segunda-feira, 15 de julho de 2019

Falta Esgoto, Água e Gás Encanado no País: Está um Lixo!

Bruno Villas Bôas e Alessandra Saraiva (Valor, 23/05/19) informam: mesmo ainda distante da universalização, o saneamento básico ficou estagnado no país no ano passado. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua divulgados pelo IBGE mostram que 72,4 milhões de brasileiros viviam em domicílios sem acesso à rede coletora de esgoto em 2018, resultado pior que no ano anterior (72,1 milhões). É uma população da França.

De acordo com a pesquisa, 66,3% dos domicílios brasileiros estavam diretamente conectados com a rede geral ou tinham fossa ligada à rede de coleta. No ano anterior, a proporção era de 66% – a diferença, de 0,3 ponto, é considerada estabilidade pelo instituto. A pesquisa não aprofundou, porém, se esse esgoto está sendo mais bem tratado ou se recebia tratamento melhor anteriormente.

A estagnação tem a ver com a falta de investimentos a partir de 2015, com a volta da Velha Matriz Neoliberal, quando a crise econômica começou. O setor depende de recursos públicos para expandir e o que vimos foi a falta de capacidade de investimento dos Estados. Eles tiveram perdas de receita e estão sem espaço de endividamento.

Além da estagnação no acesso à rede de esgoto, o levantamento mostra que a coleta de lixo não avançou. Cerca de 20 milhões de pessoas – 9,7% da população brasileira – viviam em residências sem serviço de coleta de lixo, estável na comparação ao ano anterior. Já a proporção de lares com água pela rede geral de distribuição está em 88,3%, mesmo nível do ano anterior.

Na Rocinha, uma das maiores favelas do país, o esgoto corre em valões a céu aberto até uma Unidade de Tratamento de Rios (UTR), mantida pela prefeitura do Rio. Morador da comunidade há 30 anos, o geógrafo Antonio Carlos Firmino, de 52 anos, convive com o cheiro de esgoto que corre entre as casas de alvenaria e multiplica o risco de doenças como a tuberculose.

“Não existe conexão da Cedae [companhia de águas e esgoto] até a casas. Parte dos moradores puxa canos dos troncos da companhia. É assim desde a década de 60, quando os moradores faziam mutirões”, disse Firmino, que integra um coletivo de moradores chamado Rocinha sem fronteira. “A comunidade pede há décadas investimentos na infraestrutura local.”

Localizada entre bairros ricos da Gávea e São Conrado, a Rocinha repete a desigualdade existente também entre as grandes regiões do país. Norte e Nordeste tinham as menores parcelas de famílias atendidas pelo serviço de esgoto (21,8% e 44,5%, respectivamente) e de coleta de lixo (70,8% e 69,6%). O Nordeste tinha a menor disponibilidade de água da rede geral (69,1%).

O IBGE não separou o saneamento por áreas urbanas e rurais. A pesquisa trouxe, porém, indicadores das regiões metropolitanas mostrando que a falta do serviço não é um desafio apenas rural. De 21 regiões metropolitanas acompanhadas, 13 tinham menos de 70% dos domicílios conectados à rede. Há casos mais extremos, como Teresina (11,3%), Natal (24,2%), Manaus (24,2%) e João Pessoa (54%).

Regiões metropolitanas do Sudeste têm os melhores indicadores de saneamento, embora o serviço também não seja universalizado. Em São Paulo, 93,3% dos moradores estão conectados à rede – esses 6,7% restantes equivalem a 1,4 milhão de pessoas. Na região metropolitana do Rio, 93% dos moradores tinha acesso à rede básica, o que exclui 861 mil pessoas, como moradores da Rocinha e de outras favelas.

Como ocorreu a partir de 2015 com indicadores sociais do IBGE, a série histórica sobre saneamento também foi interrompida. Pesquisas antigas do instituto apontam que a tendência era de melhora no passado. A proporção de domicílios com acesso à rede geral de esgoto passou de 33,5% em 2000 para 44% em 2008. Em 2015, teria chegado a 65,3%, quando estagnou.

Os indicadores ruins vêm num momento de debate sobre a Medida Provisória 868, a “MP do Saneamento”. A proposta institui novo marco legal no saneamento e propõe-se a incentivar a concorrência, a privatização de estatais e a segurança jurídica. A MP precisa ser aprovada até o dia 3 no Congresso para não “caducar”, mas a falta de articulação do governo torna o desfecho incerto.

Pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), o país tem até 2030 para universalizar o saneamento. Um revisão do Plansab está em curso e a versão preliminar do texto mantém essa meta. Em declaração recente, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Paulo Afonso Ferreira, afirmou que a falta de investimentos deve atrasar a universalização para 2060.

Para acelerar a universalização, a CNI defende a aprovação da MP 866. Segundo a entidade, o aumento da participação privada na gestão de companhias de água e esgoto é o instrumento mais viável para universalizar o saneamento. A MP, porém, enfrenta resistências, como a de governadores que consideram que a medida prejudica as companhias estaduais.

Para Roberval Tavares de Souza, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), o principal problema do novo marco é que ele coloca uma “faca no pescoço” dos prefeitos. Isso porque, com o marco, o prefeito que não aceitar os novos que transformam contratos de programa em contratos de concessão terá que operar os serviços pagando previamente os ativos não amortizados.

“Precisamos do capital privado no setor, mas o modelo que está se impondo vai gerar instabilidade política, vai afastar o capital privado”, diz Souza, para quem o setor precisa se tornar uma prioridade das esferas municipal, estadual e federal.

Os problemas do setor de saneamento não se resumem, porém, ao financiamento. Para Galvão, do Instituto Trata Brasil, mais favorável à MP, há também carência de gestão. Ele lembra que o Plansab previa a necessidade de R$ 508 bilhões para universalizar o saneamento no país – de água, esgoto, manejo e limpeza. Mesmo se esses recursos estivessem disponíveis, ele não acredita que a universalização teria sido alcançada.

“O próprio PAC demorou do ponto de vista da execução do investimento. São problemas de gestão que vêm dos projetos, do gerenciamento, do licenciamento. Isso faz com que o recurso não seja executado. E o problema não está apenas no prestador de serviços, mas também nos reguladores. Existem 70 agências reguladores do setor, entre estaduais e municipais”, disse Galvão.

O país vem reduzindo o investimento em saneamento, assim como segue aplicando de maneira desigual entre as regiões, conforme estudo da CNI obtido pelo Valor. O Sudeste, que registra o índice mais alto de coleta de esgoto, investe R$ 65,63 por habitante. Já o Norte, que tem indicadores piores, investe apenas R$ 25,44. Os investimentos per capita em saneamento no Brasil como um todo somaram R$ 52,53 naquele ano.

O setor vive uma expectativas em torno da privatização das companhias estatais. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) concluiu estudos de modelagem para, ao menos, seis companhias estaduais. Recentemente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu que o “S” do BNDES seja de saneamento.

O uso de carvão (ou lenha) e da eletricidade para cozinhar alimentos cresceu fortemente nos lares do país entre 2016 e 2018, mesmo período quando dispararam o desemprego e o preço do gás de cozinha, segundo a pesquisa domiciliar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O número de domicílios que usava carvão ou lenha para cozinhar cresceu 27% em dois anos, para 14 milhões de lares. São 3 milhões a mais em apenas dois anos. Do total de domicílios do país, 21,8% usavam esse tipo de energia – ou seja, um em cada cinco domicílios do país.

Já o total de domicílios que usam energia elétrica para preparação de alimentos chegou a 37,9 milhões, crescimento de 72% de 2016 a 2018. O uso de bens como micro-ondas, fogão e fritadeiras elétricas era uma opção, pela primeira vez, em mais da metade (53,5%) dos lares do país.

Parte do movimento está ligada à busca de fonte mais barata de energia na cozinha. Mas uma parcela significativa do movimento também tem ver com a maior compreensão das famílias, a cada ano, de que a eletricidade é um insumo quando, por exemplo, usam micro-ondas – e passam a informar isso aos agentes do IBGE.

A pesquisa não detalha, porém, a renda das famílias que passaram a informar usar carvão como fonte de energia para cozinhar. O levantamento mostra, porém, que crescimento do uso foi maior em unidades da federação mais ricas como Distrito Federal (136%) e São Paulo (152%) do que em pobres como Alagoas (13%) e Maranhão (18%).

Segundo o IBGE, o gás de botijão ficou 24% mais caro de 2016 a 2018. O gás encanado, por sua vez, avançou 27% no período. Os números referem-se ao IPCA, que mede a inflação das famílias com renda de um a 40 salários mínimos. Os reajustes foram mais intensos em 2017. Em 2019, as variações têm sido moderadas.

Foi em junho de 2017 que a Petrobras aprovou uma nova política de reajuste de preços para a comercialização às distribuidoras do Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) comercializado em botijões de até 13 kg. O objetivo era pôr fim a anos de subsídio.

Além dessa nova política, os últimos anos foram marcados pela perda de empregos e lenta recuperação do mercado de trabalho. No fim do ano passado, o país tinha 12,1 milhões de pessoas procurando emprego no país, dos quais 3,6 milhões na região Nordeste, a mais pobre.

Apesar dos reajustes, o gás de botijão e encanado segue como a principal fonte de energia para a preparação de alimentos no país, presente em 98,2% dos domicílios. Esse uso era superior a 95% em todos os Estados do país.

Falta Esgoto, Água e Gás Encanado no País: Está um Lixo! publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



Nenhum comentário:

Postar um comentário