segunda-feira, 9 de março de 2020

Corte Atrasado de Depósitos Compulsórios para Elevação de Operações Compromissadas

Estevão Taiar, Álvaro Campos, Talita Moreira e Sérgio Tauhata (Valor, 21/02/2020) informam: o Banco Central (BC) fez no dia 20/02/20 um corte nos depósitos compulsórios. Provavelmente, injetará mais excesso de liquidez no sistema financeiro em meio a um cenário de migração de investimentos da renda fixa, incluída a captação bancária, para renda variável e outras classes de ativos. A medida deve injetar R$ 135 bilhões na economia. A Selic-mercado tende a cair mais se o BC não atuar para colocá-la no nível da Selic-meta.

O órgão regulador atuou em duas frentes.

  • De um lado, reduziu de 31% para 25% a alíquota de recolhimento obrigatório sobre depósitos a prazo, o que representa uma liberação de R$ 49 bilhões.
  • De outro, a autoridade monetária diminuiu a sobreposição existente entre os compulsórios e as exigências do indicador de liquidez de curto prazo do sistema financeiro (LCR, na sigla em inglês), com impacto adicional de R$ 86 bilhões.

O BC já tinha as diretrizes teóricas para encurtar essa sobreposição.

No ano passado, os investimentos em CDB e RDB – os mais tradicionais títulos de captação bancária para lastrear empréstimos concedidos – cresceram apenas 0,1%, para R$ 228,4 bilhões, nos segmentos de varejo, alta renda e private, segundo a Anbima. O estoque desses títulos no mercado era de R$ 888,2 bilhões no fim de janeiro. Dado bem distinto do apresentado pelo Banco Central do Brasil: confira na tabela acima (R$ 1,114 trilhão).

O aumento da concessão de crédito será um efeito secundário porque os bancos ampliam a oferta se houver demanda por crédito. E esta surge quando há crescimento econômico.

O impacto mais relevante é irrigar de liquidez o sistema. Em tese, poderia reduzir o custo do crédito, especialmente de bancos de menor porte, mais pressionados em suas captações. Mas isso não acontecerá, significativamente, se o spread em algumas linhas de empréstimos não cair.

A liberação de recursos não é benéfica em um contexto de juros já tão baixos. A baixa renda fixa tem levado à migração dos investidores para a renda variável.

A movimentação feita pelo BC com grande atraso, após transcorrer boa parte da fase de desalavancagem financeira, poderá reduzir mais o custo de financiamento das instituições. O banco tem de captar menos do precisado antes porque agora sobra o recurso disponível. Pode haver diminuição dos juros e do spread cobrados dos clientes apenas se houver maior concorrência imposta por demanda por crédito.

Além da tendência de migração dos investidores de produtos como o CDB, a mudança na forma de intervenção do BC no mercado de câmbio também contribuiu para estreitar a liquidez no mercado local. Quando passou a vender dólares no mercado à vista, na segunda metade do ano passado, “queimando reservas cambiais”, a autoridade monetária os trocou por reais em circulação, o que contribuiu para esse enxugamento. O mercado de renda fixa local secou.

Por isso, a expectativa é as medidas funcionarem mais para recompor liquidez em vez de aumentar o volume de recursos para o crédito. Se houve redução na captação, a liberação de compulsório não é para ampliar, mas para recompor.

O objetivo do regulador com a medida é estrutural, dentro da agenda de tornar o sistema mais eficiente, afirmou o diretor de política monetária do BC. “O Brasil tem legado de compulsórios muito elevados, essa é a jabuticaba”, disse.

No fim de janeiro de 2020, o estoque de dinheiro recolhido obrigatoriamente pelos bancos somava aproximadamente R$ 450 bilhões, enquanto em países mais desenvolvidos o volume é próximo de zero. No futuro, o BC espera não precisar mais dos compulsórios.

A alíquota das categorias de compulsórios começou a cair em 2016. Das medidas anunciadas ontem, a redução da alíquota sobre os depósitos a prazo começa a valer no dia 16 de março. O aumento da parcela de compulsórios que será considerada no cálculo do LCR vale a partir do dia 2.

Adotado no Brasil em 2015, o LCR tem funcionamento semelhante ao dos compulsórios e também serve para assegurar a estabilidade financeira. Pela regra, os bancos devem destinar parte dos recursos captados para a compra de ativos líquidos, como títulos públicos e operações compromissadas. Com o aumento da parcela dos compulsórios considerada no cálculo da LCR, os bancos podem se desfazer de parte dos investimentos em títulos e compromissadas, liberando consequentemente mais recursos. Mais de 90% dos compulsórios que sobraram farão parte do LCR.

O diretor do BC negou que a medida tenha ligação com a “agenda de política monetária” ou que tenha sido anunciada para estimular a economia. Os movimentos, disse, foram feitos para alinhar o Brasil às regras de Basileia 3. “Política monetária é a cada 45 dias”, afirmou, referindo-se às reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) para fixar a taxa de juros básica: Selic-meta.

Apesar disso, a tendência é uma parcela da quantia liberada ser efetivamente destinada ao crédito, se este se acelerar. No momento do ciclo econômico, de uma recuperação gradual, com política monetária estimulativa, o crédito ainda não está se acelerando “em ritmo de cruzeiro”.

Apesar dessas considerações, a “imprensa oficiosa chapa-branca” faz a louvação de praxe com a propaganda enganosa da “área econômica” sob o domínio do ex-banqueiro de negócios. Só fala aquilo desejado escutar, seja por O Governo, seja por O Mercado.

Alex Ribeiro (Valor, 21/02/2020) reafirma um equívoco: a Lei de Say no mercado de crédito. Ao contrário do dito por ele, oferta não cria demanda nesse mercado! Se não há projeto de investimento multiplicador de renda, não haverá demanda por alavancagem financeira de maneira sustentada em longo prazo!

“A liberação de depósitos compulsórios e a flexibilização do índice de liquidez anunciadas pelo Banco Central terão efeito expansionista na economia, por meio do canal do crédito, embora esse não tenha sido o propósito da medida. Há muito tempo os compulsórios são tratados pela autoridade monetária apenas como instrumento de política macroprudencial. Da mesma forma, devem ser considerados os requerimentos de liquidez de Basileia 3.

O diretor de política monetária do Banco Central não procurou dar nenhum sinal sobre a direção de política monetária com a liberação de recursos ao sistema bancário. Os movimentos na taxa de juros continuam a depender das variáveis indicadas nos documentos oficiais do Comitê de Política Monetária (Copom).

Por isso, é precipitado afirmar a liberação de compulsório representa um sinal de fim definitivo do ciclo de distensão monetária, imaginando que um instrumento teria substituído o outro. Ou que o Copom telegrafa uma possível continuidade dos cortes na Selic, porque sinalizaria preocupação em estimular a atividade.

As discussões sobre compulsórios e índices de liquidez estão sendo conduzidas pelo Banco Central há algum tempo, em caminho paralelo e independente ao da política monetária. A autoridade monetária divulgou um estudo especial onde estabelece o arcabouço analítico que subsidia as decisões sobre o assunto.

As medidas sobre os compulsórios dos depósitos a prazo, diz o documento, levam em conta o papel macroprudencial desse instrumento em garantir o funcionamento dos mercados em períodos de aperto sistêmico de liquidez, como na crise de 2008.

Os compulsórios sobre depósitos à vista desempenham função na operação do sistema de pagamentos. Já os compulsórios de poupança são voltados a atuar em crises causadas pelo descasamento nas captações de curto prazo de caderneta e empréstimos imobiliário de longo prazo.

Feitas essas ressalvas, a liberação de compulsórios tem, sim, consequências sobre o crédito e a demanda agregada da economia. Dessa forma, será uma entre tantas variáveis a afetarem a inflação e, portanto, a ser analisadas pelo Copom em suas reuniões.

Muitos analistas econômicos têm argumentado: os compulsórios e os índices de liquidez não têm influência sobre o crédito. Portanto, os recursos terminarão empoçados na economia.

Essa visão costuma assumir duas premissas. Primeiro, o sistema já é bastante líquido, com R$ 951 bilhões em operações compromissadas, por isso não faltam recursos para os bancos emprestarem mais. A outra premissa é que o crédito independe de dinheiro no caixa – são apenas lançamentos no balanço dos bancos. Segundo esse raciocínio, primeiro o banco decide fazer um empréstimo, liberando recursos ao cliente. O cliente que recebe o empréstimo recoloca o dinheiro no sistema bancário. O banco que fez o empréstimo pode, então, tomar recursos no sistema para recompor o seu caixa.

Essa visão de que o compulsório não tem efeito sobre o crédito, porém, é controversa. Primeiro, porque o estoque de R$ 951 bilhões de operações compromissadas não pertence aos bancos. Cerca de 90% das operações são feitas pelos bancos para clientes, sobretudo os fundos de investimento Eles têm forte demanda por liquidez, dada a preferência por liquidez dos investidores.

A tese de os bancos fazerem empréstimos sem enfrentarem nenhum tipo de limitação, pois podem acessar dinheiro reciclado no mercado, também não é completamente correta. [segundo o jornalista]

As alíquotas de compulsório e índices de liquidez atuam como freio ao multiplicador monetário. Quando o dinheiro é reciclado a cada rodada, uma parcela termina retida no BC como compulsório. Os compulsórios impedem que o multiplicador seja infinito. Quanto menor o compulsório, maior o multiplicador.

Nas condições atuais do sistema bancário, há boas indicações de que a liberação de compulsórios e índices de liquidez poderão virar crédito. Os bancos aumentaram captações nos últimos meses – um sinal de busca de recursos – e os custos dessas captações aumentaram.

Assim, de alguma forma, o dinheiro vai terminar virando crédito. O efeito exato de quando isso vai acontecer, e os desdobramentos na demanda agregada, são mais difíceis de medir. Isso porque o volume de crédito depende da demanda dos tomadores, o que, por sua vez, depende da confiança na economia. [Como sempre, tudo acaba nas mãos milagrosas da ‘fada-da-confiança’!]

O que se pode afirmar é: a liberação de compulsórios se transmite de forma mais restrita em lugar de um corte de juros básicos. Compulsórios chegam à atividade pelo canal do crédito, enquanto os juros se transmitem pela economia por diversos canais, incluindo o próprio crédito, investimentos, expectativas e câmbio.”

Os editorialistas são mais comedidos face aos colunistas:

“O Banco Central redefiniu a necessidade dos recolhimentos compulsórios dos bancos e ontem reduziu o percentual para os depósitos a prazo de 31% para 25%. Em julho de 2019 fez o mesmo movimento, porém mais modesto, de 33% para 31%. Ao mesmo tempo, aumentou o peso desses depósitos no Indicador de Liquidez de Curto Prazo, que aponta a quantidade de ativos líquidos disponíveis nos bancos que seriam suficientes para enfrentar situações de crise. Os dois movimentos tornarão disponíveis para os bancos R$ 135 bilhões, a partir de 16 de março. Embora o BC não tenha tomado essa medida para estimular o crédito, esse pode ser um de seus efeitos benéficos.

O Brasil é o quarto país no ranking dos emergentes com maior volume de depósitos compulsórios. Perde apenas para a China (23% do PIB), Argentina e Filipinas. Com 6% do PIB, o Brasil tinha em janeiro R$ 450 bilhões, a maior parte sobre depósitos a prazo: R$ 244,3 bilhões, ou 53,3% do total.

A função desse recolhimento é garantir uma fonte de liquidez em última instância para os bancos. A diminuição dos compulsórios foi usada, por exemplo, durante a crise financeira de 2008, com a realocação desse dinheiro de grandes para pequenas instituições, vítimas principais da redução de liquidez, via compra de carteiras de crédito.

Com a taxa de juros nominal mais baixa da história, o momento é propício à adequação dos compulsórios. Fazê-lo com juros altos, em um momento em que a demanda da economia precisa ser contida, apenas transferiria para as operações compromissadas, ou seja, títulos públicos, o dinheiro que os bancos não querem emprestar ou para o qual não encontram tomadores àquele custo. Saber para onde irão os recursos agora faz diferença, porque a economia reluta em ganhar fôlego e as expectativas de crescimento foram rebaixadas.

De imediato, o corte do compulsório reduz a necessidade dos bancos de captarem à taxa de mercado, embora ela hoje seja muito mais baixa do que no passado. Em tese, isso é um estímulo para que eles ampliem a carteira de crédito com um spread menor — em tese.

As estatísticas do BC indicam haver demanda. Em janeiro, os empréstimos para pessoas físicas com recursos livres cresceram 16,6% e para as empresas, 11,2%. em 12 meses. Transferir parte desses novos recursos para as operações compromissadas (cujo estoque é de R$ 951,5 bilhões) não agregará receitas para os bancos. A segurança da compromissada tinha colo coadjuvante a alta taxa de juro Selic real (chegou a 7% quando a taxa nominal foi a 14,5%), o que não é o caso agora, quando ela está abaixo da taxa estrutural e se situa em torno de 1% ao ano.

As margens nas operações de crédito são maiores. A inadimplência não está aumentando e parte dos recursos dos consumidores tem se destinado a pagar dívidas.

Esta pode ser uma razão pela qual a liberação do FGTS agora tenha tido um efeito menor sobre a economia que em 2016. Primeiro, naquele ano foram liberados R$ 44,3 bilhões. Agora, até 14 de fevereiro, foram R$ 27,5 bilhões, pelos dados da Caixa. Estudo do BC mostrou que em 2016, dos gastos identificáveis do dinheiro liberado, 38,4% quitaram dívidas. Há poucas razões para que o mesmo não tenha ocorrido agora.

A economia precisa de mais estímulos, mesmos indiretos. O Índice de Confiança ao Consumidor (FGV) caiu em fevereiro ao menor nível desde maio do ano passado. A inflação voltou a despencar, como previsto, (IPCA-15 de 0,22%), indicando que ficará bem abaixo da meta e que o nível de atividades da economia ainda deixa muito a desejar. A epidemia de coronavírus arrastará para baixo o crescimento mundial no curto prazo e as exportações brasileiras com ela.

O BC, por seu lado, deixou explícito: interrompeu o ciclo de afrouxamento monetário por tempo indeterminado, até quando se examine a magnitude dos efeitos defasados da dose de estímulos. Boa parte dos analistas acredita haver ainda um espaço claro para novos cortes na Selic, enquanto outros acham pelo menos o BC não ter argumentos suficientes para fazer o caminho de volta (elevar juros) por um período prolongado.

O BC deixou claro: não reduziu os compulsórios como compensação pela interrupção do corte dos juros ou, de outra forma, não está usando um outro instrumento para obter o mesmo efeito. O meio de atingir os fins da política monetária é a taxa de juros. Compulsórios menores terão consequências positivas neste momento, e melhoram as expectativas – o que não deixa de ser uma boa notícia.”

Expectativas dos pós-keynesianos = Fada-da-Confiança dos neoclássicos?

Confira abaixo o ponto-de-vista de um economista pós-keynesiano. Rogério Sobreira é doutor em Economia (IE-UFRJ). Foi diretor financeiro e de gestão de crédito do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais e professor- associado de Finanças e Macroeconomia, FGV/Ebape.

Rogério Sobreira (Valor, 21/02/2020) escreveu o seguinte artigo:

“O Banco Central, como esperado, reduziu no início do mês (5/2) a Selic para 4,25% ao ano. Diante desse movimento, a pergunta que fica é: a política monetária será capaz de estimular a economia, de modo que possamos experimentar retomada mais robusta em 2020 e 2021?

Na minha opinião, esse não será o caso. Não quero dizer, claro, que a política monetária não terá nenhum efeito, mas sim que o estímulo proporcionado por mais esta redução será menor do que o esperado. Examinando pela ótica da demanda, com mais essa redução, as famílias não deverão se sentir mais estimuladas a consumir e a se endividar. A renda real média do trabalho se mantém praticamente estagnada – a apresentou apenas leve aumento em dezembro do ano passado em comparação com novembro e outubro -, a informalidade vem aumentando, chegando a 41% da força de trabalho em 2019, e, com isso, o emprego vem se precarizando, não obstante a criação de mais de 640 mil vagas com carteira assinada em 2019.

Nestas circunstâncias, a confiança do consumidor não mostra uma tendência clara de melhora, tal como atestado pelos índices de confiança, de situação atual e de expectativas divulgados em janeiro pela FGV que ainda se apresentam em níveis bastante baixos (ver o artigo que publiquei no Valor em 10/12/19). Com isso, a disposição das famílias em se endividar também não mostra uma recuperação, como revelado por seu nível de endividamento, que se manteve praticamente estável ao longo de 2019.

Desta forma, é difícil apostar que uma retomada mais intensa da economia ao longo deste ano venha a ser capitaneada pelo consumo das famílias. Pelo lado do investimento, a própria reação algo anêmica do consumo faz com que os empresários não se sintam fortemente estimulados a desengavetar projetos de investimento, mesmo diante de uma taxa de juros mais baixa que, em tese, tornaria viável projetos que antes não seriam aprovados pela análise da sua taxa interna de retorno.

A desconfiança na retomada do consumo das famílias cobra seu preço na forma de um retorno esperado ajustado pelo risco dos projetos de investimento menor, fazendo com que novos investimentos sejam adiados ou no máximo sejam executados parcialmente. Além disso, o câmbio mais desvalorizado, se ajuda os exportadores, torna mais cara a importação de tecnologia que poderia tornar o projeto de investimento mais produtivo e mais viável.

Este quadro é particularmente grave na indústria de transformação que, como mostrado pela variação da produção industrial de 2019, apresentou uma expansão de apenas 0,2% em comparação com igual período de 2018. Pelo lado dos gastos do governo, o quadro de restrição fiscal faz com que esse componente da demanda agregada apresente taxas de crescimento sucessivamente negativas. Isso vale tanto para a União como também para os Estados e municípios que estão, na sua grande maioria, vivendo uma situação fiscal bastante precária, agravada pela própria fraqueza da retomada, que não permite uma recuperação da arrecadação.

Por fim, pelo lado do setor externo, observa-se uma piora nesse começo do ano, representada pelos impactos ainda incertos do coronavírus no ritmo de crescimento da economia chinesa, bem como pelos impactos que o acordo comercial EUA-China trará para as nossas exportações, para não falar na incerteza em relação à retomada da economia mundial como atestado por instituições como o FMI, por exemplo.

Quando analisamos o lado da oferta, percebe-se que ainda temos inúmeras deficiências, várias delas difíceis de serem adequadamente enfrentadas (sistema tributário, infra-estrutura, logística, incerteza jurisdicional etc.), o que impacta negativamente a produtividade e, por conseguinte, o crescimento esperado.

Vale observar também que o quadro de ajuste fiscal que vigora hoje no país retira importantes graus de liberdade da política fiscal, que seriam úteis dada a cena de virtual estagnação que vive o país e que poderiam servir como gatilho para a economia engrenar uma retomada um pouco mais sólida pelo lado da demanda, enquanto as questões de oferta e a questão fiscal fossem sendo endereçadas. Nesse sentido, acreditar em abstrato na desagradável aritmética monetarista de Sargent- Wallace pode cobrar um preço muito elevado. Não que não se deva enfrentar a questão fiscal – junto com outras tantas -, mas política econômica tem um quê de técnica e um quê de arte que é importante ser preservada para ser usada em situações como a atual.

Também é importante notar que, em termos mais estruturais, o Brasil necessita de uma estratégia de desenvolvimento para se colocar de forma adequada na nova divisão internacional do trabalho que está se moldando com a nova revolução industrial na forma da economia da informação, internet das coisas, inteligência artificial e machine learning. Como mostrado em reportagem do “Financial Times” publicada no Valor (4/2/2020), até mesmo a Alemanha, a locomotiva da Europa e uma potência da engenharia, está preocupada em não ficar para trás nessa nova configuração.

Achar que, resolvidos todos os nossos problemas pelo lado da oferta, endereçada adequadamente a questão fiscal, reduzidas as desigualdades de renda e regional, diminuindo a informalidade e a precarização do emprego, elevando consistentemente a renda do trabalho – hipóteses mais que heroicas – iremos nos inserir automaticamente de maneira competitiva nessa nova divisão internacional do trabalho, pela simples ação isolada (e descoordenada) do investimento privado, tanto doméstico quanto estrangeiro, é desconhecer a história das nações.

Veja, por exemplo, o que faz a China e outros países como bem descrito, por exemplo, nos livros “O Estado Empreendedor” de Mariana Mazzucato e “America Inc.”, de Linda Weiss. Caso não pensemos em uma estratégia de inserção nesse admirável mundo novo, certamente vamos ficar para trás e voltar a ser, basicamente, um país primário exportador, com as consequências já fartamente mostradas no passado pela Cepal quando descreveu o quanto a periferia fica fragilizada no seu crescimento. E não, eu não estou defendendo uma nova política de substituição de importações!

Enfim, a redução da Selic é, em si, uma boa notícia. Contudo, como diz o provérbio, uma andorinha só não faz verão.”

Corte Atrasado de Depósitos Compulsórios para Elevação de Operações Compromissadas publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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