Segundo o livro, Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil (Cambridge University Press, 2018), coautoria de David J. Samuels (University of Minnesota) e Cesar Zucco (Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro), o modo petista de governar pode ser resumido em um esforço para transformar o Brasil:
(1) fortalecendo os vínculos entre Estado e sociedade e aumentando as oportunidades de participação;
(2) buscando a redução das desigualdades socioeconômicas; e
(3) atuando em defesa do Estado de Direito.
O primeiro elemento chama a atenção para problemas de representação e prestação de contas decorrentes do sistema partidário brasileiro e sua estrutura institucional formal. O segundo ponto lida com a tensão entre a igualdade democrática formal e as desigualdades informais de oportunidades, quanto à raça, classe ou gênero. O terceiro enfoca a teia de práticas “iliberais” como como corrupção, crime, brutalidade policial e falta de acesso à justiça para brasileiros comuns.
O PT, deliberadamente, criou uma organização capaz de vincular o partido aos seus princípios e manter fortes laços com seus apoiadores. Porém, principalmente após 2014, os petistas estavam se distanciando do partido, tendo concluído a maneira de fazer política no Brasil ter mudado o partido muito mais do que o PT mudou a maneira de fazer política do Brasil.
Nenhum dos outros partidos brasileiros se beneficiou com o recente declínio do PT. De fato, a recente crise política, econômica e moral viu um declínio no apoio a todos os principais partidos, não apenas o PT. Em 1998, os três maiores partidos de centro-direita – o PMDB, PSDB e PFL – conquistaram exatamente 50% dos votos na Câmara de Deputados, mas em 2014 eles conseguiram apenas 27%.
A ascensão do PT sugere não ser impossível construir um programa partidário programático no Brasil – apenas ser muito difícil fazê-lo. Da mesma forma, o declínio do PT implica também ser muito desafiador manter a reputação de ter uma abordagem programática depois de ganhar poder. Para ter certeza a respeito, Dilma foi acusada, em parte, porque o PT estava em uma posição fraca. Embora tivesse vencido quatro eleições presidenciais consecutivas, a participação do PT na votação legislativa atingiu o pico de 18% em 2002 e, em 2014, conseguiu apenas 14% no Congresso.
Claramente, o repetido sucesso do PT nas eleições presidenciais não traduziu em sucesso semelhante nas eleições legislativas. De fato, desde 2002, o PT tornou-se um exemplo extremo da chamada “separação de propósitos”: seus candidatos presidenciais realmente se apresentaram muito melhor, inclusive onde os candidatos legislativos do PT tiveram um pior desempenho eleitoral.
Quatorze por cento dos votos ainda fizeram do PT o maior partido da Câmara dos Deputados, depois de 2014, mas uma base governista pequena demais para proteger Dilma de deserções de parceiros da coalizão ou de ataques da oposição.
Diferentemente de qualquer outro impeachment na história mundial, Dilma foi traída por um membro de seu governo, seu próprio vice-presidente, além do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha do PMDB. Cunha não era um cruzado anticorrupção. Pelo contrário, menos de duas semanas após o impeachment golpista de Dilma, os colegas de Cunha o demitiram por acusações de corrupção e, mais tarde, ele foi preso.
Acredita-se, amplamente, em Cunha ter instaurado um processo de impeachment golpista contra Dilma em um esforço inútil de para evitar o destino contra o qual não conseguiu se safar. Michel Temer, substituto de Dilma, sintetizou a classe política oligárquica, desacreditada no Brasil. Sem surpresa, ele também foi alvo de várias investigações de corrupção. Porém, sem a mesma violência midiática, policial e judiciária quanto a perseguição política contra os líderes do PT.
Independentemente de se considerar o impeachment de Dilma um “golpe”, não é surpresa o espetáculo de uma legislatura cheia de políticos corruptos ter feito o julgamento de Dilma. Isso levanta questões sobre a legitimidade do resultado de sua deposição aos olhos de muitos eleitores brasileiros. Afinal, mais de 60% dos legisladores eram eles próprios alvos de investigações judiciais, quando votaram no impeachment golpista da presidenta (Transparency Brasil 2016). Esse fato ajuda explicar porque tantos brasileiros, atualmente, prestam aos partidos e à democracia uma consideração tão baixa. Para que adianta o voto, se os eleitos não respeitam a vontade do eleitor?
Dado o descrédito das partes, por que escrever um livro sobre atitudes partidárias em massa no Brasil contemporâneo? Como observado, a sabedoria convencional sugere esse partidarismo ter pouco impacto no comportamento do eleitor. Em vez disso, o que mais importa, para a sobrevivência da maior parte da pobre população brasileira, é a atitude personalista pragmática de “o que eu vou ganhar com isso”. No máximo, os eleitores alienados fazem a avaliação das qualidades pessoais dos candidatos, de seu pressuposto desempenho no cargo ou de sua capacidade de prestar serviço digno como legislador.
Tais fatores são importantes para eleitores não-partidários. Para os eleitores capazes de afirmar terem uma afinidade com um partido em particular, no entanto, as atitudes partidárias poderosamente moldam as percepções das qualidades dos candidatos, desempenho no cargo, e a capacidade de ajudar para “levar comida para casa”. De um modo geral, essa não é uma nova alegação. De fato, as atitudes personalistas e as percepções quanto ao partidarismo, agora, é sabedoria convencional no estudo de comportamentos políticos comparados.
No entanto, dada a suposição de partidos fracos junto ao eleitorado do Brasil, o argumento dos coautores oferece uma nova maneira de entender a política brasileira. As atitudes políticas dos eleitores podem importar até certo ponto nas eleições presidenciais e talvez governamentais. O argumento desenvolvido implica, pelo menos para os eleitores partidários, as atitudes políticas no Brasil serem principalmente uma função do partidarismo de cada qual.
Mostram as atitudes partidárias de massa popular terem tido um papel subestimado quanto à formação das atitudes e dos comportamentos políticos dos eleitores brasileiros desde 1980. Exploram o partidarismo positivo – um apego psicológico a um partido favorecido –, além de um aspecto oculto das atitudes políticas dos brasileiros, o partidarismo “negativo”, a rejeição de um partido detestável por razões muitas vezes inconscientes.
Em particular, destacam a importância de atitudes positivas e negativas sobre o PT, porque petismo e antipetismo têm sido os elementos predominantes do sistema partidário brasileiro no eleitorado desde os anos 80. Atitudes partidárias sobre o PSDB e o PMDB são menos coerentes em relação ao petismo. A principal diferença é quantitativa, não qualitativa: o número de partidários do PMDB e PSDB sempre foi bastante pequeno, enquanto petistas e antipetistas representaram uma proporção substancial do eleitorado desde os anos 90.
Para entender o caminho da política eleitoral brasileira, desde a redemocratização, é particularmente importante entender como a emergência do PT moldou as atitudes políticas e o comportamento de voto dos brasileiros, seja a favor, seja contra. A crise política em curso (a partir do final de 2017) torna nada disso ser irrelevante.
Como mostram os coautores, o antipetismo não é meramente um fenômeno da Era Dilma. De fato, o número de antipetistas aumentou de maneira bastante constante, desde antes da primeira eleição de Lula como presidente. Porém, o número de antipetistas já era bastante alto, mesmo quando a economia do Brasil tinha um bom desempenho.
Além disso, o recente declínio no número de petistas pode vir a ser temporário – apenas uma consequência da profunda crise iniciada enquanto Dilma ainda estava no cargo. Aqueles eleitores, antes se considerando petistas até certo ponto, mas agora se denominando apartidários, podem, em algum momento, retornar com propósito de recuperar sua concepção originária do Partido dos Trabalhadores.
Modo Petista de Governar publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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