domingo, 7 de julho de 2019

Corrupção

Lílian Moritz Schwarcz, no livro “Sobre o autoritarismo brasileiro”, avalia: se o patrimonialismo é o primeiro inimigo da República, o segundo principal adversário atende pelo nome de corrupção. Trata-se de uma prática capaz de degradar a confiança de uns nos outros e desagregar o espaço público, desviando recursos e direitos dos cidadãos. Não por coincidência, ela se encontra, muitas vezes, associada ao mau trato do dinheiro público, ocasionando o descontrole das políticas governamentais.

Ao longo do tempo, a corrupção ganhou vários nomes, que, no entanto, guardaram uma compreensão comum, representando o ato de “transgredir”, no sentido de “desrespeitar, violar e infringir as mais diversas áreas de atuação”.

Etimologicamente, a palavra provém do latim corruptio, significando o “ato de quebrar em pedaços”; isto é, de “deteriorar ou decompor algo”. Na gestão do Estado, a corrupção remete ao ato de conceder ou receber vantagens indevidas ou de agentes públicos ou do setor privado, com o intuito de obter vantagens. De tão espraiada no Brasil, a corrupção acabou tomando parte, fundamental, do mundo da política, mas está igualmente presente nas relações humanas e pessoais.

A história e o tempo têm, entretanto, o poder de deslocar e agregar sentidos. O termo “propina”, por exemplo, hoje significa “recurso oferecido de forma ilícita a alguém ou a uma instituição”. Porém, surgiu vinculado ao mundo das bibliotecas e com um sentido basicamente distinto. Em Portugal, com a criação da Biblioteca Pública em 1797, o conceito de “propina” remetia ao costume de retirar um exemplar de cada edição nacional para que ficasse guardado na instituição.

Nada havia de ilegal na atividade, que tampouco intentava satisfazer interesses individuais. Ao contrário, a propina tinha como objetivo preservar a memória editorial de modo a garantir que os acervos públicos preservassem exemplares de todas as publicações do país. Lembrava, de toda maneira, o ato de receber “contribuições”, em exemplares, dos vários editores ou livreiros.

No entanto, nesse meio-tempo o próprio uso popular do termo levou-o a ser crescentemente associado ao ato de gratificar alguém de maneira extra e incorreta por um serviço regularmente executado. Por isso, “propina” virou sinônimo de “suborno”; um valor monetário pago ou obtido para receber ou distribuir vantagens, em boa parte ilegais, sobretudo no âmbito da administração pública. A corrupção é o crime — o ato de oferecer vantagem indevida a agente público — enquanto o suborno ou a propina correspondem à vantagem ou paga “oferecida ou recebida.

O suborno pode ser tanto “ativo”, quando um indivíduo oferece diretamente dinheiro a um funcionário de instituição pública para ganhar benefícios próprios ou a terceiros, como “passivo”, quando um agente público pede dinheiro a alguém em troca de facilitações pessoais.

O ato de corrupção também pode envolver diferentes setores sociais, sendo todos os incluídos na operação considerados igualmente criminosos. O “corruptor” é quem propõe uma ação ilegal para benefício próprio, de amigos ou familiares, e pratica o ato consciente de que está infringindo a lei. Já o “corrompido” ou “corrupto” é quem aceita a execução de uma ação ilegal em troca de dinheiro, presentes ou outros serviços capazes de o beneficiarem pessoalmente. Há ainda a figura do “conivente”, que é o sujeito que toma conhecimento do ato de corrupção, mas nada faz no sentido de evitá-lo.

Assuma qualquer forma, o certo é a corrupção levar ao desvirtuamento dos costumes, tornando-os imorais e antiéticos. Suas decorrências não incidem apenas nas esferas privadas. Acabam por afetar, diretamente, o bem-estar dos cidadãos. O efeito é de causa e consequência.

Os gastos destinados ao enriquecimento privado reduzem recursos e investimentos públicos na saúde, educação, segurança, habitação, transporte ou em programas sociais e de infraestrutura. A corrupção também fere a Constituição em outro ponto, ampliando a desigualdade econômica.

A corrupção se manifesta em qualquer época histórica, mas seu significado é amplo, pode variar muito, e não existe uma linha única de continuidade. Não obstante, a corrupção, hoje a assolar a política nacional, tem indignado os brasileiros, faz parte, em maior ou menor escala, do cotidiano do país desde os tempos do Brasil colônia. Por isso, estratagemas usados pelas elites coloniais lembram, de forma direta ou mais distante, as várias práticas ilícitas perpetradas por alguns de nossos governantes atuais.

Corrupção publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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