segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Sobre Idiotas

Há um ano, quando se iniciava o mandato do capitão, um sábio colega professor universitário me aconselhou: – Não podemos nos rebaixar debatendo com estes idiotas a tomarem posse no governo brasileiro! Baixar até o nível deles é regressão cultural!

Há uma contradição histórica dos atuais idiotas com a etimologia do termo.  “Originalmente, o termo ídhios era usado de maneira depreciativa para definir aqueles que se apartavam da vida pública na antiga Atenas: o cara abria mão da vida em sociedade, com suas regras e anseios civilizatórios, e automaticamente era chamado de idiota. Esse é o idiota ancestral. O tempo passou e o jogo virou. Antes marginalizado, o idiota agora se apossa com facilidade das estruturas de poder. Com essas estruturas nas mãos, constrói um mundo à sua imagem e semelhança – um mundo no qual estamos todos condenados a viver.”

Esta citação é do livro de coautoria de Álvaro Borba e Ana Lesnovski do projeto “Meteoro Brasil”, no livro “Tudo o que você precisou desaprender para virar um idiota” (Planeta, 2019). Eu não resisti à piada com um(a) amigo(a) oculto(a), no caso, também desconhecido(a). Eu só sabia ele(a) pertencer à minha bolha: intelectual de esquerda.

Comprei o livro pela provocação do título – e por saber ser de autoria de criadores de canal no YouTube assistido por mim. Pensei: “perderei um novo(a) amigo(a), mas não perderei a piada!”

Dei-lhe o presente e a amiga antes oculta gentilmente me agradeceu: – Sua leitura servirá para eu lidar com umas colegas bolsonaristas…

Este nobre propósito, infelizmente, será em vão. Idiotas não se emendam. Se antes quem desdenhava da vida coletiva civilizada era chamado de idiota, agora a idiotice tomou conta do Poder Executivo brasileiro. E condena-nos a conviver com sua carência de ideias inteligentes.

Daí a validade da atualização do significado de idiota: “quem não tem consciência de fazer mal a si mesmo e, pior, aos outros”. Com o manuseio da “arma de destruição em massa de reputações” – o celular dito inteligente, mas incapaz de pensar pelo usuário – o idiota descobriu não estar sozinho no mundo. Encontrou seus pares intolerantes!

Ao fazer ações coletivas, faz Política com intenção de externar sua misantropia. É a aversão ou repulsa aos seres humanos cultos ou à humanidade civilizada.

O misantropo praticante é alguém desconfortável com a vida em sociedade educada, demonstrando sua desconfiança e antipatia em relação a pessoas distintas. Etimologicamente, o termo misantropia surgiu a partir da junção de duas palavras gregas: anthropos (“ser humano”) e misos​ (“ódio”). Foi um pequeno passo, em rede social, grupos de idiotas externarem seu discurso de ódio contra os diferentes de si.

A misoginia é o sentimento extremo de repulsa, desprezo e ódio contra as mulheres. Já a misandria é o nome dado ao sentimento de raiva ou aversão praticado contra o sexo masculino. Homofobia significa aversão irreprimível, repugnância, medo, ódio, preconceito, típicos de grupos evangélicos submissos à pregação de sabidos pastores, contra homossexuais, lésbicas, bissexuais e transexuais. Freud explica…

“Idiota é sinônimo de falta de inteligência, baixo discernimento.” Ao optar por viver apartado da vida em comunidade, possivelmente, o idiota se julgava superior ao coletivo desprezado por ele. Deixou essa herança de intolerância para seus descendentes. Estes não conseguem aceitar divergentes pontos de vista, ideias ou culturas, principalmente pelo fato de não compreenderem a diversidade do qual é formado o mundo.

O idiota moderno acha quem pensa diferentemente dele ser um doutrinado, seja pela “esquerda ateia e personificação do próprio diabo”, seja pela Ciência em Universidades públicas dominadas por essa gente. Ele não. Ele se acha estar pensando por si só ao compartilhar os memes recebidos no WhatsApp – e enviados por robôs. “O idiota hoje não está mais fora da pólis; está bem no meio dela, fechado na sua bolha.”

Ao contrário do idiota, quem quer sanar dúvidas a respeito das configurações dinâmicas de um mundo complexo, sem apelar para o sobrenatural, busca a Ciência. Face às questões desafiantes, levanta hipóteses explicativas provisórias. Questiona-as até serem descartadas por provas irrefutáveis… E estas sofrerão novos questionamentos em uma eterna tentativa de aproximação da Verdade transitória.

Mentiras e teorias conspiratórias simplificadoras não tem apelo para a educação científica. Elas são invariavelmente apresentadas na rede social com empáfia e arrogância por “donos da Verdade”. Quem as formula, como o guru bem instalado em Richmond, capital do estado da Virgínia (EUA), raramente resiste à tentação do autoelogio.

Com frequência, combate as contestações de suas teses com xingamentos. E ensina aos discípulos submissos assim proceder no debate público com a esquerda. A auto ilusão de superioridade do idiota compensa a falta de argumentos lógicos com a agressividade.

Os autores do livro “Tudo o que você precisou desaprender para virar um idiota” resolveram falar do idiota primeiro porque ele sempre acha ser mais importante em relação a todo o mundo capaz de pensar diferente do modo dele.  Este livro é dividido em duas grandes partes: a primeira apresenta as fundações dos procedimentos de comunicação das teorias conspiratórias, colaborando com a luta para entender – e combater – a idiotice. Depois dessa introdução, eles desconstroem com fundamentos científicos algumas das teorias conspiratórias agora embasando a política oficial e a comunicação midiática no Brasil.

Listam 24 delas, em seus capítulos, inclusive com referências bibliográficas para ler mais a respeito de cada. Intitulam-se:

  1. Teorias Conspiratórias são irrefutáveis, mas isso não as torna verdadeiras
  2. Globalismo não existe
  3. A Religião Biônica Mundial não ameaça A Moral Judaico-Cristã
  4. O medo do Marxismo Cultural é uma invenção nazista
  5. Gramsci nunca foi maquiavélico
  6. Direitos Humanos não são uma ferramenta de dominação global
  7. “Politicamente Correto” é coisa da direita
  8. Obama não é um agente da KGB
  9. Martin Luther King Jr. não era anticomunista
  10. Nada na Psicologia nos recomenda um sistema de castas
  11. Freud não defende o incesto
  12. Ideologia de Gênero, não; estudos de gênero, sim
  13. Todo homofóbico vive em um mundo salvo por um membro da comunidade LGBTQI+
  14. Não há sociedade livre de drogas
  15. O Método Científico é uma conquista a ser celebrada
  16. Vacinas são seguras
  17. A Terra não é plana, e mais: ela gira em torno do sol
  18. A Humanidade não pode queimar petróleo indefinidamente
  19. Não há razão para duvidar das mudanças climáticas
  20. A escravidão existiu e suas consequências são sentidas no presente
  21. O Foro de São Paulo jamais foi uma organização secreta
  22. A Lei Rouanet não é uma mamata
  23. Universidades Públicas produzem pesquisa, muita pesquisa
  24. Paulo Freire Não Doutrinou Ninguém

Registram: “Não há como refutar uma Teoria da Conspiração diante daquele idiota crente nela. A questão é de fé, não de prova.”

É possível uma classificação em cinco tipos para as Teorias Conspiratórias elaboradas pelos idiotas. Está baseada puramente naquilo combatido ou cultuado por elas. São tipos identificados topologicamente.

  1. Contra um “inimigo externo”: essas conspirações hostilizam grupos e figuras fora da comunidade, tramando contra ela.
  2. Contra um “inimigo interno”: indistinguível dos cidadãos comuns, esse antagonista ameaçaria o sistema por dentro.
  3. Contra um “inimigo de cima”: imaginam a manipulação coordenada de pessoas poderosas contra a sociedade abaixo delas.
  4. Contra um “inimigo de baixo”: o ódio se volta contra as classes populares por elas estarem tramando uma revolução comunista secreta;
  5. Por fim, uma “conspiração benevolente”: imaginam grupos ou entidades (naturais ou sobrenaturais) trabalhando para nos proteger de todos aqueles inimigos vindos de dentro, de fora, de cima e de baixo – de todos os lados – para ameaçar a paz e a segurança de quem acredita nela.

Curiosamente, a ameaça nunca parte dos próprios adeptos idiotas de cada teoria, pois abusam do “nós contra eles”.

O melhor meio de evitar a procriação de idiotas é a adoção do método científico. Eles o detestam. Rezam os crentes: “O método científico não serve para descobrir nada – e a ciência ‘bestifica’ a humanidade.”

“Questionar o método científico, as universidades, a escola, os professores, os livros – tudo isso serve ao propósito de estabelecer uma única fonte de informação e conhecimento: sua fé bíblica. Convenientemente, não é produzida por meio de argumentação ou comprovação por ser questão de fé”.

Daí o interesse dos idiotas em antagonizar a Ciência com “a fé cega e a faca amolada”. A Ciência submete fés, ideologias e doutrinas a alguma racionalidade lógica ao testá-las com fatos: observação-hipótese-experimentação. Um credo embasado na rejeição à Ciência certamente quer evitar as verificações orientadas pela própria Ciência.

Na verdade, a casta dos sabidos pastores e o guru de Richmond propagam crenças com a pretensão de substituir a Ciência. Usam um credo pressuposto inquestionável para obtenção de enriquecimento pessoal expropriado dos crentes seguidores. Dízimo é a contribuição, dada pelos fiéis, correspondente à décima parte de seus rendimentos.

O presidente idiota do Brasil disse em uma entrevista: “Nas universidades, você vai na questão da pesquisa, você não tem! Poucas universidades têm pesquisa, e, dessas poucas, a grande parte tá na iniciativa privada”. A declaração não encontra respaldo factual nem mesmo nos dados do próprio governo. Só pode ser feita porque encontra em torno de si uma plateia predisposta ao puxa-saquismo oportunista, ideologicamente preparada para o repúdio ao tal “establishment acadêmico”.

Ele nunca frequentou uma Universidade pública de excelência. Lula também não, mas nunca falou tal besteira, pelo contrário, contribuiu muito para a expansão das Universidades Federais.

Em 2016, a CAPES contratou a Clarivate Analytics, uma empresa especializada na coleta de dados sobre pesquisas e patentes, para entender como andava a Ciência brasileira. Resultado: das 20 universidades mais produtivas em pesquisas, entre os anos 2011 e 2016, 15 eram federais e 5 eram estaduais. Todas eram públicas.

O idiota luta contra fatos e dados. Meu sábio colega professor universitário parece ter razão: ao tentar salvar um idiota, podemos morrer com seu “abraço de afogado”. Vamos evitar sua ignorância propagar para quem ainda não teve acesso à educação científica. É o nosso propósito, conjuntamente com os coautores do livro “Tudo o que você precisou desaprender para virar um idiota”: educar em debate público de acordo com a Ciência.

Sobre Idiotas publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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