quarta-feira, 17 de julho de 2019

Vergonha do General e do Procurador: 99% querem igual

Para o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), é uma vergonha ele, como general do Exército, receber um salário líquido de R$ 19 mil – cerca de 10 vezes o rendimento líquido médio da população ocupada. A declaração foi dada em resposta a questionamento sobre o valor antes ganho como diretor do COB (Comitê Olímpico do Brasil): aproximadamente R$ 55 mil, sem correção inflacionária para valor real atual.

Conversa entre os procuradores obtida pelo site The Intercept e analisada em conjunto com a Folha de S.Paulo apontam o procurador-chefe da Lava Jato ter montado um plano de negócios de eventos e palestras para lucrar com a fama, dada a espetacularização midiática da perseguição política ao favorito na eleição de 2018. Ele era adversário do capitão acertado com o juiz parcial da operação. O procurador usava os contatos obtidos durante as investigações de corrupção para seu próprio enriquecimento pessoal.

A ideia de criar uma empresa de eventos para aproveitar a repercussão da Lava Jato foi manifestada pelo procurador em dezembro de 2018 em um diálogo com sua mulher. No mesmo mês, o procurador e um colega criaram um grupo de mensagens específico para discutir o tema, com a participação das esposas deles como “laranjas”. Eles teriam se articulado para obter lucro mediante a realização de palestras pagas e obtidas com o uso de seus cargos públicos. Tais palestras teriam se dado em parceria com empresas privadas, dividindo os valores do tráfico de influência.

Cerca de três meses antes de iniciar o grupo para discutir a abertura da empresa, o procurador informou à esposa sobre a lucratividade das palestras apurada até setembro de 2018. “As palestras e aulas já tabeladas neste ano estão dando líquido 232k [R$ 232 mil]. Ótimo… 23 aulas/palestras. Dá uma média de 10k [R$ 10 mil] limpo.”

No mês seguinte, o procurador manifestou a expectativa para o fechamento de 2018. “Se tudo der certo nas palestras, vai entrar ainda uns 100k [R$ 100 mil] limpos até o fim do ano. Total líquido das palestras e livros daria uns 400k [R$ 400 mil]. Total de 40 aulas/palestras. Média de 10k limpo”, disse o procurador em linguagem de traficante.

Caso tenha atingido a meta de faturamento líquido de R$ 400 mil em 2018, essa remuneração pode ter superado a soma dos salários recebidos como procurador da República naquele ano. Dados do Portal da Transparência do Ministério Público Federal mostram ele ter recebido cerca de R$ 300 mil em rendimentos líquidos em 2018, sem considerar valores de indenizações.

A tradução de “procurador”, para economês, passa a ser: quem se dedica à rent-seeking ou procura de renda. É a tentativa de obter renda econômica pela manipulação do ambiente social ou político no qual as atividades econômicas ocorrem, em vez de agregar valor à sociedade. Um exemplo de rent-seeking no passado era a limitação do acesso a cargos qualificados imposta pelas guildas medievais. Estudos atuais sobre rent-seeking focam na captura do regulador, ou seja, na exploração pelo agente público, no caso, do procurador, dos privilégios de monopólio decorrentes da regulação protecionista de suas atividades corporativas. Usa e abusa do corporativismo judicial.

O início do ano do governo do capitão de extrema-direita foi marcado pela ascensão mais veloz da massa salarial das famílias das classes A e B, o topo da pirâmide social, segundo estimativas da consultoria Tendências. As famílias da classe A são aquelas com renda familiar total ao mês acima de R$ 18.462. Esse valor médio de renda cai a cada faixa social, para as classes B (de R$ 5.929 a R$ 18.461), C (de R$ 2.459 a R$ 5.928), D e E (até 2.459). O critério é da própria consultoria, porque não existe um critério oficial.

O estudo mostra 18,6% das famílias brasileiras pertencerem às classes A e B neste início de ano. Isso corresponde a cerca de 13,1 milhões de famílias. A proporção é inferior a aquela registrada antes da recessão, quando 19,5% das famílias brasileiras pertenciam a esse topo da renda nacional.

O estudo também estima 25,7% das famílias brasileiras estarem na classe média brasileira, a classe C. Essa classe respondia por 28,6% das famílias em 2016. No caso das classes D/E, são 41 milhões de famílias, correspondendo a mais da metade da população brasileira (55,7%). A atual crise político-econômica provoca a reversão do processo de mobilidade social ocorrido entre 2003 e 2014, durante governo de origem trabalhista.

Hoje, menos de 1/3 da população permanece bestificada pela pressuposta “caça à corrupção”. Essa parcela ainda não reconhece o erro de ter sido enganada pela “caça à renda” ou “caça à nomeação”. Ela briga contra os fatos. Em vez de avaliar a gravidade da mensagem, comprovante da parcialidade do prejulgamento do líder popular, ataca o mensageiro, um repórter investigativo de prestígio internacional.

O general e o procurador se dizem envergonhados pela renda recebida, embora ela os coloque no topo da pirâmide social brasileira. Não à toa, a desigualdade econômica é uma questão das mais atacadas pela esquerda há muito tempo.

O ponto de partida para entender a desigualdade no contexto do progresso humano é reconhecer a desigualdade de renda não ser um componente fundamental do bem-estar. Não se compara com bens essenciais para uma boa vida, como saúde (sem ter impedimento do corpo), segurança (sem sofrer por violência física ou econômica), personalidade (espaço privado para se assumir por inteiro), respeito (mútuo, tolerância, civilidade), harmonia com a natureza, amizade (afeto desinteressado com igualdade e solidariedade) e lazer, isto é, uma atividade criativa em lugar de trabalho alienante

Até especialistas repetem a falácia da quantidade fixa, talvez por fervor retórico, e não por confusão conceitual. A confusão de desigualdade com pobreza deriva diretamente dessa falácia: a ideia de a riqueza ser um recurso finito, a ser repartido sob os ditames da soma zero, isto é, se alguém ficar com mais, é inevitável outros obterem menos.

Nesse debate sobre distribuição de renda existe um problema de terminologia. Usa-se “pobreza” como um estado, quando falta aquilo necessário à subsistência, ou seja, penúria em termos absolutos. Mas se refere também à classe: é uma referência ao conjunto dos pobres, ou seja, à relativização quanto às demais classes sociais. Neste caso, pobreza ou riqueza é relativa: somos tão ricos quanto nos sentimos, e as pessoas de nosso convívio oferecem, não raramente, o parâmetro para esse sentimento. “Um homem rico é aquele ganhador de 100 dólares a mais por ano em relação ao ganho do marido da irmã de sua mulher”, definiu o satírico H.L. Mencken.

Uma consequência danosa da falácia da quantidade fixa é a crença de, se alguém se torna mais rico, só pode ter roubado da participação de outra pessoa. Isso ocorreria em caso de uma renda estar dada, seja por consideração de um corte temporal arbitrário, seja por a economia estar estagnada como a brasileira atualmente.

Em caso de crescimento da renda nacional, todos podem aumentar o recebido em termos nominais, embora os mais ricos possam ganhar em maior ritmo. No caso atual de estagdesigualdade, não se adiciona valor na produção, mas os recebedores de juros e alugueis, além de especuladores com ganhos de capital na bolsa de valores podem se apropriar de mais valor em seu estoque de riqueza financeira.

Na realidade, as pessoas prefeririam distribuições desiguais de renda entre os seus conterrâneos se sentissem a alocação ser justa. Achariam justo os bônus serem dados a quem trabalhasse mais, a quem ajudasse com mais generosidade ou até a quem tivesse mais sorte em uma “loteria” imparcial.

Não haverá uma aversão generalizada à desigualdade se as pessoas sentirem no país predominar a meritocracia. Esta é o predomínio, em uma sociedade, organização, grupo ou ocupação daqueles detentores de mais méritos: os mais trabalhadores, mais dedicados, bem-dotados intelectualmente, etc. A maioria aceita o sistema de recompensa e/ou promoção, por exemplo, em um emprego, fundamentado no mérito pessoal. As pessoas se aborrecem quando sentem não ser.

Daí há rejeição por parte de quem não se beneficia de nepotismo, isto é, favoritismo para com parentes, especialmente pela distribuição parental de poder público, demonstração de preferência por colegas corporativos, proteção só para pessoas da mesma seita religiosa ou ideológica. O favoritismo está sendo demonstrado ser típico no atual regime político ou administrativo brasileiro com a prática de conceder compensações ou privilégios por influência, amizade ou parentesco, sem levar em consideração valores como competência, merecimento e honestidade.

A impessoalidade é pré-requisito republicano no trato da coisa pública. É contrária ao afilhadismo, compadrice, compadrio, filhotismo, nepotismo, preferência, proteção, entre outras práticas bolsonaristas.

Validismo é o ato de prestar apoio injusto, julgado imerecido a alguém. Ocorre quando um protetor presta ajuda somente a seus validos, protegidos, apadrinhados.

Cada vez mais, o povo brasileiro cantarola: “eu tô só vendo, sabendo, sentindo, escutando e não posso falar, tô me guardando pra quando o carnaval chegar”…

Vergonha do General e do Procurador: 99% querem igual publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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