segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Fascismo: Um alerta

Madeleine Albright foi a 64ª. secretária de Estado dos Estados Unidos, entre 1997 e 2001. Sua notável carreira inclui postos no Congresso americano e no Conselho de Segurança Nacional. Foi também embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas.

Albright publicou o oportuno e excelente livro “Fascismo: Um alerta” (São Paulo: Editora Planeta do Brasil; 2018).

No prefácio, ela informa o fascismo ter ganhado vida no início do século XX, um tempo de vivacidade intelectual e nacionalismo ressurgente aos quais se somava a ampla decepção com o fracasso da democracia representativa em manter-se no compasso de uma Revolução Industrial impulsionada pela tecnologia.

Acadêmicos como Thomas Malthus, Herbert Spencer, Charles Darwin e seu primo Francis Galton haviam propagado nas décadas anteriores “a ideia a vida ser uma luta constante por adaptação, com pouco espaço para emoções e garantia alguma de progresso”. De Nietzsche a Freud, pensadores influentes ponderaram sobre as implicações de um mundo aparentemente libertado de suas amarras tradicionais. As sufragistas apresentaram a noção revolucionária de as mulheres também terem direitos. Na política e nas artes, formadores de opiniões falavam abertamente sobre a possibilidade de se aperfeiçoar a espécie humana por meio de reprodução selecionada.

Enquanto isso, invenções espantosas como a eletricidade, o telefone, o automóvel e o navio a vapor aproximavam o mundo, mas essas inovações deixavam milhões de fazendeiros e trabalhadores manuais sem emprego. Por toda parte, pessoas estavam em movimento. Famílias de trabalhadores rurais se amontoavam nas cidades e milhões de europeus levantavam acampamento e cruzavam o oceano.

Para muitos dos que ficavam, as promessas inerentes ao iluminismo e às Revoluções Francesa e Americana haviam se esvaziado. Quantidades enormes de pessoas não conseguiam achar trabalho; quem conseguia era explorado ou mais tarde sacrificado no sangrento jogo de xadrez disputado nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial.

Mas com a aristocracia desacreditada, a religião sob escrutínio e velhas estruturas políticas como os Impérios Otomano e Austro-Húngaro se partindo, a busca por respostas não poderia esperar.

O idealismo democrático fomentado pelo presidente Woodrow Wilson foi o primeiro a capturar a imaginação do público. Antes mesmo de os EUA entrarem na guerra, ele proclamou o princípio de que “todos têm o direito de escolher sob qual soberania querem viver”.

Essa doutrina de autodeterminação ajudou a assegurar no pós-guerra a independência de um punhado de países europeus, geralmente pequenos, e seu plano de uma organização mundial deu frutos na forma da Liga das Nações. Mas Wilson era politicamente ingênuo e fisicamente frágil; a visão global dos Estados Unidos não sobreviveria à sua presidência. O país rejeitou a Liga e, sob o comando dos sucessores de Wilson, lavou as mãos quanto a assuntos europeus em uma época em que o processo de recuperação do conflito no continente não corria bem.

“Muitos governos começaram liberais após a guerra. Mas se viram às voltas com explosivas tensões sociais que pareciam exigir políticas mais repressoras. Da Polônia à Áustria, da Romênia à Grécia, democracias incipientes alçaram voo e então voltaram a estagnar. No Leste, ideólogos soviéticos se arvoravam a falar pelos trabalhadores de todo o mundo, tirando o sono de banqueiros britânicos, ministros franceses e padres espanhóis. No centro da Europa, uma amargurada Alemanha tinha dificuldades de se recolocar em pé. E na Itália uma fera indomada, cujo momento finalmente chegava, punha-se em marcha pela primeira vez.”

Madeleine Albright, no livro “Fascismo: Um alerta”, traça breves e instrutivos perfis dos principais líderes fascistas surgidos na história desde então. O historiador Robert Paxton começa um de seus livros com a afirmação: “O fascismo foi a principal inovação política do século XX, e a fonte de grande parte de suas dores”.

O fascismo é uma forma extrema de regime autoritário. Exige-se dos cidadãos fazerem exatamente o que dizem seus líderes, nada mais, nada menos. A doutrina é vinculada a um nacionalismo fanático.

Uma outra característica é a reversão do contrato social. Em vez de cidadãos darem poder ao Estado em troca da proteção de seus direitos, o poder emana do líder e as pessoas não têm direitos. Sob o fascismo, a missão dos cidadãos é servir; o trabalho dos governantes, ditar as regras.

Quando se discute esse assunto, é frequente haver confusão quanto à diferença entre fascismo e conceitos semelhantes, como totalitarismo, ditadura, despotismo, tirania, autocracia. Na condição de acadêmica, poderia me sentir tentada a me embrenhar por esse espinheiro, mas como ex-diplomata, a preocupação maior de Madeleine Albright é com ações e não rótulos.

A seu ver, um fascista é alguém com profunda identificação com um determinado grupo ou nação, em cujo nome se predispõe a falar, mas não dá a mínima para os direitos de outros e está disposto a usar os meios que forem necessários – inclusive a violência – para atingir suas metas. A se julgar por esse prisma, um fascista provavelmente será um tirano, mas um tirano não necessariamente será um fascista.

É comum a diferença ser observada de acordo com o critério de a quem se confia as armas. Na Europa do século XVII, quando houve confrontos entre aristocratas católicos e protestantes quanto às Escrituras, os dois lados concordaram em não distribuir armas a seus camponeses, considerando mais seguro conduzir a guerra por meio de exércitos mercenários. Ditadores modernos também tendem à cautela com seus cidadãos; por isso criam guardas reais e outras unidades de elite para garantir sua segurança pessoal.

Um fascista, contudo, espera o apoio do povo. Enquanto reis tentam acalmar seu povo, fascistas o instigam a ter suas tropas de infantaria [ou milícias paramilitares] dispostas a atacar primeiro e com poder de fogo assim que a luta começa.

Fascismo: Um alerta publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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