terça-feira, 3 de março de 2020

Liberdades Individuais e Objetivos Coletivos

David Colander e Roland Kupers, coautores do livro “Complexity and the Art of Public Policy: Solving Society’s Problems from the Bottom Up” (Princeton University Press, 2014), afirmam: “uma maneira de influenciar o governo sem controle é ter o maior número possível de ações voluntárias possíveis. Se as pessoas, por seus próprios desejos, fazem aquilo socialmente desejável, o controle não é necessário. As pessoas exibem autocontrole.”

Se uma sociedade tem normas positivas, são necessários muito menos regulamentos. Em uma sociedade com normas positivas, os indivíduos podem ter significativa liberdade de ação, enquanto ainda alcançam objetivos sociais coletivos.

Essa ênfase na liberdade individual é geralmente associada aos defensores do livre-mercado, mas também é uma ênfase dos defensores da complexidade social. O que os defensores simplistas ou fundamentalistas do mercado livre às vezes esquecem é um sistema complexo funcionar apenas se os indivíduos se autorregulam.

Autorregulação pessoal ou entre indivíduos? Significaria eles não pressionarem muito sua liberdade e fazerem compromissos razoáveis ​​sobre o benefício a si mesmos e o benefício à sociedade. Caso esses compromissos razoáveis ​​sejam incorporados às normas de comportamento, temos o melhor de todos os mundos.

As normas de organização política para tratar a complexidade são considerados endógenos ao sistema e estão interconectados com a política de ações coletivas. O governo não impõe normas, nem mesmo força os indivíduos a se autorregularem. Em vez disso, tenta incentivar o desenvolvimento de uma eco-estrutura capaz de incentivar a autoconfiança e a preocupação com os outros.

Um dos papéis importantes do governo no quadro da complexidade é incentivar as pessoas a adotar normas sociais positivas. Mas esse papel de “influência da norma” para o governo raramente faz parte da discussão sobre política econômica.

Uma política de normas é projetada para influenciar as regras e o tom do jogo social. Envolve criar uma sociedade civil dentro da qual os indivíduos possam prosperar em seus próprios termos. Não envolve impor a vontade do governo a indivíduos. O governo é simplesmente um meio pelo qual os indivíduos resolvem problemas coletivos.

O argumento dos coautores é o governo ter um importante papel político nos dois quadros, mas esses papéis são bem diferentes. De maneira sintética, o governo é visto pela Ciência da Complexidade simplesmente como uma manifestação da interação de escolha coletiva de baixo para cima, tão natural para a evolução de um sistema social quanto a oferta e a demanda.

Sem governo, não teríamos mercados como os conhecemos, e sem mercados não teríamos governo como os conhecemos. Eles são simbióticos e co-evolutivos. Como tais, mercado e governo não podem ser uma polaridade para a bússola política.

A natureza simbiótica do governo e do mercado não é uma nova visão. Basta ler o pensamento econômico e político clássico para encontrar um reconhecimento completo dele. Mas os estudiosos clássicos das Ciências Sociais não formalizaram suas ideias de tal maneira a poder a política econômica derivar diretamente delas.

Quando o pensamento clássico evoluiu para o pensamento neoclássico mais formalizado, muitas ideias de complexidade foram perdidas para a política econômica e, em certa medida, para toda a política social. O discurso político tornou-se enquadrado como uma ciência determinística do controle.

Nela, economistas de “fora do sistema” ao aconselharem um governo saberiam o que seria melhor para as pessoas. O fato de o melhor poderia ser descoberto apenas pelo processo de evolução foi perdido.

Consistente com essa visão, os formuladores de políticas adotaram uma bússola pela qual via o governo e o mercado como polos opostos. Por um lado, a política do governo tornou-se focada no controle do governo. Por outro lado, quem buscava o incentivo à natureza social das pessoas se viram pressionando por políticas de controle – regulamentação governamental, redistribuição forçada e mercados diretamente limitados – e não por políticas de influência – autorregulação, caridade, empatia e simpatia. Deixou as pessoas livres para descobrir o que de maneira sustentável era melhor para si.

A Ciência da Complexidade fornece um quadro de políticas fundamentalmente diferente. Enquadrado na complexidade, o papel do governo se torna bem diferente. No quadro da complexidade, a política é projetada para desempenhar um papel de suporte em uma eco-estrutura em evolução. Ela não é projetada para controlar o sistema.

Este livro é a tentativa de apresentar ao leitor esse quadro de políticas de complexidade. Mostra como os coautores acham o debate sobre políticas públicas deve ser organizado.

O treinamento em políticas públicas nas universidades, nos negócios e no governo torna mais provável ver a dualidade do quadro padrão de livre mercado e política de controle do governo, sem se dar conta de outros quadros possíveis. Como a maioria dos formuladores de políticas sociais e especialistas em políticas vê a imagem nesse quadro padrão dual, o debate sobre políticas perdeu aspectos importantes para o debate.

O treinamento em Ciências da Complexidade muda isso. Permite o reconhecimento de uma estrutura política alternativa onde o governo e o mercado são simbióticos. Fazer isso abre um novo conjunto de rotas para explorar.

Embora grande parte do foco neste livro seja sobre política econômica, as implicações vão muito além da economia. A razão pela qual inicialmente os coautores focam na economia é o atual “guia padrão dos economistas” para a política pública ter influenciado muito mais além da própria Economia. Forneceu a estrutura principal para se pensar em políticas públicas, negócios e até decisões individuais.

De muitas maneiras, o quadro político padrão dos economistas se tornou o que usamos na sociedade ocidental para pensar em problemas de maneira binária, reducionista e simplória – e não complexa com muitos componentes interativos. Tornou-se tão assimilado a ponto de muitas vezes ser considerado a única maneira racional de pensar em políticas: uma escolha entre Mercado e Estado.

Liberdades Individuais e Objetivos Coletivos publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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