O regime de meta de inflação foi um avanço em relação à baboseira monetarista de seguir uma inexequível programação monetária, ou seja, estimular uma meta na oferta de moeda e, daí, achar atingir um controle da inflação via controle monetário geral. Substituiu o instrumento (meio) para atingir o mesmo objetivo (fim): prioridade total ao combate à inflação e não à retomada do crescimento, embora o contexto da economia brasileira (e mundial) tenha se alterado inteiramente, com a inflação deixando de ser o problema maior.
Mas, enfim, para mentes com apenas “2 neurônio” (sem S), é fácil entender a mecânica de gangorra: se subir a taxa de inflação, em seguida sobe mais a taxa de juros. Só.
Alex Ribeiro (Valor, 21/06/19) tenta analisar se há “ciência” nessa política monetária tosca sem nenhuma sofisticação.
Nas idas e vindas para escolher as metas de inflação nos últimos 20 anos, o Conselho Monetário Nacional (CMN) nunca se utilizou de estudos técnicos mais aprofundados para embasar as suas decisões, mostram os votos inéditos apreciados pelo colegiado, solicitados pelo Valor.
O principal argumento para reduzir as metas de inflação, ao longo do tempo, foi a convergência para os padrões adotados por economias emergentes como México e Chile. Em geral, quem ficou contra baixar o objetivo citou razões conjunturais, como altas internacionais de preços de commodities.
O CMN deverá estabelecer a meta de 2022. A expectativa é que o objetivo seja reduzido mais uma vez, dos 3,75% definidos para 2021 para 3,5%. Neste ano, o Banco Central persegue uma inflação de 4,25% e, para 2020, de 4%. O alvo da política monetária ficou em 4,5% entre 2005 e 2018.
O voto que estabeleceu as primeiras metas, apresentado ao Conselho Monetário Nacional em 1999 pelo então ministro da Fazenda, Pedro Malan, tem apenas duas páginas e se concentra em definir as regras mais gerais do novo regime, como a escolha do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) como o objetivo da política monetária. Na época, o governo discutiu com acadêmicos a melhor meta para o Brasil, mas esse debate não chegou aos votos do CMN.
Nenhuma linha do documento justifica o nível das metas, definidas em 8% para 1999, 6% para 2000 e 4% para 2001. Os documentos apresentados por Malan nos dois anos seguintes também não entram em detalhes sobre a escolha das metas de 2002, inicialmente definida em 3,75%, e de 2003, fixada em 3,25%.
Choques desfavoráveis ocorridos mais tarde – como o racionamento de energia elétrica e as incertezas sobre a primeira eleição de Lula – fizeram o Conselho Monetário ajustar as metas de 2003 e 2004 para, respectivamente, 8,5% e 5,5%.
Em geral, economistas concordam que a inflação impõe custos à economia, por isso as metas devem ser as menores possíveis. Mas há vários argumentos para defini-la acima de zero: falhas de mensuração dos índices de preços; risco de os juros caírem perto de zero e o Banco Central não ter munição parar tirar a economia de recessões; evitar deflações; e permitir que as firmas cortem salários reais para evitar a demissões.
Em países emergentes, outros pontos podem influenciar a decisão. Na Geórgia, por exemplo, os estudos técnicos para a escolha da meta de 3% envolveram estimativas da diferença entre a produtividade nos setores comercializáveis e não comercializáveis que levam a ajustes de preços relativos. No Brasil, alguns economistas argumentam que o país deve ter metas mais altas para corroer despesas e ajudar no ajuste fiscal.
No governo Lula, o ministro Antonio Palocci apresentou em 2003 voto para fixar a meta em 4,5% pela primeira vez, para 2005, e indicou um objetivo de longo prazo menos ambicioso do que o do período de Pedro Malan: “Considero apropriado como sendo em torno de 4%, dadas as características da economia brasileira”.
Palocci não elabora, porém, por que o Brasil teria que conviver com uma inflação mais alta do que considerava o ministro anterior. Em um outro voto, de 2004, ele modifica sua visão, indicando que a meta poderia ser ainda menor que 4%, sem citar um percentual.
Nas suas justificativas, Palocci cita a experiência internacional. Diz que países que haviam escolhido como objetivo central 4,5% eram aqueles que haviam adotado o regime de metas depois do Brasil, como África do Sul, Colômbia e Filipinas. “Entretanto, não é justificável que a meta de longo prazo seja significativamente diferente da de outras economias emergentes”, diz o voto. “Por exemplo, no México e Chile, as metas correntes são dadas pelo intervalo de 2% a 4%.”
O uso do México e Chile como referência internacional para países emergentes, porém, não deixa de ser uma escolha discricionária. Há grupos de países que adotam tanto metas mais altas quando aqueles com objetivos menores.
Atualmente, são pelo menos oito países emergentes com uma meta de inflação de 3%. Enquanto isso, existem pelo menos cinco países com meta de 4%, incluindo Rússia e Índia. Outros quatro países adotam meta de 5%, entre eles a Turquia, que entrou no regime em 2006.
Há, ainda, emergentes com metas mais ambiciosas. Tailândia, Romênia e Polônia têm metas de 2,5%. O Peru e alguns países do Leste Europeu, 2%.
De fato, Colômbia e Filipinas, citados nos votos de Palocci, desde então reduziram sua meta de 4,5% para 3%, o que pode ser um indicativo de que ao longo do tempo os emergentes caminham para índices de inflação menores. Também citada por Palocci, a África do Sul, porém, adota até hoje como meta a faixa entre 3% e 6%. Na equipe econômica atual, o argumento é que África do Sul, Turquia, Rússia e Índia não seriam bons exemplos de sólida gestão macroeconômica.
Em 2007, o governo chegou a debater a redução da meta para 4,25%, aproveitando a queda de inflação a apenas 3,1% ocorrida em 2006, mas essa discussão não chegou ao voto do ministro Guido Mantega. Ele defendeu, no documento, manter o objetivo em 4,5%. Sua vitória foi um dos marcos da guinada desenvolvimentista do governo Lula.
Mas Mantega ponderou, no seu voto, que a definição da meta em 4,5% não impediria que o Banco Central buscasse um objetivo ainda mais baixo, se as condições macroeconômicas permitissem. “O CMN entende que as metas de inflação de 2008 e 2009 devem ser vistas como uma transição em direção à meta de longo prazo, a qual julgo apropriado como sendo em torno de 4% dadas as características da economia brasileira.”
Ele não deu seguimento, no entanto, a esse plano de reduzir as metas nos anos seguintes, citando fatores conjunturais em cada reunião para mantê-las em 4,5%. “A recente alta das commodities demonstra que a probabilidade de choques relevantes de custos é bastante elevada, o que justifica a manutenção de uma margem relativamente elástica para a meta de inflação”, disse, em voto de 2008. Naquele período, o CMN definia metas de dois anos adiante, portanto dentro do raio de influência da ação mais imediata de política monetária.
Com o passar do tempo, Mantega passou a atacar, no seus votos, metas menores, mas sem embasamento de estudos que justificassem essa posição. “Metas restritivas e ambiciosas podem se revelar prejudiciais à administração da política monetária, como ocorreu entre 2001 e 2003, quando a inflação ficou acima do teto estabelecido pelo CMN com dois anos de antecedência.”
Quando Joaquim Levy assumiu o Ministério da Fazenda, em 2015, ele deu o primeiro passo para retomar a estratégia de baixa das metas, dando um primeiro passo com a redução do intervalo de tolerância, de 2 pontos percentuais para 1,5 ponto. “A alteração do intervalo de tolerância, ora proposta, representaria a retomada da estratégia de transição, no médio prazo para parâmetros mais compatíveis com o objetivo de estabilidade de preços”, disse, sem elaborar que percentual seria adequado.
O presidente Michel Temer editou um decreto em 2017 determinando que a meta de inflação fosse fixada com três anos de antecedência. “Essa extensão de horizonte permite uma maior separação entre a definição da meta para a inflação e a condução da política monetária”, disse em voto o ministro Henrique Meirelles.
Ele retomou o período de baixa das metas, com a justificativa de “reduzir gradualmente aos patamares mais próximos aos utilizados pelos demais praticantes do regime de metas”.
Ele argumentou que, com a redução das metas de inflação, os juros nominais poderiam ter uma queda “de igual ou até maior magnitude”. Mas seus votos não citam nenhum percentual como alvo final – se os 3% do Chile, 2,5% da Tailândia ou 2% do Peru.
Mitificação da Meta de Inflação publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário