Naercio Menezes Filho é professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper e professor associado da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Publicou um interessante artigo (Valor, 21/02/2020), lançando a seguinte pergunta em seu título: Brasil novo ou Brasil velho?
Gosto de suas análises baseadas em dados objetivos. Não aprecio tanto sua análise de “neoliberal reformista”. Discordo de toda a ênfase colocada na variável “produtividade” pelos economistas neoliberais.
Cometem um equívoco ao usar a produtividade como indicador do futuro, quando é um resultado, portanto, calculado ex-post: após os fatos transcorridos. É a divisão da produção física, obtida em determinado período, por um dos fatores empregados na produção: trabalho, tecnologia, capital. Expressa a utilização eficiente dos recursos produtivos, tendo em vista alcançar a máxima produção na menor unidade de tempo e com os menores custos.
Comumente, a “produtividade” é resultante do trabalho humano com a ajuda de determinados meios de produção: máquinas, ferramentas e equipamentos. Ora, quando a produção entra em um longo ciclo de declínio — como é a tendência desde o desmanche do Estado desenvolvimentista, exceto no ciclo social-desenvolvimentista (2003-2014) –, de início, a taxa de desocupação não acompanha no mesmo ritmo a queda da produção, em consequência, a produtividade cairá.
Compartilho seu artigo abaixo.
“Estamos enfrentando um longo período de transição depois do crescimento dos anos 2000 e da recessão dos anos 2010. Nossas decisões agora definirão nossa situação nos próximos 20 anos. Para guiar essas decisões é importante entendermos o que aconteceu com o país no passado recente.
Como nós dispomos de pesquisas domiciliares consistentes por quase quatro décadas, está na hora de fazer um balanço da evolução do bem-estar das famílias brasileiras nesse período. O que houve com os salários e com a renda familiar per capita dos mais pobres, da classe média e dos mais ricos nas últimas décadas? O que podemos fazer para garantir aumentos de renda ainda maiores nas próximas?
A figura acima mostra o que ocorreu com os salários e renda familiar per capita das famílias brasileiras em termos reais entre 1981 e 2018, separadamente para os 30% mais pobres, os 30% mais ricos e para os 40% entre esses dois extremos, a chamada “classe média”.
Podemos notar, em primeiro lugar, o salário médio dos trabalhadores nas famílias mais pobres cresceu 42%, enquanto na classe média o crescimento foi de 25% e entre os trabalhadores mais ricos apenas 14%. Como interpretar esses fatos?
O maior aumento de salário entre os pobres e na classe média deve-se ao forte aumento do salário mínimo e à grande melhora educacional, ocorrida no Brasil nesse período. Cerca de 1/3 dos trabalhadores nas famílias mais pobres tem carteira assinada e recebe o salário mínimo. Já o pequeno crescimento salarial entre os trabalhadores mais ricos em um período tão longo deve-se principalmente ao baixo crescimento da produtividade da nossa economia. Nesse período, foi de apenas 16%. Além disso, os mais ricos podem estar recebendo uma parcela crescente da sua renda do trabalho através de PJs ao invés de salários.
A renda familiar per capita média dobrou entre os mais pobres e na classe média e cresceu 68% entre os mais ricos. A diferença entre o crescimento da renda per capita e dos salários decorre em grande parte da diminuição do número de filhos que ocorreu em todas as classes. Em 1981 as famílias mais pobres tinham em média quase 7 pessoas morando em casa, ao passo que em 2018 eram apenas 4,5. Na classe média, o número de pessoas passou de 5,5 para 3,5 e entre os mais ricos de 3,8 para 3 pessoas.
O aumento na participação das mulheres e os programas de transferências de renda também contribuíram para o aumento da renda familiar. As pesquisas domiciliares não capturam muito bem o rendimento total dos muito ricos.
A mudança demográfica ainda persistirá por algum tempo entre os mais pobres, mas o ritmo de queda do número de filhos será cada vez menor. Assim, a renda familiar deverá acompanhar cada vez mais o crescimento dos salários que, por sua vez, irá depender do crescimento da produtividade, já que não haverá mais aumentos reais do salário mínimo.
Na verdade, o comportamento da renda familiar nos últimos 38 anos engloba dois períodos distintos. Podemos os chamar de “Brasil velho” (1981 a 1993) e o “Brasil novo” (1993-2018).
Durante o Brasil velho, os salários caíram cerca de 30% entre os mais pobres e 15% entre os mais ricos. A renda familiar caiu para todas as classes. Era um período de economia fechada e hiperinflação, em que as pessoas mais pobres eram basicamente relegadas a sua própria sorte, sem acesso à educação, saúde ou assistência social.
No Brasil novo, os salários dos mais pobres dobraram e sua renda aumentou 142%. A renda dos mais ricos aumentou 78%, ou seja, todos ganharam. Foi o período em que o Plano Real acabou com a inflação, a Constituição de 1988 instituiu o SUS e a estratégia Saúde da Família, as vagas no ensino superior triplicaram, o Fundef redistribuiu recursos educacionais para os municípios mais pobres, o salário mínimo foi valorizado e os modernos programas de transferência de renda foram criados.
Agora temos de decidir o que seremos no futuro.
Uma das pré-condições para garantir a solvência do país foi fazer a reforma da previdência, que era o nosso principal desafio na área fiscal.
As reformas do mercado de trabalho, se não geraram o crescimento esperado de emprego, pelo menos tornaram as leis trabalhistas um pouco menos rígidas.
As reformas fiscais, administrativa e tributária que estão na ordem do dia também são importantes para manter a estabilidade fiscal e melhorar a racionalidade econômica. Mas elas serão insuficientes para gerar crescimento de produtividade, renda e emprego no longo prazo.
Para que possamos crescer de forma sustentada teremos que investir nas pessoas. Como a transição demográfica está acabando, será necessário melhorar a educação e saúde dos mais jovens, especialmente das crianças.
Nesse sentido, a estagnação do orçamento da área social durante a recessão é uma política típica do Brasil velho, que irá causar problemas enormes no futuro, ao afetar o desenvolvimento infantil. A ausência de um sistema educacional articulado, em que políticas bem sucedidas sejam implementadas em todas as redes, prejudicará muito as novas gerações. Enfim, falta fazer a maior das reformas: igualar as oportunidades entre as crianças (com mais educação, saúde e assistência social) e entre empresas (através de maior competição).
Em suma, a renda dos mais pobres cresceu bastante nas últimas décadas devido à melhora educacional, valorização do salário mínimo, transferências de renda e principalmente devido à redução do número de filhos.
O salário entre os mais ricos cresceu apenas 14% em 37 anos, reflexo da falta de crescimento de produtividade. Se ela não aumentar, os próximos 20 anos serão desastrosos para todos. As reformas para arrumar a casa são necessárias, mas insuficientes para um crescimento sustentado de produtividade. Precisamos voltar a investir nas pessoas. Precisamos decidir se queremos voltar a ser o Brasil velho ou se continuaremos na trajetória do Brasil novo.”
Redistribuição de Renda Depois da Ditadura com o Social-Desenvolvimentismo publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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