quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Perguntas Certas contra Candidatos a Fascistas

 

Madeleine Albright, no último capítulo do livro “Fascismo: Um alerta”, sugere haver uma razão para a popularidade do mito sobre justiceiros. Algo acontece com um cidadão respeitador da lei – um ente querido é assassinado, sua filha raptada, um estupro não chega a ir a julgamento – e a polícia não tem resposta. De repente, os eleitores incultos e desinformados se identificam com um agente da vingança. Toda aquela fúria mal contida é canalizada na captura de seu alvo e dane-se o devido processo legal. Quando os vilões são aniquilados, vibram. É a natureza desumana – ou ao menos parte dela.

Quando se trata das vidas de países, as origens da raiva não têm de ser profundamente pessoais para despertar o desejo por soluções imediatas.

  • Mussolini e Hitler beberam da angústia de seus cidadãos após a carnificina da Primeira Guerra Mundial.
  • Kim Il-sung fez o papel de guardião e guia num país marcado por quatro décadas de conflitos.
  • Milosevic e Putin exploraram os poços profundos da indignação nacionalista no rescaldo da Guerra Fria.
  • A ascensão ao poder de Chávez e Erdogan se deu em meio a crises políticas e econômicas que levavam gente da classe média a despencar financeiramente rumo à pobreza.
  • Orbán e seus parceiros de aventura da direita europeia prometem proteger seus eleitores das demandas psicológicas geradas pela diversidade religiosa, cultural e racial.

Nada há de repreensível em querer um líder forte – pouca gente ansiaria por um fraco –, mas a lista de lideranças nacionais, antes com aparência de virtuosas, mas depois reveladoras de uma ou mais falhas desastrosas de caráter, começa ao nascer da própria história e continua a aumentar.

Em 1980, Robert Mugabe foi aclamado como herói na África por seu papel na independência da Rodésia (atualmente Zimbábue) do domínio colonial branco. Dali para a frente, meteu os pés pelas mãos na condução da economia, fomentou a corrupção, atropelou cruelmente os direitos humanos, suprimiu a oposição política e recusou-se a deixar o poder até ser forçado a sair, em novembro de 2017, aos 93 anos de idade.

Em 1985, Hun Sen parecia o homem certo para comandar o Camboja, ainda em processo de recuperação do Khmer Vermelho genocida. Mas isso ocorreu há mais de três décadas, tempo suficiente para que se transformasse num ditador.

Em 1986, ao assumir o comando de Uganda após uma brutal guerra civil, Yoweri Museveni prometia democracia irrestrita. Muitos o consideravam o arauto de uma nova e esclarecida geração de líderes africanos; mas, enquanto outros em seu círculo já saíram de cena, ele permanece e permanece, e torna-se mais autocrático a cada novo mandato.

Infelizmente, pode-se adicionar muitos outros nomes a essa lista, de Daniel Ortega, da Nicarágua, a Paul Kagame, de Ruanda, passando por Ilham Aliyev, do Azerbaijão, e pelo mais longo nome de todos, Gurbanguly Berdimuhamedov, autodeclarado “protetor” do Turcomenistão.

O poder é um vício do qual somos propensos a abusar. Mesmo quem entra para a vida pública com as melhores intenções é suscetível à sua atração. Devemos, portanto, ficar atentos ao nosso próprio mau hábito – o de procurar e esperar respostas fáceis quando os problemas mais sérios que enfrentamos são tudo menos isso.

Talvez devamos nos lembrar da explicação de Hitler, em 1936, para sua popularidade: “Vou contar o que me levou ao posto que atingi. Nossos problemas políticos pareciam complicados. O povo alemão não conseguia entendê-los… eu, por outro lado… os reduzi aos termos mais simples. A multidão se deu conta disso e me seguiu”.

Madeleine Albright conclui seu livro “Fascismo: Um alerta” com uma confissão pessoal: “enxergo o fascismo e as políticas fascistas como ameaças mais violentas à liberdade, à prosperidade e à paz internacionais do que em qualquer outro momento desde a Segunda Guerra Mundial. Mais uma vez, sou levada à minha definição de um fascista como alguém que alega falar em nome de toda uma nação ou um grupo, não tem preocupação alguma com os direitos de terceiros e está disposto a lançar mão de violência e quaisquer outros meios necessários para atingir as metas que porventura tenha. Ao longo de minha vida adulta, sempre achei que poderíamos contar com os Estados Unidos para erguer obstáculos no caminho de qualquer líder, partido ou movimento com essas características. Nunca pensei que, aos 80 anos, começaria a ter dúvidas.”

Em novembro de 2016, a taxa de aprovação de Obama era a mais alta de seus dois mandatos. Em sua sucessão, no entanto, o Colégio Eleitoral americano premiou um candidato insistente em afirmar o país estar a caminho do inferno.

O quebra-cabeças não se limita a 2016 ou somente a um país. Na Rússia, talvez se explique a ascensão de Putin pelos desastres dos anos 1990. Em 2002, quando Erdogan concorreu a presidente pela primeira vez, parecia um salvador se comparado aos velhos cansados políticos. Eles haviam levado a Turquia à lona.

As causas mais recentes de descontentamento, no entanto, são menos evidentes ou têm menos peso. Países como a Hungria, a Polônia e as Filipinas não estão em situação econômica particularmente difícil nem sofreram algum trauma histórico recente.

Além disso, em uma série de aspectos, o mundo está em melhores condições do que jamais esteve. Crianças nascidas hoje têm maior probabilidade de iniciar a vida com saúde, receber as vacinas necessárias, ter acesso à educação e chegar à terceira idade do que as de qualquer geração anterior. Os números do Banco Mundial mostram que a taxa global de pobreza extrema está abaixo de 10% pela primeira vez.

Parcerias entre órgãos de ajuda humanitária e o setor privado geraram enormes dividendos ao ampliar o alcance da medicina, atacar a malária e a aids e aumentar o acesso à eletricidade e à comunicação moderna.

Há uma série de falhas no sistema internacional e a crise dos refugiados sírios esticou além do limite sua capacidade humanitária, mas profissionais nos campos de desenvolvimento, saúde pública e assistência a refugiados nunca conseguiram fazer tanto bem em tantos lugares ou para um número tão grande de pessoas.

Sim, os salários continuam muito baixos e temos muito trabalho à frente para providenciar empregos para a próxima geração e a seguinte. Não há razões para satisfação, mas nem por isso devemos nos entregar à ilusão de que o autoritarismo possa ser uma opção mais prática.

“Alguém poderia se perguntar: mas e a China? Sua ascensão contribuiu em muito para os ganhos globais, mas isso ocorreu porque três décadas atrás os líderes em Pequim decidiram abrir sua economia e abraçar muitos dos princípios da livre iniciativa. A China tornou-se uma grande potência não por ter se superado numa fórmula própria de sucesso, mas porque seu povo se mostrou propenso ao capitalismo”.

Consideremos todas as exigências impostas ao governo e contabilizemos as mudanças abissais ocorridas nas últimas sete décadas:

  1. o fim do colonialismo,
  2. a queda da Cortina de Ferro,
  3. o estreitamento da divisão Norte-Sul,
  4. a revolução na tecnologia e
  5. a mobilidade aumentada da população.

Qualquer padrão objetivo adotado mostrará como a democracia – apesar de desafiada em todos os seus aspectos – não fracassou nem está fracassando. Por que, então, temos tamanha sensação de o contrário ter ocorrido – e continua a ocorrer?

Madeleine Albright imagina se nós, cidadãos democráticos, não estaríamos sendo descuidados na formulação das perguntas corretas. Talvez tenhamos nos acostumado tanto à satisfação imediata fornecida por nossos dispositivosdigitaisa ponto de perdemos a paciência com o ritmo moroso da democracia. Quantos eleitores se permitiram ser manipulados por vendilhões capaz de prometer mundos e fundos, mas não fazer a menor ideia de como cumprir a palavra?!

Talvez estejamos nos permitindo ser logrados e confundidos por aparências – a ilusão de determinação, a torrente incansável de trivialidades, os dramas artificiais de reality show – a ponto de já não reconhecermos o que é verdade e acreditarmos com convicção no que não é. O momento talvez peça uma pausa para considerarmos mais a fundo exatamente o que queremos dizer ao falarmos em conceitos como grandeza e força.

Talvez nosso ponto de partida deva ser a compreensão das perguntas certas a fazer a respeito dos candidatos a serem eleitos e se transformarem em autênticos fascistas.

Estariam explorando nossos preconceitos ao sugerir que tratemos como indignas de respeito pessoas de outras etnias, raças, credos ou partidos?

Estariam tentando direcionar nossa raiva contra aqueles que acreditamos terem nos prejudicado, pondo o dedo em nossas feridas, fazendo-nos pensar em vingança?

Estariam nos incutindo desprezo pelas instituições governamentais e pelo processo eleitoral?

Estariam tentando destruir nossa fé em colaboradores essenciais de uma democracia como a imprensa livre e o judiciário profissional?

Estariam explorando símbolos de patriotismo – a bandeira, o juramento – em um esforço consciente para voltar-nos uns contra os outros?

Se derrotados nas urnas, aceitariam o veredito ou insistiriam ter vencido contra todas as evidências?

Vão além de pedir nossos votos, gabando-se de serem capazes de resolver todos os problemas, apaziguar todas as nossas ansiedades e satisfazer todos os nossos desejos?

Tentam obter nossos aplausos falando casualmente, de forma exaltada e viril, sobre lançar mão da violência para dar cabo de inimigos?

Ecoam a atitude de Mussolini de que “a massa não precisa ser informada”, apenas acreditar e “submeter-se a nossos moldes”?

Ou nos convidam a unirmo-nos na construção e manutenção de um centro saudável para nossa sociedade, um lugar com justa distribuição de direitos e deveres, respeito ao contrato social e espaço para todos sonharem e crescerem?

“As respostas a essas perguntas não nos dirão se um candidato a líder é de esquerda ou de direita, conservador ou liberal ou – no contexto americano – democrata ou republicano. Contudo, nos dirão muito do que precisamos saber sobre quem pretende nos liderar e, também, sobre nós mesmos. Aos que amam a liberdade, as respostas nos fornecerão bases para tranquilizarmo-nos ou um aviso que não poderemos ousar ignorar.”

Assim é concluído o alerta de Madeleine Albright contra a ameaça do fascismo, presente inclusive no Brasil.

 

Perguntas Certas contra Candidatos a Fascistas publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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