domingo, 22 de março de 2020

Petro-Estado

Daniel Yergin, no livro “A busca: Energia, Segurança e a Reconstrução do Mundo Moderno” (Rio de Janeiro: Editora Intrínseca; original “The Quest: Energy, Security, and the Remaking of the Modern World” publicado em 2011), narra: nos países importadores de petróleo, o colapso dos preços foi uma bênção para os consumidores.

Preços baixos eram como cortes nos impostos. Pagar menos pela gasolina e pelo aquecimento doméstico significava mais dinheiro no bolso do consumidor, o que era um estímulo para o crescimento econômico.

Além do mais, os baixos preços do petróleo eram um antídoto contra a inflação, permitindo esses países crescerem mais rápido, com taxas de juros menores e com menos risco de inflação.

O que foi uma dádiva para os consumidores se tornou um desastre para os países produtores de petróleo. Para a maioria deles, as exportações de petróleo e gás eram a principal fonte de receita do governo. A indústria petrolífera era responsável por 50%, 70% ou até 90% de suas economias.

Assim, de uma hora para outra, houve uma queda brusca e acentuada em seu PIB. Com isso vieram os déficits, cortes orçamentários, tumulto social considerável e, em alguns casos, mudanças políticas radicais.

A mudança mais significativa de todas aconteceu na Venezuela. Devido à escala de seus recursos, o país poderia ser descrito como o único “da OPEP no golfo Pérsico” fora do golfo Pérsico.

Em 1997, produzia mais petróleo do que o Kuwait ou os Emirados Árabes Unidos e quase tanto quanto o Irã. Sua posição no golfo do México e seu papel como produtor de petróleo no hemisfério ocidental transformaram a Venezuela no bastião da segurança energética dos Estados Unidos, o que acontecia desde a época da Segunda Guerra Mundial.

Porém, a Venezuela também se transformou na própria personificação do conhecido como petro-Estado.

O termo “petro-Estado” costuma ser usado de maneira abstrata, aplicando-se a países diferentes, amplamente, em inúmeros aspectos — sistemas políticos, organização social, economia, cultura, religião, população — exceto uma: todos eles exportam petróleo e gás natural.

No entanto, algumas características em comum fazem do petro-Estado um bom referencial. O desafio comum a esses exportadores é garantir que as oportunidades de desenvolvimento econômico no longo prazo não se percam nas distorções econômicas e nas patologias políticas e sociais resultantes. Isso significa ter as instituições certas. Um desafio e tanto.

A saga nacional da Venezuela exemplifica tais dificuldades.

A economia venezuelana, desde 1920, pode ser resumida em uma palavra: petróleo. Antes disso, era um país agrícola, pobre, subpovoado — um “cacau-Estado” e, posteriormente, “um “café-Estado” e um “açúcar-Estado” —, ou seja, a receita nacional era muito dependente dessas commodities.

Os caudillos locais comandavam seus pequenos feudos como se fossem seus próprios países. Dos 184 membros da legislatura em meados da década de 1890, pelo menos 112 reivindicavam o posto de general.

Assolada por vários golpes militares, a Venezuela foi governada por uma série de ditadores, como o general Cipriano Castro. Ele, depois de tomar o poder em 1900, proclamou ser “o homem criado por Deus para realizar os sonhos de Bolívar” e reunir Venezuela, Colômbia e Equador em um único país. Não demorou a ser deposto por outro general, Vicente Gómez. Este a governou como se fosse sua “hacienda pessoal”, de 1908 até sua morte, em 1935.

O acontecimento decisivo para a riqueza da Venezuela ocorreu em 1922: a descoberta do gigantesco poço de Barroso, na bacia de Maracaibo, com um fluxo incontrolável de cem mil barris por dia. (O poço foi descoberto por George Reynolds, o mesmo engenheiro que em 1908 pôs em operação o primeiro poço de petróleo no Irã.) Com o poço Barroso jorrando com abundância, começa a Era do Petróleo da Venezuela.

Daí em diante, o país conheceu uma época de riqueza crescente, à medida que mais e mais petróleo fluía do subsolo.

No entanto, por que Juan Pablo Pérez Alfonso, o influente ministro da Energia depois da restauração da democracia em 1958 e um dos fundadores da Opep, depreciou o petróleo, em seus anos de aposentadoria, chamando-o de “excremento do diabo”?

Porque enxergou o impacto do influxo de receita no Estado, na economia e na sociedade e no psicológico e nas motivações do povo. A riqueza do petróleo podia ser desperdiçada, podia distorcer a vida do país. Em sua opinião, a Venezuela já estava se tornando um petro-Estado, uma vítima da sedutora e malevolente “maldição dos recursos naturais”.

Petro-Estado publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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