sábado, 14 de março de 2020

Sociedade Humana: Ação Concertada e/ou Cooperação

Como todos os grandes autores, lidos por gerações posteriores, colocando-se à direita ou à esquerda, ou mesmo pretendendo uma posição equidistante, supostamente neutra e científica, Ludwig von Mises, no seu livro clássico “Ação Humana: Um Tratado de Economia”, é muito didático. Assim como são Milton Friedman e Karl Marx, para citar apenas dois outros autores clássicos, colocados em campos ideológicos opostos.

Devemos ler a todos para aprender e compreender pontos de vistas antagônicos. Assim, quando nos posicionarmos, não seremos intolerantes ou surdos aos argumentos dos adversários, conhecendo com maior profundidade suas ideias.

Vou tentar sintetizar a argumentação de von Mises na minha área de especialização, onde tenho maior conhecimento para sua avaliação: Macroeconomia e Teoria Monetária e Financeira.

“A sociedade é a consequência do comportamento propositado e consciente. Isso não significa os indivíduos terem firmado contratos por meio dos quais teria sido formada a sociedade.

As ações originadoras da cooperação social, diariamente se renovam, visam apenas à cooperação e à ajuda mútua, a fim de atingir objetivos específicos e individuais.”

[Por que não objetivos altruístas e sociais?]

Esse complexo de relações mútuas criadas por tais ações concertadas é o denominado por von Mises de sociedade. “Substitui, pela colaboração, uma existência isolada – apenas imaginável – de indivíduos. Sociedade é divisão de trabalho e combinação de esforços. Por ser um animal capaz de agir, o homem torna-se um animal social.”

[Talvez por ser um animal capaz de pensar e falar racionalmente obtém cooperação ou faz alianças em defesas de interesses de agrupamentos.]

“No quadro da cooperação social podem emergir, entre os membros da sociedade, sentimentos de simpatia e amizade e uma sensação de comunidade. Esses sentimentos são a fonte, para o homem, das mais agradáveis e sublimes experiências. São o mais precioso adorno da vida; elevam a espécie animal homem às alturas de uma existência realmente humana.

Entretanto, esses sentimentos não são como tem sido afirmado, os agentes que engendraram as relações sociais. São fruto da cooperação social e só vicejam no seu quadro; não precederam o estabelecimento de relações sociais e não são a semente de onde estas germinam.”

[Ludwig von Mises abandona aí, sem maior justificativa, o que seria uma visão idílica da sociedade impulsionada pelos instintos básicos humanos (digamos “amorosos”) da sobrevivência, da reprodução e da proteção para destacar o instinto da competição.

Neste ponto já surge contraponto. descrição idílica diz respeito ao maravilhoso, ideal. É muito suave, terna, porém, considerada utópica, fantasiosa, etc. Por que resultaria de um sonho, de um devaneio, de uma utopia, isto é, da crítica à realidade.

Seu texto se debate entre Economia Positivao que é – e Economia Normativao que deveria ser. É sua dúvida existencial: o que é, é ruim, o que deveria ser, segundo sua pregação, é bom. Mas também não seria inalcançável? É este seu papel de sábio-pregador?]

“Os fatos fundamentais para existir a cooperação, a sociedade e a civilização, e transformadores do animal homem em um ser humano, é o fato de o trabalho efetuado, valendo-se da divisão do trabalho, é mais produtivo face ao trabalho solitário, e o fato de a razão humana ser capaz de perceber esta verdade.

[Daí destaca apenas o interesse econômico e não o social ou o político.]

Não fosse por isso, os homens permaneceriam sempre inimigos mortais uns dos outros, rivais irreconciliáveis nos seus esforços para assegurar uma parte dos escassos recursos fornecidos pela natureza como meio de subsistência. Cada homem seria forçado a ver todos os outros como seus inimigos. Seu intenso desejo de satisfazer seus próprios apetites o conduziria a um conflito implacável com seus vizinhos. Nenhum sentimento de simpatia poderia florescer em tais condições.

[A pressuposta disputa por recursos escassos levaria à competição agressiva e, posteriormente, à divisão de trabalho cooperativa. Por que não brota da cooperação extrativista a cooperação agrícola ou industrial?]

Alguns sociólogos têm afirmado: o fato subjetivo original e elementar na sociedade é uma “consciência da espécie”. Outros sustentam: não haveria sistemas sociais se não houvesse um “senso de comunidade ou de propriedade comum”.

Podemos concordar, desde que estes termos um pouco vagos e ambíguos sejam corretamente interpretados. Podemos chamar de consciência da espécie, senso de comunidade ou senso de propriedade comum, o reconhecimento do fato de “todos os outros seres humanos são virtuais colaboradores na luta pela sobrevivência, porque são capazes de reconhecer os benefícios mútuos da cooperação, enquanto os animais não têm essa faculdade.”

Neste ponto, Ludwig von Mises destaca: “em um mundo hipotético, onde a divisão do trabalho não aumentasse a produtividade, não haveria sociedade. Não haveria qualquer sentimento de benevolência e de boa vontade.”

O conceito de divisão do trabalho é tomado emprestado por biólogos evolucionistas. Embora formigas ou abelhas, costumam ser chamadas, metaforicamente, de “sociedades animais”, não devemos jamais nos esquecer de o traço característico da sociedade humana ser a cooperação propositada. “A sociedade é fruto da ação humana, isto é, apresenta um esforço consciente para a realização de fins.”

[A ação humana é individual e/ou social? Este é o dilema: os individualistas egocêntricos adotam o indivíduo como centro-do-mundo, os coletivistas totalitários adotam a sociedade como abarcando todo o mundo. Os tertius, isto é, o terceiro em uma disputa inicialmente travada entre dois, opta por uma outra escolha, ou seja, por uma terceira escolha. Em sistema complexo, todos os componentes interagem, tanto “de baixo para cima”, quanto “de cima para baixo”.]

Sociedade Humana: Ação Concertada e/ou Cooperação publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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