismo, recapitula, surgiu no momento em que o mundo era constituído basicamente por excluídos e acabou com a estagnação da Idade Média – e não por outro motivo foi alvo da admiração de Marx. “O fascínio de Marx pela máquina de acumulação capitalista é notório e impressionante”, constata. E conclui desafiando a opinião mais popular: “A história do capitalismo é de inclusões”.
Como o depoimento data da época em que Fernando Henrique Cardoso foi substituído por Lula, Paulo Guedes aponta suas armas contra a social-democracia que eles representavam — a de “punhos de renda” (dos tucanos) e a de “chão de fábrica” (dos petistas).
Em sua visão, a social-democracia é, na verdade, duas: antes e depois do poder. O problema, diz, é que se trata de um caminho do meio (entre o socialismo e o liberalismo) que fica no meio do caminho. Como agravante, alguns, como o próprio FHC, hesitam em assumir o liberalismo, criando assim uma “dissonância cognitiva” que embaralha a narrativa.
Algumas declarações teriam teor explosivo, se endossadas hoje, quando Guedes se tornou um dos fiadores de um presidente de direita. Sobre a direita latino-americana da época, ele disse: “Ela é autoritária, corrupta, ditatorial, oligárquica, patrimonialista, sem-vergonha, assaltante oficial de Estado. Nunca teve qualquer ideologia liberal-democrata [e] patrocinava golpes militares”.
“No Calor das Ideias” reúne 27 intelectuais de diferentes cortes ideológicos: de Raymundo Faoro a João Paulo dos Reis Velloso, de Fábio Konder Comparato a Luiz Felipe d’Ávila. Alguns dos melhores textos são atemporais, como a entrevista em que Maria da Conceição Tavares, economista de esquerda, declara sua admiração por Octávio Bulhões, um ícone do pensamento liberal.
Outros, no entanto, têm trechos datados. É o caso de Roberto Campos, que, em 1998, se queixava da “indisciplina hierárquica e decisória” do Judiciário devido à ausência da súmula vinculante, que viria a ser aprovada mais tarde.
Mesmo a entrevista fictícia com John Maynard Keynes (1883-1946) rende abaixo do esperado por se perder em análises sobre a conjuntura de 2001, que pouco acrescentam ao leitor de hoje.
De qualquer maneira, o leitor que procurar encontrará pérolas na obra.
Baixe o livro clicando em E-book.
http://nocalordasideias.com.br/ (versão digital gratuita)
“No Calor das Ideias Breviário do Bem Pensar (Vol. 1)”
Coriolano Gatto e Luiz Cesar Faro (editores). Editora: Insight Comunicação (452 págs., gratuito)
Paulo Guedes em 2003: “Direita latinoamericana é autoritária, corrupta, ditatorial” publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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