sexta-feira, 5 de julho de 2019

Resolução do Problema da Dívida Bruta: Trocar Operações Compromissadas por Depósitos Voluntários dos Bancos no BCB

A redução na alíquota de recolhimento compulsório sobre recursos a prazo, de 33% para 31%, anunciada na última semana de junho de 2019 pelo Banco Central, é positiva para os ratings dos bancos brasileiros, segundo a Moody’s. A agência diz a mudança permitir os bancos alocarem os R$ 16 bilhões liberados de maneira mais eficiente, beneficiando as margens. Embora a originação de novos empréstimos continue crescendo pouco desde o fim de 2017, puxada pelos bancos privados, a demanda por crédito segue fraca.

Essa é a segunda redução de depósito compulsório anunciada pelo BC este ano, o que levou o estoque total para R$ 409 bilhões. O estoque atual representa quase 21% dos depósitos totais do sistema. Comparado com outros países, o Brasil impõe um dos maiores níveis de compulsórios.

Por exemplo, a taxa de recolhimento compulsório para depósitos a prazo:

  • na China, é 13,50%;
  • na Turquia, de 7%;
  • em Rússia e Peru, de 5%;
  • nos EUA, de 3%;
  • na África do Sul, de 2,50%; e
  • na zona do euro, de apenas 1,00%.

Na avaliação da Moody’s, a liberação dos compulsórios não representa uma injeção substancial de liquidez no sistema financeiro. Na realidade, os bancos já possuem atualmente bastante espaço em seus balanços para reforçar o crédito, falta é demanda de crédito! Oferta de crédito é igual à de luz elétrica: só ocorre sob demanda!

“As fortes condições atuais de liquidez doméstica devem provavelmente continuar a dar suporte para as condições de funding das instituições financeiras no médio prazo, sem pressionar seus custos, dado o apetite dos investidores institucionais por títulos com maior retorno para compensar os baixos juros dos bônus do governo desde 2017″, diz a agência.

Alex Ribeiro (Valor, 02/07/19) soube analisar melhor a diminuição dos depósitos compulsórios.

Duas iniciativas do Banco Central foram mal entendidas, pelo mercado e pelo próprio governo:

  1. a liberação dos depósitos compulsórios e
  2. os aperfeiçoamentos nas intervenções no mercado de câmbio.

O erro é entendê-las como medidas conjunturais, voltadas ao curto prazo, quando a intenção é promover mudanças mais estruturais no funcionamento dos mercados.

O BC anunciou a liberação de R$ 16,1 bilhões em compulsórios sobre depósitos a prazo. A medida levou o ministro da Economia, Paulo Guedes, apressadamente a mentir a respeito da existência de um plano para liberar R$ 100 bilhões para alavancar o crédito privado.

Deve-se ponderar: a liberação de compulsórios beneficiaria indistintamente bancos públicos e privados. Mas esse não é o principal ponto. O mercado bancário já opera com ampla liquidez. A média diária do estoque de operações compromissadas é de R$ 1,315 trilhão em junho, quase 20% do Produto Interno Bruto (PIB).

Não é por falta de dinheiro em caixa, portanto, a razão do sistema bancário não emprestar mais, embora as pequenas instituições tenham maior restrição de liquidez. O que determina o volume de crédito é:

  1. a propensão dos bancos em ofertar empréstimos e
  2. a capacidade e vontade dos clientes de contrair dívidas.

A liberação de compulsórios está mais ligada a fatores estruturais. Pode reduzir spreads bancários, mas pouco: seu peso na margem bruta dos bancos é pequeno; e, no caso dos depósitos a prazo, os compulsórios são remunerados. Pode também ampliar a competição, via fortalecimento dos bancos menores.

Há questões práticas para dificultar a liberação de R$ 100 bilhões em compulsórios do dia para a noite.

Pelo atual sistema de gerenciamento de liquidez usado pelo BC, os compulsórios liberados vão representar um aumento da dívida bruta (os R$ 16,1 bilhões já terão esse efeito). O BC libera o compulsório com uma mão e, como outra, enxuga a liquidez, por meio de operações compromissadas. Essas operações compromissadas (R$ 1,3 trilhão) são contabilizadas na dívida bruta, ao contrário dos compulsórios.

Para evitar esses efeitos, o Banco Central coloca a aprovação no Congresso da proposta da autonomia à autoridade monetária como refém. Ela contém um dispositivo para, finalmente, criar os depósitos voluntários para o gerenciamento de liquidez. Substituiriam as operações compromissadas e diminuiriam a dívida bruta!

Outro problema com a liberação maciça de compulsórios é representar uma baixa em um dos principais colchões do sistema para resolver crises de liquidez. Os altos compulsórios foram muitos úteis, por exemplo, na crise financeira mundial de 2008. Assim, de forma prudente, o BC cortou os compulsórios sobre depósitos a prazo, na semana passada, apenas para recolocá-los nos níveis de antes de 2008.

A regulamentação de Basileia 3 criou outros indicadores de liquidez possíveis de substituir o colchão formado pelos compulsórios, mas para o sistema funcionar a contento no Brasil é preciso resgatar as linhas de assistência de liquidez. O projeto de autonomia do BC dá condições legais para a autoridade monetária voltar a fazer operações de redesconto. O passo seguinte é desenhar um sistema operacionalmente eficiente.

Na política cambial, um discurso do diretor de Política Monetária do BC, Bruno Serra Fernandes, causou ruídos no mercado. Ele se referia a aspectos operacionais da intervenção no câmbio, reforçando a mensagem de a autoridade monetária não ter preconceito em usar todos os instrumentos, incluindo venda de dólar à vista e no mercado futuro e empréstimos em dólar.

Alguns operadores entenderam a intenção ser a redução do estoque de swaps cambiais. O mal-entendido foi desfeito com declarações do presidente do BC, Roberto Campos Neto: continuará a ofertar swaps cambiais se houver demanda. O BC anunciou ainda que vai rolar integralmente o vencimento de swaps cambiais de 1o de agosto. Este é um custo elevado para os encargos financeiros e, portanto, para o déficit nominal.

Nesse caso, além do ajustes mais corriqueiros na forma de o BC intervir no mercado, há também um diagnóstico estrutural desse mercado apresentar imperfeições ligadas à falta de conversibilidade da moeda. A taxa de câmbio é formada no mercado futuro, com mais participantes, e há uma conexão imperfeita com o mercado à vista, com uma base mais restrita de atores. A falta de conversibilidade ajuda a explicar por que, às vezes, o cupom cambial sobe muito.

Um estudo divulgado pelo BC no seu Relatório de Economia Bancária mostra o spread cambial no mercado primário de câmbio (diferença entre a taxa de câmbio cobrada pelas instituições financeiras de empresas e indivíduos e a taxa de câmbio do interbancário medida pela Ptax) vir aumentando, passando de 0,4% para 0,9% de 2005 a 2018, nas operações sem a intermediação de corretoras.

São custos altos arcados pela economia, de exportadores a investidores. O BC ainda não deu detalhes, mas pretende incluir mais participantes no mercado. Em um mercado onde a moeda é conversível, não há sequer a necessidade de autorização específica para realização de operações de câmbio.

Resolução do Problema da Dívida Bruta: Trocar Operações Compromissadas por Depósitos Voluntários dos Bancos no BCB publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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