Meu colega Miguel Bacic enviou-me um artigo do Walter Graziano, publicado em site argentino. Dada sua originalidade esclarecedora, editei-o abaixo.
“O problema impeditivo para a economia não crescer é o alto gasto público… Precisamos fazer reformas mesmo sendo politicamente impopulares: uma profunda reforma trabalhista… de modo a substituir a compensação por demissão por outro esquema e acabe com a litigiosidade. Devemos impor uma reforma tributária compatível com o crescimento econômico e simplificar o sistema tributário. Fazer a reforma do setor externo, tornar mais flexível Mercosul. Antes de tudo, a reforma da Previdência Social tornando os critérios para aposentadoria mais exigentes, e daí faremos a reforma do Estado de modo a fazer sua retração de maneira abrangente”.
O que esse discurso-ladainha de economistas “duros” expressa diariamente na mídia, tanto na Argentina, quanto no Brasil e demais países subdesenvolvidos? Em “bom português”, devemos
- reduzir os gastos públicos e os impostos,
- reduzir os salários, as indenizações e as aposentadorias, e
- ganhar competitividade com outros países perante o flexível Mercosul.
Os “duros” estão certos quando dizem “essas reformas não são muito vendáveis politicamente”. Nenhuma das partes, nem o neoliberal Macri, nem o peronismo federal, nem kirchnerismo, nem a esquerda, acredita na viabilidade eleitoral da agenda do “Partido Libertário” [aqui Partido Novo]. Eles a escondem do debate antes da eleição — e depois a adotam sob pressão da mídia hegemônica.
Nas pesquisas eleitorais (e nas urnas) resulta em 1,5% dos votos, mas tem uma vasta presença na mídia com ampla e esmagadora cobertura em todos os meios impressos e audiovisuais importantes, em muitos dos quais ele é uma “criança mimada”. Essas ideias inspiradas Hayek da Escola Austríaca são tanto originais, quanto problemáticas. Desse modo, nunca foram aplicadas em qualquer parte do mundo passado e moderno. Certamente, também não serão aplicadas no futuro.
Qual é o mais impressionante desta agenda imprudente estabelecida por economistas ultraliberais não sencientes, isto é, sem sofrimentos empáticos com outros humanos?
Neste projeto de tornar o setor privado e suas pressupostas livre-iniciativas autossuficientes e exclusivas, nem mesmo o tipo de mudança é nomeado. É como se para essa mesma coisa – “a única verdade” – não importasse fazer o debate – ou ela fosse dada e imutável. Mas a realidade não é assim.
A taxa de câmbio é importante – e muito – e é falso que os governos não possam influenciá-la, como demonstrado por inúmeros casos em uma enorme lista de países. A taxa de câmbio é importante e sua importância é de tal magnitude caso o país a tenha altamente depreciada – a moeda nacional desvalorizada no mercado de câmbio –, a urgência e sua importância é minimizada. Afinal, se esse mercado é livre e flexível, o país tem passaporte para o paraíso.
Esse salvo-conduto pode até ser cancelado, em caso de necessidade de diminuir a despesa pública nominal, tornar as pensões mais baixas e os salários mais flexíveis – também para baixo. Falar sobre eles, de modo a torna-los mais “flexíveis”, é um eufemismo hipócrita e mesmo os proponentes neoliberais não se atrevem mencionar.
Duramente, desejam pagar menores verbas rescisórias e cortar impostos incidentes sobre os ricos, forçando pelo “lado da oferta” o incentivar para o crescimento. Pretendem punir principalmente funcionários, classificados arbitrariamente como “privilegiados”. A “cereja do bolo” é tornar mais flexível o Mercosul, caso surja oportunidades de acordos bilaterais com a China, a Europa e/ou os Estados Unidos.
A alta taxa de câmbio real pode tornar a economia competitiva o suficiente para exportar para todo o mundo e não apenas para o Mercosul. A taxa de câmbio cumpre muitas funções, e a principal delas é justamente simplificar os ajustes reais nos salários, pensões, indenizações e gastos públicos via inflação. De outra forma, seriam politicamente impossíveis de tomar. Para isso existe a taxa de câmbio, entre outras coisas. Essa é a sua principal funcionalidade.
Por que esse grupo de economistas ultraliberais, liderados pelas ideias de von Mises e Hayek, proclama incansavelmente a necessidade de fazer todas essas reformas muito caras, em vez de apontar a necessidade de uma taxa de câmbio real alta?
É difícil saber, mas pode-se conjecturar esse grupo de economistas “evangélicos” gostar de “o sangue fluir”. Fazer os ajustes sangrentos. Cada grupo e setor econômico pagar por seus “pecados”. Isto tudo está subjacente nesse pensamento religioso, dominante neste tipo de “seita” – uma seita perigosa sem exames críticos nos meios de comunicação de massa.
Simplória, a doutrina inteligível popularmente é: se você pecar, você tem que pagar. “Não há almoço grátis”, disse Milton Friedman, em frase lugar-comum nesse discurso ultraliberal. No entanto, dada a rivalidade da Escola de Chicago com a Escola Austríaca, ele nunca atribuiu o liberalismo-conservador às ideias bizarras de Hayek. Esse conceito – você tem de pagar pelos pecados – parece flutuar no pensamento desses economistas.
A outra variável ausente deste discurso é a taxa de juros. Surpreendentemente, não há críticas ao fato de a taxa de juros em dólares, na Argentina, crescer de três, quatro ou cinco por cento ao mês em dólares em sua variante de taxa de captação passiva ou cerca de dez por cento em dólares por mês aplicável a ativos como empréstimos bancários.
Essa taxa é paga principalmente pelo Estado. Significa mais déficit estatal, influxos de capital especulativo ou capital-motel (entra-e-sai), e subsequente caos na produção quando está na forma de uma debandada.
Por que esses economistas não dão a mesma importância em seu discurso a esse fator? Por que há pouca conversa sobre a necessidade urgente de manter taxas de juros realmente baixas?
Além disso, estes seriam compatíveis com uma alta taxa de câmbio real, tornando-a consistente e promovendo o crescimento na Argentina, mesmo se as reformas “eternas” e “em profundidade”, sempre mencionadas e nunca feitas, possam ser ignoradas.
Bem – nós temos de repetir – por que este grupo de economistas, no papel auto imposto de “justiceiro”, procura impregnar a Ciência Econômica com conteúdo religioso e moralizador?
Porque uma política monetária “dura”, caracterizada por altas taxas de juros, “prejudica” quem gasta e não poupa, quem vive com crédito e dinheiro “estrangeiro”. Ela impõe ordem como se fôssemos todos ex-alunos reprovados em escola primária.
Por isso, vários desses economistas “evangélicos” tendem a relacionar o discurso econômico com “a ética do respeito irrestrito ao projeto de vida do próximo”. É como se, excepcionalmente, eles tivessem algo a ver com isso.
Como você pode ver, a Bíblia é colocada ao lado dos bens materiais. Religião – ou sua substituição pela ética – é colocada ao lado da Economia e das contas a pagar mundanas.
Hayek e Rothbard concluem como… Baruch Spinoza em Deus sive Natura. Aqueles economistas postuladores de axiomas não demonstráveis aqui no mundo terreno nada sabem disso… Por quanto tempo a Argentina [e o Brasil] deve sofrer uma overdose de pregações moralizadoras de um exército de economistas “duros”, quando todos falam da mesma maneira e dizem o mesmo absurdo?!
É difícil saber. Mas será difícil melhorar as coisas sem levar a sério um debate saudável e plural de ideias. O debate está interditado na mídia brasileira. Está selado o monopólio de acesso aos jornais e à TV por um grupo ou seita. É formado individualmente pelos economistas oriundos de bancos de negócios, obstruindo a troca de ideias diversas. A percolação (filtragem de ideias censuráveis) e a monopolização dos meios de comunicação massivos se faz com um discurso quase religioso.
Fonte: https://www.ambito.com/la-insoportable-levedad-los-economistas-duros-n5017734
Leia mais: O Mercado como Deus
PS:
Evangélicos e protestantes se referem aos cristãos rompidos com a Igreja Católica durante a Reforma Protestante.
O termo “protestante” vem do documento formal de protesto – Protestatio – apresentado pelos luteranos em uma assembleia em 1529, manifestando a sua oposição à política religiosa adotada pela Igreja.
Já o nome “evangélico” vem do fiel que se submete ao ensinamento contido nas “boas-novas” (evangelium, em latim) trazidas por Jesus.
Os protestantes se declaravam seguidores do Evangelho – um dos seus princípios durante a Reforma era o da Sola Scriptura (“Só a Escritura”, em latim). Isso significava, para os protestantes, apenas a Bíblia ser a fonte de revelação suprema. Não deveria ser permitido à Igreja fazer doutrinas fora dela.
Todos esses movimentos estimulavam o fim do monopólio da Igreja sobre a interpretação da Bíblia e reivindicavam todo e qualquer cristão poder ler as Escrituras e tirar delas o que bem quisesse. Os protestantes recusavam a ideia de que um único líder – o papa – deveria guiar os rumos da religião. Sem um “chefe”, cada grupo começou a se fragmentar em diversas correntes, com pequenas divergências doutrinárias.
Abaixo você confere a diferença entre os principais ramos do cristianismo. Cada um carrega sua cruz – e seu monoteísmo. Divergências entre cristãos deram origem a várias denominações religiosas apresentadas abaixo. Todos deveriam ter a tolerância com ateus em retribuição da tolerância destes com quem necessita de algum conforto espiritual-religioso para viver em autoengano.
Cristianismo
Jesus pregava que a mensagem de Deus se destina a toda a humanidade, e não apenas ao povo eleito como diziam os judeus. A comunhão de bens, a partilha do pão e o batismo eram alguns dos ensinamentos de Jesus aos seus apóstolos e seguidores, que formavam uma pequena comunidade perto de Jerusalém.
Igreja Católica
Após a morte e ressurreição de Cristo, seus apóstolos começam a organizar uma religião, com hierarquia e regras. A crença básica da Igreja primitiva era uma só: Jesus é o Senhor, e a salvação dependia da fé n’Ele.
Igreja Ortodoxa
A denominação “Igreja Ortodoxa” só surge no século 11. Os ortodoxos só admitem ícones como representações de Cristo e de santos. Eles creem que o Espírito Santo só procede do Pai, e não do Pai e do Filho como os católicos.
Reforma Protestante (1517)
Martinho Lutero publicou “95 Teses” criticando a condução do cristianismo, como a venda de um lugar no paraíso (as indulgências). John Wyclif, Jan Huss e João Calvino também queriam uma Igreja mais “racional”.
Luteranos
Uma das novidades introduzidas por Martinho Lutero é a possibilidade de livre interpretação da Bíblia – no catolicismo de então, o livro era em latim e só os padres poderiam “traduzir” o que significavam os versículos das Escrituras
Anglicanos
A religião surgiu em 1534 por causa do rei Henrique VIII, que queria se divorciar, o que não era permitido pelo papa. Ele nomeou-se “Chefe Supremo da Igreja da Inglaterra” e rompeu com os católicos de Roma.
Batistas
Só os cristãos adultos, já conscientes de seus atos, podem ser batizados, mas o ato não é obrigatório para a salvação. Para os batistas, o crente deve escolher por sua própria consciência servir a Deus.
Metodistas
John Wesley deixou a Igreja Anglicana para pregar nas ruas da Inglaterra e fez vários discípulos, que criaram uma nova denominação. Na doutrina metodista, a Bíblia está no centro das fontes de conhecimento teológico.
Calvinista
João Calvino queria uma religião com maior observância à Bíblia e princípios morais mais rígidos. Uma das doutrinas do calvinismo é a da predestinação: alguns humanos já nascem salvos, enquanto outros não.
Pentecostalismo
Surgiram nos EUA movimentos com influência de batistas e metodistas. Eles aceitavam manifestações do Espírito Santo, como a capacidade de curar doentes, de fazer milagres e de falar línguas.
Neopentecostalismo
Diferem dos pentecostais pelos costumes mais liberais e por adotarem a teologia da prosperidade, que valoriza a riqueza material. Também creem que o Diabo é o responsável por todo o mal.
Anabatista
Os anabatistas eram conhecidos como a “ala radical” da Reforma Protestante. Pacifistas, eles se recusam a portar armas, usar espadas ou até mesmo prestar serviço militar.
Amish
Grupo cristão baseado nos Estados Unidos e Canadá famoso pelo isolamento. Os amish evitam contato com o mundo exterior: é proibido o uso de equipamentos eletrônicos como telefones e automóveis e pratica-se o casamento intrarreligioso.
Testemunhas de Jeová
Não creem na divindade de Jesus Cristo e nem na Santíssima Trindade. Afirmam adorar exclusivamente a Jeová (Deus). Entre alguns dos pontos polêmicos defendidos por eles, está a proibição da transfusão de sangue entre os fiéis.
Mórmons
Conhecida como Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias – o nome “mórmon” vem de um profeta. O batismo é feito em uma fonte especial, sobre 12 bois, que representam as 12 tribos de Israel.
Adventistas
Os adventistas pregam o retorno de Jesus Cristo. Alguns creem no sono da alma entre a morte e a ressurreição, e outros fazem a guarda do sábado, dia em que não podem trabalhar. Evitam carne e narcóticos.
Restauracionismo
Os teólogos divergem quanto à classificação de testemunhas, adventistas e mórmons. Alguns afirmam que vieram da insatisfação de protestantes de várias correntes, que queriam “restaurar” o cristianismo original nos EUA.
Fonte: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/qual-e-a-diferenca-entre-protestantes-e-evangelicos/
A Insuportável Leviandade dos Economistas “Duros”: Ciência Econômica com Conteúdo Religioso e Moralizador publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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