Daniel Yergin, no livro “A busca: Energia, Segurança e a Reconstrução do Mundo Moderno” (Rio de Janeiro: Editora Intrínseca; original “The Quest: Energy, Security, and the Remaking of the Modern World” publicado em 2011), narra: restava uma enorme barreira a esses acordos de fusões entre as grandes companhias de petróleo privadas.
O governo dos Estados Unidos, mais especificamente, a FTC determinaria se eles haviam ou não violado a lei antitruste. Os espíritos de John D. Rockefeller e da Suprema Corte, em 1911, pairavam sobre as consolidações. Elas estavam transformando o setor, mas o mundo havia mudado muito desde então.
A atenção da FTC estava, predominantemente, no refino e nas redes de postos de gasolina, e na possibilidade de alguma das empresas possuir poder de mercado indevido, o que significava a capacidade, “mesmo que pequena”, de controlar o preço, nas palavras da Comissão. O que era de “profundo interesse” para os reguladores era a formação de preços no downstream, ou seja, o custo do combustível a sair das refinarias e o preço da gasolina na bomba.
Mas a razão fundamental dos acordos nada tinha a ver com refino e distribuição — o downstream — nos Estados Unidos. Tinha a ver com as operações globais no upstream — a exploração e produção de petróleo e gás ao redor do mundo. As empresas estavam em busca de eficiência e redução de custos — a capacidade de diluir os custos em um número maior de barris.
Não menos importante era a busca por escala — a capacidade de assumir projetos maiores e mais complexos — e a capacidade de mobilizar dinheiro, pessoas e tecnologia para a execução de tais projetos. Além disso, quanto maior e mais diversificada a empresa, menos vulnerável estaria a convulsões políticas em qualquer país.
Uma empresa de tal porte poderia assumir projetos cada vez maiores. Já era claro os projetos em si estavam ficando cada vez maiores. Um megaprojeto na década de 1990 poderia custar US$ 500 milhões. Na próxima década, poderia ter um custo de US$ 5 a US$ 10 bilhões, talvez ainda mais.
O acordo da BP-Amoco foi aprovado pela comissão em uma questão de meses, com pequenas ressalvas e exigências de desinvestimento. Mas a fusão ExxonMobil tinha uma escala muito diferente — muito maior. E apenas mencionar juntos os nomes dos dois maiores legatários da Standard Oil Trust original parecia suficiente para evocar o fantasma de John D. Rockefeller.
A fusão entre a Exxon e a Mobil só seria possível se elas se desfizessem de 2.431 postos de combustível, de um total de cerca de 16 mil, além de uma refinaria de petróleo na Califórnia e mais algumas coisas. Porém, para aqueles que temiam a reencarnação de John D. Rockefeller, a comissão respondeu que não estávamos mais em 1911, mas em um mundo muito diferente.
A Standard Oil Trust, explicou Robert Pitofsky, presidente do conselho da FTC, “tinha 90% do mercado dos Estados Unidos enquanto essa empresa, após a fusão, terá cerca de 12% ou 13% do mercado” — abaixo do limite implícito de 15%. Em 30 de novembro de 1999, a ExxonMobil passou a existir como uma só empresa.
Porém, ao mesmo tempo, Pitofsky advertiu: um alto grau de concentração do mercado “faria soar os alarmes antitruste”.
Esses “alarmes antitruste” já haviam soado na época da proposta de fusão da BP com a Arco. A BP-Amoco havia se movimentado muito rápido para concretizar o acordo com a Arco — para a FTC, rápido até demais.
Depois de acirrada discussão interna, a comissão, por uma votação de três a dois, concluiu: a absorção da Arco permitiria à BP manipular o preço do petróleo do Alasca vendido na Costa Oeste e manter os “preços altos”.
O que significava “preços altos”? Pela matemática da testemunha do FTC, a empresa formada pela fusão poderia aumentar o preço da gasolina em cerca de meio centavo o galão durante alguns anos.
Na opinião da maioria na FTC, a BP tinha exagerado e, para poder fechar o negócio, seria obrigada a renunciar a seu principal ativo, a joia da coroa, a razão que a motivara a querer a Arco em primeiro lugar: o petróleo de North Slope, no Alasca. Castigada, a BP percebeu não ter escolha. Seguiu em frente com a fusão em abril de 2000, mas sem North Slope.
Nem todos dependiam da aprovação da FTC. Na França, o que contou mesmo foi o consentimento do primeiro-ministro.
Havia na França duas grandes companhias de petróleo, a Total e a Elf. Elas já tinham sido controladas pelo Estado, mas agora estavam totalmente privatizadas.
A razão para a existência das duas empresas foi um “acidente histórico”. Após a Segunda Guerra Mundial, o presidente da França, o general Charles de Gaulle, estava determinado a restaurar a “grandiosidade” francesa. Decidiu a Total, ou CFP, como era conhecida na época, estava “muito próxima das empresas americanas e britânicas” e orquestrou a criação de uma segunda empresa nacional. Esta acabou sendo a Elf.
Na época do acordo BP-Amoco, ambas já estavam convencidas da necessidade de crescer por meio da consolidação. O primeiro passo, no final de 1998, foi adquirir a companhia petrolífera belga Petrofina, basicamente uma empresa europeia de downstream. Em junho de 1999, a Total havia elaborado um plano para a aquisição de seu principal alvo, a Elf.
Entretanto, nada poderia acontecer sem a aprovação prévia do governo. Embora a Elf tivesse sido privatizada em 1986, o governo ainda detinha uma parte importante da empresa que lhe dava direito de veto sobre qualquer mudança de controle. Mesmo o governo francês não tendo mais participação na companhia, se uma empresa francesa seguisse nessa direção sem seu aval, a atitude destruiria a carreira dos gestores envolvidos.
O ministro da Fazenda, ex-professor de Economia, deu ao primeiro-ministro socialista uma explanação curta e convincente sobre a realidade econômica e a dinâmica competitiva global que tornavam o acordo essencial para os interesses nacionais franceses. O primeiro-ministro francês absorveu a lição. E deu sinal verde.
Em setembro de 1999, o negócio foi fechado. A TotalFina adquiriu a Elf e Desmarest tornou-se CEO da nova empresa. Depois de um curto período, a TotalFinaElf ficou conhecida apenas por Total, uma das gigantes do petróleo mundial.
Para a Chevron, a antiga Standard of California e a terceira maior companhia de petróleo dos Estados Unidos, foi a fusão ExxonMobil que incitou a ação. Para ela, o parceiro mais óbvio era a Texaco, com quem compartilhava as joint ventures Caltex — produção de petróleo na Indonésia, refino e distribuição na Ásia, hoje o mercado de crescimento mais veloz do mundo. Essas joint ventures tinham cinco décadas e estavam entre as consideradas as melhores operações do gênero, envolvendo quaisquer tipos de empresa no mundo.
Para a Texaco, uma fusão fazia o mesmo sentido. As empresas maiores, as gigantes do petróleo, de fato teriam mais valor no mercado de ações no lugar das grandes empresas tradicionais. Na primavera de 1999, a Texaco procurou a Chevron.
A alta gerência das duas empresas reuniu-se em San Francisco, em maio de 2000, para analisar suas duas joint ventures Caltex na Ásia. Estava claro a estrutura de joint venture ser uma forma bastante ineficiente de administrar um negócio tão importante — e em expansão — na região do mundo com crescimento mais dinâmico. Era preciso encontrar outra maneira.
Ao tocar no assunto da fusão, seu CEO reconheceu ser difícil levar adiante a estratégia de autossuficiência da Texaco no novo ambiente de negócios. As negociações foram reabertas.
A fusão Chevron-Texaco finalmente foi assinada em outubro de 2000. O CEO resumiu, com certo pesar: “Está aparente que escala e porte tornaram-se importantes à medida que as gigantes do petróleo foram entrando em cena.”
A decisão da FTC, na primavera de 2000, forçando a BP a desfazer-se dos ativos da Arco em North Slope, Alasca, ajudou de forma inadvertida a estimular a última grande fusão nos Estados Unidos.
De um lado estava a Phillips Petroleum. Com sede em Bartlesville, Oklahoma, a Phillips era considerada uma minigigante do petróleo. Do outro lado estava a Conoco, desde 1981 de propriedade da DuPont. A DuPont havia limitado os gastos e o crescimento da Conoco, usando os lucros do petróleo e do gás para construir seu negócio de Ciências da Vida.
Havia dois riscos óbvios. Um vinha de estar na condição de lidar apenas com três ou quatro grandes projetos, e não dez ou quinze. O segundo era o perigo de ser absorvida em uma aquisição hostil. A Phillips corria os mesmos riscos. E não eram apenas riscos teóricos. Afinal, o motivo pelo qual a Conoco caíra nos braços da Dupont, em 1981, fora justamente afastar as aquisições hostis.
Em novembro de 2001, as duas empresas anunciaram sua fusão, criando assim a ConocoPhillips, a terceira maior companhia de petróleo dos Estados Unidos. Na realidade, era a maior em downstream do país. O CEO da companhia combinada deixou bem claro o objetivo da fusão: “Vamos fazer isso para competir com as maiores empresas de petróleo.”
Era notável uma empresa permanecer ausente dessa briga, a Royal Dutch Shell. Ela, antes das fusões, era a maior empresa de petróleo de todas.
As razões foram muitas. Uma análise interna havia concluído, no longo prazo, o preço do petróleo seria determinado pelo custo do novo petróleo dos países fora da OPEP, estimado em US$ 14 o barril. Por isso, ela usou esse preço para selecionar investimentos.
Além disso, havia concluído que o porte era importante, mas só até certo ponto. No entanto, havia ainda uma razão mais importante: a estrutura da empresa em si.
O problema era a Shell ter uma estrutura peculiar. Embora operasse como uma só empresa, na verdade era de propriedade de duas, com dois conselhos distintos — a Royal Dutch e a Shell Transport and Trading. Não havia CEO, ela era administrada por um comitê, consequências do acordo para a realização de uma fusão ocorrida muito antes, em 1907, e modificada no final da década de 1950.
Essa “estrutura dupla” funcionou bem durante muitas décadas, mas havia se tornado cada vez mais ineficiente. A dupla propriedade também “dificultou muito”, a realização de uma fusão com outra grande empresa baseada em ações.
Na realidade, tornara tal fusão quase impossível. Durante a época das fusões, alguns tentaram impor uma reestruturação interna, mas a reação de muitos dos membros do conselho fora contrária. Nada aconteceu. Depois de realizadas todas as fusões, a Shell deixou de ser a maior companhia de petróleo.
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O que ocorreu entre 1998 e 2002 foi a maior e mais importante reconstrução da estrutura da indústria internacional de petróleo desde 1911. Todas as empresas que passaram por processo de fusão tiveram de passar pelo tumulto e pelo estresse da integração.
Tudo poderia levar anos. Todas saíram do processo não só maiores, mas também com maior eficiência, mais globalizadas e com capacidade de assumir mais projetos — projetos, por sua vez, maiores e mais complexos.
Ao se questionar em retrospecto, uma década depois da consolidação, e ponderar sobre esse terremoto na estrutura do setor, o CEO da Chevron, David O’Reilly, observou: “Grande parte saiu como se esperava. A parte que não saiu certinha como esperávamos está relacionada às NOCs. Essas empresas maiores competem com as NOCs?”
Quando um pequeno canto da economia mundial — o superalavancado mercado imobiliário de Bangcoc — começou a entrar em colapso e a supervalorizada moeda tailandesa começou a despencar com os ataques especulativos, ninguém esperava as consequências levarem a uma crise financeira na Ásia. Esta viria a afetar o mundo inteiro.
Sem dúvida, nenhum dos gerentes das maiores companhias de petróleo do mundo esperaria a desgraça dessa obscura moeda do sul da Ásia ser o gatilho para o colapso no preço do petróleo e a maciça reestruturação do setor. No entanto, havia mais por vir. Pois as consequências também transformariam economias nacionais e territórios, entre eles um dos mais importantes produtores de petróleo do mundo.
Fantasma de John D. Rockefeller: Lei Antitruste publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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