Yuval Noah Harari, no livro “Homo Deus: Uma breve história do amanhã” (São Paulo: Companhia das Letras; 2015), afirma a questão mais importante na economia do século XXI poder bem ser o que fazer com todas as pessoas supérfluas. O que os humanos conscientes farão quando tivermos algoritmos não conscientes e sumamente inteligentes para fazer quase tudo melhor?
No decorrer da história, o mercado de trabalho esteve dividido em três setores principais: agricultura, indústria e serviços.
Até por volta de 1800, a ampla maioria das pessoas trabalhava na agricultura e apenas uma minoria estava empregada na indústria e em serviços.
Durante a Revolução Industrial, habitantes de países em desenvolvimento deixaram os campos e os rebanhos. A maioria começou a trabalhar na indústria, mas, em números cada vez maiores, também se empregaram no setor de serviços.
Em décadas recentes, países desenvolvidos passaram por mais uma revolução: os empregos na indústria desapareciam enquanto o setor de serviços se expandia.
Em 2010, somente 2% dos americanos trabalhavam na agricultura, 20% trabalhavam na indústria, e 78% trabalhavam como professores, médicos, web designers, e assim por diante.
Quando algoritmos desprovidos de mente forem capazes de ensinar, diagnosticar e projetar melhor do que os humanos, o que sobrará para fazermos?
Essa pergunta não é inteiramente nova. Desde a Revolução Industrial já se temia que “a mecanização pudesse resultar no desemprego em massa. Isso nunca aconteceu porque, quando as velhas profissões se tornaram obsoletas, novas profissões se desenvolveram, e sempre havia algo que os humanos eram capazes de fazer melhor do que as máquinas.
Mas isso não é uma Lei da Natureza, e nada garante que essa situação perdure. Os humanos têm dois tipos básicos de aptidão: as físicas e as cognitivas. Enquanto as máquinas competiam conosco meramente nas aptidões físicas, sempre haveria trabalhos cognitivos, em que os humanos apresentam melhor desempenho. Assim, as máquinas assumiram trabalhos puramente manuais, ao passo que os humanos se concentravam naqueles que requeriam algumas aptidões cognitivas. O que vai acontecer quando algoritmos nos suplantarem nas ações de lembrar, analisar e reconhecer padrões?
A ideia de que os humanos sempre terão uma aptidão exclusiva, além do alcance de algoritmos não conscientes, é uma quimera. A atual resposta da ciência a esse sonho impossível pode ser resumida em três princípios simples:
- Organismos são algoritmos. Todo animal — inclusive o Homo sapiens — é uma montagem de algoritmos orgânicos modelada pela seleção natural durante milhões de anos de evolução.
- Cálculos algorítmicos não são afetados pelos materiais com os quais se constrói“a calculadora. Quer se construa um ábaco de madeira, de ferro ou de plástico, duas contas mais duas contas sempre é igual a quatro contas.
- Não há razão para pensar que algoritmos orgânicos possam fazer coisas que algoritmos não orgânicos não serão capazes de igualar ou de superar. Enquanto os cálculos continuarem válidos, o que importa se os algoritmos se manifestem em carbono ou em silício?
É verdade que no presente há muitas coisas que os algoritmos orgânicos fazem melhor do que os não orgânicos, e especialistas reiteradamente declaram que algo permanecerá “para sempre” além do alcance de algoritmos não orgânicos. Porém, “para sempre” não raro significa não mais que uma década ou duas.
De fato, com o passar do tempo torna-se cada vez mais fácil substituir humanos por algoritmos de computador, não só porque estes estão ficando mais espertos, como também porque os humanos estão se profissionalizando. Quando se especializam em um nicho muito mais estreito do que o de um caçador-coletor, facilita sua substituição por inteligência artificial (AI).
A IA nem de longe se aproxima de uma existência parecida com a humana. Mas 99% das qualidades e aptidões humanas são simplesmente redundantes para a maior parte das tarefas modernas. Para pôr humanos para fora do mercado de trabalho, a IA só precisa nos superar nas limitadas aptidões que nossas profissões específicas exigem.
Como os algoritmos estão tirando os humanos do mercado de trabalho, a riqueza e o poder poderão se concentrar nas mãos da minúscula elite que é proprietária desses algoritmos todo-poderosos, criando uma desigualdade social e política jamais vista.
Hoje em dia milhões de taxistas, motoristas de ônibus e caminhoneiros têm significativa influência econômica e política, cada uma dessas classes dominando uma pequena parcela de mercado de transportes. Se seus interesses coletivos forem ameaçados, eles podem se sindicalizar, fazer greve, organizar boicotes, e criar poderosos blocos de votação em eleições. Contudo, assim que milhões de motoristas humanos forem substituídos por um único algoritmo, toda essa riqueza e todo esse poder estarão acuados pela corporação que seja a dona do algoritmo, e pelo punhado de bilionários que são os donos da corporação.
Alternativamente, os algoritmos poderiam tornar-se eles mesmos os proprietários. A lei dos humanos já reconhece entidades intersubjetivas, como corporações e nações, como “pessoas jurídicas”.
No século XIX, a Revolução Industrial criou uma classe imensa de proletariado urbano, e o socialismo se disseminou porque ninguém mais conseguia dar uma resposta às necessidades, esperanças e temores da nova classe trabalhadora. Posteriormente, o liberalismo só logrou derrotar o socialismo ao adotar as melhores partes do programa socialista.
No século XXI, poderíamos assistir à criação de uma maciça classe não trabalhadora: pessoas destituídas de qualquer valor econômico, político ou artístico, que em nada contribuem para a prosperidade, o poder e a glória da sociedade. Eles não estarão simplesmente desempregados — eles serão não empregáveis.
Em setembro de 2013, dois pesquisadores de Oxford, Carl Benedikt Frey e Michael A. Osborne, publicaram The Future of Employment, obra na qual investigam a probabilidade de diferentes profissões serem assumidas por algoritmos de computador nos próximos vinte anos. O algoritmo desenvolvido por Frey e Osborne estimou que 47% dos empregos nos Estados Unidos correm alto risco.
Por exemplo, há 99% de probabilidade de que, em 2033, operadores de telemarketing e corretores de seguros perderão “seus empregos para algoritmos. Há 98% de probabilidade de que o mesmo acontecerá com árbitros de modalidades esportivas, 97% de que isso acontecerá com caixas e 96% com chefs. Garçons — 94%. Assistentes jurídicos — 94%. Guias de turismo — 91%. Padeiros — 89%. Motoristas de ônibus — 89%. Operários na construção civil — 88%. Assistentes de veterinária — 86%. Seguranças — 84%. Marinheiros — 83%. Bartenders — 77%. Arquivistas — 76%. Carpinteiros — 72%. Salva-vidas — 67%. E assim por diante.
Evidentemente, há alguns empregos seguros. A probabilidade de que algoritmos de computador desempreguem arqueólogos em 2033 é de apenas 0,7%, porque seu trabalho requer o reconhecimento de padrões altamente sofisticados e não produz grandes lucros. Daí é improvável que corporações ou governos façam o investimento necessário para automatizar a arqueologia durante os próximos vinte anos.
Evidentemente, é provável que até 2033 surjam muitas profissões novas, por exemplo, designers do mundo virtual, Mas essas profissões irão exigir muito mais criatividade e flexibilidade do que o seu trabalho atual e rotineiro, e não está claro se caixas ou corretores de seguro com quarenta anos serão capazes de se reinventar como designers do mundo virtual (tente imaginar um mundo virtual criado por um corretor de seguros!).
Mesmo que o façam, o ritmo do progresso se apresenta de tal maneira que dentro de mais uma década eles teriam de se reinventar novamente. Afinal, algoritmos podem suplantar humanos também no projeto de mundos virtuais. O problema crucial não é criar novos empregos. É criar novos empregos nos quais o desempenho dos humanos seja melhor que o dos algoritmos.
A bonança tecnológica provavelmente fará com que seja factível alimentar e sustentar essas massas inúteis mesmo sem nenhum esforço por parte delas. Mas o que vai mantê-las ocupadas e satisfeitas? Humanos têm de fazer alguma coisa, senão enlouquecem. O que vão fazer o dia inteiro? [Ora, atividade criativa na área de todas as artes originais!]
Assim que a inteligência artificial suplantar a inteligência humana, ela se tornará capaz de exterminar o gênero humano. A inteligência artificial provavelmente faria isso ou por temer que o gênero humano se voltasse contra ela e tentasse desligar a tomada, ou por estar em busca de um objetivo insondável propriamente seu. Seria extremamente difícil para os humanos controlar um sistema mais esperto que eles mesmos.
Classe Trabalhadora Inútil para Exploração dos Capitalistas X Salário é Custo e Demanda publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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