Daniela Chiaretti (Valor, 25/06/19) informa: em 30 anos a floresta amazônica poderá estar dividida e com mais da metade das espécies de árvores ameaçada de extinção. A diagonal que dividirá o maior bloco de floresta tropical do mundo em uma parte ainda contínua, e outra completamente fragmentada, pode ser o resultado do desmatamento combinado ao impacto da mudança climática sobre a Amazônia.
O aquecimento global combinado ao desmatamento pode significar perda na riqueza de espécies de árvores de 58%, até 2050, no cenário pessimista, e de 43%, no otimista. O desmatamento sozinho, se continuar no ritmo atual, causaria uma redução entre 19% e 33%. O efeito da mudança do clima global na floresta é mais devastador – causaria redução nas espécies de árvores entre 47% e 53%.
Esses resultados alarmantes são algumas conclusões de estudo publicado ontem na “Nature Climate Change” por três pesquisadores brasileiros e um holandês.
O grupo estudou a distribuição original de cada uma das 10.071 espécies de árvores amazônicas conhecidas. O número médio de espécies em área de 10 km2 seria de cerca de 1.500 espécies. Ali, onde as espécies estão confortáveis, coletaram informações de precipitação e temperatura. Depois cruzaram estes mapas com modelos climáticos e de desmatamento que fazem projeções para 2050.
“O que poderemos chamar de Amazônia no futuro é alarmante, segundo nossos resultados no cenário mais pessimista”, diz o autor do estudo Vitor Gomes. A análise foi capítulo central de sua tese de doutorado, defendida em novembro na Universidade Federal do Pará, em Belém.
A intenção do grupo era avaliar o impacto do clima e do desmatamento sobre a biodiversidade em todo o bioma amazônico, com foco nas árvores. “O que temos visto é o processo de degradação da floresta aumentando”, continua.
“Chegamos a um mapa chocante, com a floresta dividida ao meio”, diz Ima Vieira, coautora do artigo e pesquisadora do Museu Goeldi, em Belém.
Os pesquisadores usaram as projeções do Painel Intergovernamental das Nações Unidas (IPCC, na sigla em inglês), para 2050, projetando o que aconteceria com a Amazônia em dois cenários. Um deles, o mais pessimista, segue as tendências atuais, quando nenhum esforço de melhorar a governança é feito e a temperatura aumenta 4°C. O outro cenário é mais otimista, segue o que está no Acordo de Paris e o aquecimento não ultrapassa 2°C.
Ainda, usaram mapas e modelos de desmatamento do professor Britaldo Soares, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ali consideram-se taxas históricas de desmatamento, mapas produzidos a partir de imagens de satélites, abertura e pavimentação de estradas na Amazônia e a efetividade de proteção da floresta gerada pela existência de unidades de conservação e terras indígenas.
O estudo não projeta a ameaça que a Amazônia sofre por conta da eventual aprovação do Projeto de Lei 2362/2019, dos senadores Flavio Bolsonaro (PSL/RJ) e Marcio Bittar (MDB/AC) e que propõe o fim da reserva legal nas propriedades rurais.
Se isso acontecer, perto de 89 milhões de hectares poderão ser diretamente ameaçados pelo desmatamento na Amazônia. Já ficamos impressionados com os resultados deste estudo, imagine o que pode acontecer com esse nível de retrocesso ambiental.
As espécies predominantes na Amazônia podem sofrer muito! O estudo examinou o que poderia ocorrer com as espécies consideradas “hiperdominantes” – e que são 227. No futuro, estima-se 96% delas serão impactadas e estarão ameaçadas de extinção.
Uma rede de áreas protegidas na Amazônia pode ter papel fundamental na redução das perdas. Mesmo que estas áreas não sejam imunes à mudança climática, nossos modelos indicam que as florestas fora da rede de áreas protegidas podem perder até um terço a mais de espécies.
Para os pesquisadores, o cenário mais pessimista está se tornando mais realista com o desmatamento na Amazônia em crescimento e os esforços globais para limitar o aquecimento, insuficientes.
Camila Souza Ramos (Valor, 27/06/19) informa: pela primeira vez, as maiores tradings de soja do mundo, incluindo as “ABCD”, a chinesa Cofco e a americana Glencore, apresentaram dados sobre sua atuação nos 25 municípios do bioma Cerrado que mais sofreram com a expansão do cultivo de soja em áreas de vegetação nativa desde 2014. De acordo com dados de relatório divulgado pelo Soft Commodities Fórum (SCF) neste mês, o grão adquirido por essas companhias nesse conjunto de municípios em 2017 resultou do desmatamento de 90,2 mil hectares.
Quase toda essa área desmatada (88,5 mil hectares) está na região de Matopiba – confluência entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Dos 25 municípios considerados “críticos” quanto ao desmatamento do Cerrado provocado pela soja, 23 estão em um desses Estados. A produção de soja do Matopiba representa 12% da safra nacional, enquanto a do Mato Grosso, onde estão os outros dois municípios do grupo, responde por 25%. Mato Grosso, porém, é uma fronteira agrícola consolidada há mais tempo que o Matopiba, por isso menos municípios do Estado apresentaram desmatamentos críticos desde 2014, uma vez que o avanço da soja foi anterior.
Os municípios selecionados estão totalmente inseridos no bioma Cerrado, e neles o plantio de soja supera 5 mil hectares. Foi onde o cultivo do grão mais avançou sobre áreas de vegetação nativa após 2014, segundo dados da Agrosatélite e do PRODES, e onde há maior combinação de áreas de conversão para soja e presença das tradings pertencentes ao SCF. O Soft Commodities Fórum é uma plataforma ligada ao Conselho Empresarial Global para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD). Seus participantes – as americanas ADM, Bunge e Cargill, a francesa Louis Dreyfus Company, Glencore e Cofco – também compõem o Grupo de Trabalho do Cerrado (GTC).
O município em que, proporcionalmente, a expansão da área de soja em 2017 mais se deu sobre regiões que tinham vegetação nativa foi Mirador (BA), onde 30% da área plantada com a oleaginosa naquele ano se deu após desmatamento. Também se destacam as cidades de Pium (TO), Goiatins (TO) e Carolina (MA), nas quais a retirada de vegetação do Cerrado respondeu por 27%, 20% e 19% da área plantada com soja naquele ano, respectivamente.
No Matopiba, Tocantins tem a maior concentração de municípios considerados críticos no que se refere ao plantio de soja em áreas desmatadas. Dos 25 municípios, dez estão em território tocantinense. Dos demais, cinco estão na Bahia, quatro no Maranhão e quatro no Piauí.
Apesar de o Matopiba concentrar as áreas onde mais a soja está associada ao desmatamento do Cerrado, a retirada de vegetação nativa representou, na média dessas 25 cidades, apenas 4% da área plantada com o grão em 2017. Naquele ano, o cultivo alcançou 2,4 milhões de hectares. Ficaram abaixo dessa média sobretudo as cidades baianas do Matopiba: Formosa do Rio Preto, Correntina, Riachão das Neves, Jaborandi e São Desidério, além de Campos de Júlio (MT) e Ribeiro Gonçalves (PI).
Cada trading divulgou o peso desses 25 municípios no volume de soja adquirido no Cerrado e o quanto da soja que compra no Brasil vem do bioma. A Bunge é a que mais originou soja nesses 25 municípios dentro do volume total adquirido no país. Do montante originado em 2017 (direta e indiretamente), 15% veio dessas cidades. Em seguida ficaram Cargill (9%), ADM (7%), Cofco e Glencore (5%) e LDC (0,3%).
Dessas companhias, as únicas que informaram até o momento que estão direcionando recursos para ações contra o desmatamento foram Bunge e Cargill. A primeira lançou em 2018 um fundo de US$ 50 milhões em parceira com o Santander e a ONG The Nature Conservancy para financiar a expansão da soja sem desmatamento. No início do mês, a Cargill anunciou um fundo de US$ 30 milhões com o mesmo propósito.
Os dados do relatório compõem a primeira fotografia sobre a atuação das tradings nas regiões do Cerrado mais afetadas pelo desmatamento. A partir de agora, as companhias deverão divulgar números atualizados sobre esses 25 municípios a cada seis meses e em outras cidades que forem identificadas como prioridade.
Desmatamento da Amazônia: Crime Ambiental do Clã Bolsonaro publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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