sexta-feira, 5 de julho de 2019

Ajuste Estrutural para sair da Semiestagnação (por LCBP)

Luiz Carlos Bresser-Pereira (Valor, 08/04/19) afirma: “desde 2007, quando foi publicado meu livro “Macroeconomia da Estagnação”, venho afirmando que a economia brasileira está semiestagnada desde 1980. Enquanto crescia 4,5% ao ano, entre 1950 e 1980. Desde 1980 cresce menos que 1% ao ano.

A direita não gosta de ouvir isto porque esteve no governo entre 1990 e 2002 (exceto 1993-1994), e desde 2016. A esquerda, também, porque governou entre 2003 e 2015. Em nenhum desses períodos o desenvolvimento econômico foi realmente retomado. Há algum tempo, Edmar Bacha reconheceu a semiestagnação. Foi um avanço. Agora leio no Valor de 14/3, um artigo de dois técnicos do Fundo Monetário Internacional (Antonio Spilimbergo e Krishna Srinivasan) que também reconhecem o fato. Ótimo. Mas para explicar o problema repetem o diagnóstico padrão da ortodoxia liberal: “faltam reformas”.

Um país deve estar permanentemente realizando reformas institucionais, mas é equivocado pensar que o Brasil não se desenvolve por falta de reformas. De que adiantaram a privatização, a abertura comercial e a abertura financeira dos anos 1990? Depois delas o Brasil continuou a não crescer. De que adiantou o equilíbrio fiscal entre 1999 e 2013? Nesse período o país, felizmente, apresentou um belo superavit primário, mas não cresceu a não ser quando houve o boom de commodities entre 2006 e 2010.

Aumento da produtividade ou o desenvolvimento econômico dependem de muitas coisas, mas dependem principalmente do investimento privado e do investimento público. Ora, a taxa de investimento caiu muito no Brasil, como podemos ver na tabela na qual comparamos três anos dos 1970s, depois que o “milagre” já acabara, com os últimos dois anos, depois de terminada a recessão. A queda aconteceu principalmente no investimento, mas isto não foi compensado pelo aumento do investimento privado, que também caiu.

Por que caiu o investimento público? Porque desde o início dos anos 1980 a poupança pública transformou-se em despoupança na medida em que as grandes empresas tiveram que ser socorridas pelo Estado no quadro da Crise da Dívida Externa, porque muitas empresas estatais foram privatizadas, e porque dois gastos aumentaram muito: um gasto necessário (o social, em educação e saúde), o outro, absurdo, os juros pagos pelo Estado.

Por que o investimento privado diminuiu ao invés de aumentar como deveria acontecer com as privatizações? Basicamente, porque, a partir dos anos 1990, a economia brasileira caiu na armadilha macroeconômica de taxa de juros alta e taxa de câmbio apreciada no longo prazo que desestimulou o investimento privado ao tornar não-competitivas muitas empresas.

A teoria econômica ensina que uma taxa de juros elevada desestimula os investimentos porque, dada uma taxa de lucro esperada, o aumento da taxa de juros diminui a “taxa de lucro do empresário” – a taxa de lucro esperada menos a taxa de juros. Dado isto, três perguntas se seguem:

Primeiro, por que, embora tenha baixado, a taxa de juros continua tão elevada no Brasil? Creio que as duas causas principais são,

  • primeiro, o equívoco de se incorrer em déficits em conta corrente para tentar crescer com poupança externa (um equívoco porque essa política aprecia a taxa de câmbio e desestimula os investimentos) e,
  • segundo, o poder político da coalizão de classes financeiro-rentista.

Segundo, por que a taxa de câmbio tende a ser apreciada e essa apreciação ocorre no longo prazo, por vários anos, apenas se depreciando nas crises financeiras? Porque as entradas de capitais atraídas por juros elevados aumentam a oferta de dólares e apreciam o real, e porque a abertura comercial e financeira de 1990-92 implicou o desmantelamento do mecanismo de neutralização da doença holandesa (que estava baseado em tarifas alfandegárias altas e subsídios às exportações de bens manufaturados) e a consequente apreciação cambial.

Terceiro, por que uma taxa de câmbio apreciada no longo prazo desestimula o investimento? Segundo o novo desenvolvimentismo, essencialmente porque diante de uma taxa de câmbio nessas condições as empresas bem administradas e com tecnologia atualizada perdem competitividade e não investem não obstante a demanda interna, ou a externa, ou ambas sejam efetivas as empresas não têm acesso a essa demanda. Se a taxa de câmbio fosse apenas volátil, mas estivesse sempre flutuando em torno do seu equilíbrio não haveria esse desestímulo. Mas, se por vários anos a taxa de câmbio permanece apreciada, as empresas fazem seus cálculos de investimento baseados nessa taxa de câmbio e não investem.

Para o país voltar a crescer, o Brasil precisa de um ajuste macroeconômico estrutural.

Primeiro, precisa reduzir a taxa de juros e a despesa com juros, para isto rejeitando a política de crescimento com poupança externa que aprecia a moeda nacional.

Segundo, precisa depreciar uma única vez e depois manter a taxa de juros flutuando em torno do equilíbrio competitivo. Para isto, além de deixar de procurar atrair capitais que apenas substituem a poupança interna pela externa; precisa neutralizar a doença holandesa.

Em consequência dessas duas políticas, o país deverá apresentar um pequeno superávit em conta-corrente que é compatível com uma taxa de câmbio competitiva. Um deficit em conta corrente não é.

No último ciclo cambial da economia brasileira (2002-2014), o real permaneceu fortemente apreciado entre 2007 e 2014. A grande recessão de 2014-2016 ajudou a baixar os juros e impediu que a taxa de câmbio voltasse a se apreciar fortemente depois da depreciação cambial de 2014. As empresas, porém, continuam a não investir, não tanto devido à armadilha de juros altos e câmbio apreciado (que estão próximos do equilíbrio competitivo), mas porque o governo não enfrentou a recessão com uma política contracíclica e porque falta confiança no governo.”

Ajuste Estrutural para sair da Semiestagnação (por LCBP) publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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