quinta-feira, 4 de julho de 2019

China Desenvolvida com Alavancagem Financeira X Brasil Decadente com Desalavancagem Financeira

O debate econômico apresentado na imprensa brasileira é parcial, porque apresenta apenas um viés ortodoxo (“Economia da Confiança”), segregando o ponto de vista heterodoxo. A consequência pior da ausência de pluralismo não é só a discriminação contra a vanguarda teórica, mas também levar a erros, tanto dos empresários na análise de contextos, cenários e alternativas, quanto de eleitores na hora do voto. Ambos mal-informados cometem muita burrice, por exemplo, terem acreditado no mito neoliberal encarnado no “Posto Ipiranga”.

Agora, outro mito está se propagando com a louvação do mercado de capitais e a demonização dos bancos públicos, em particular o BNDES. Confira a diferença de perspectiva entre o capitalismo de compadrio no Brasil e o capitalismo de Estado na China.

Claudia Safatle (Valor, 21/06/19) avalia haver boas e más notícias sobre a possibilidade de expansão dos investimentos do setor privado no país. Esta será a base da retomada do crescimento econômico em algum momento no futuro. Esmiuçando os dados dos balanços de 319 grandes companhias de capital aberto não financeiras, identifica-se:

  1. acentuada queda do nível de endividamento,
  2. aumento da rentabilidade e
  3. redução do custo de capital.

Ao mesmo tempo há uma “revolução” em curso no financiamento das empresas. De 2005 para cá 1.369 novas companhias, na maioria (62,8%) fechadas, entraram no mercado de dívidas corporativas.

A situação das pequenas e médias empresas, porém, contrasta frontalmente com a das grandes, o que é um fator negativo. Em dezembro de 2017, havia 4,937 milhões de pequenas e médias empresas inadimplentes. No ano passado esse número já era de 5,305 milhões.

Duas importantes variáveis na decisão de investir são:

  1. se a taxa de retorno do capital investido é maior do que o custo do capital; e
  2. qual é a expectativa de crescimento do PIB.

A resposta à primeira questão é positiva. Quanto ao aumento da demanda por causa de uma melhor expectativa de crescimento, a resposta já não é tão óbvia. Tem sido sistemática a queda nos prognósticos de expansão do PIB por:

  1. queda de confiança,
  2. alto grau de incerteza e
  3. elevada capacidade ociosa.

Esse quadro pode estar deteriorando as finanças das empresas nos últimos seis meses. Ao contrário do setor público, não é por excesso de dívidas que as empresas privadas de grande porte não estão aumentando os seus investimentos. [Este diagnóstico do CEMEC é oposto ao do IEDI.]

Segundo estudo apresentados pelo economista Carlos Antonio Rocca, diretor do Centro de Estudos do Ibmec (Cemec), em recente debate na Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a dívida bruta sobre patrimônio líquido (alavancagem) das companhias abertas (inclusive Petrobras, Eletrobras e Vale) caiu de 1,43 para 0,92 entre 2015 e 2018. Desconsiderando as três empresas gigantes, a queda foi de 1,35 para 0,95 em igual período.

O lucro líquido das companhias abertas chegou ao pico de 3,48% do PIB em 2010. Mas caiu para menos 1,07% do PIB em 2015 e encerrou 2018 equivalente a 2,43% do PIB. Excluindo os três grupos citados acima, o lucro líquido atingiu 1,71% do PIB em 2010, caiu para menos 0,2% do PIB em 2015 e subiu para 1,47% do PIB em 2018.

Rocca expôs, também, indicadores sobre as emissões de dívidas corporativas. Ele afirma elas terem mais do que compensado a retração do BNDES nos últimos anos, com o corte do crédito direcionado. Nos 12 meses encerrados em março as emissões de ações e de dívida corporativa captaram R$ 220,4 bilhões, cifra 379,7% superior aos desembolsos de R$ 58 bilhões do BNDES em igual período e mais do que o banco liberou no auge da expansão da sua carteira de empréstimos. Mas a conta correta não é esta, mas sim comparada com o total financiado a cada ano, tanto pelo BNDES, quanto pelo mercado de capitais, até o auge do ciclo de endividamento em 2014.

Nos dois últimos anos, a dívida corporativa foi a grande fonte de financiamento das empresas, sobretudo para capital de giro.

Quando o crédito em geral teve uma contração de R$ 104 bilhões, em 2017, as emissões das companhias somaram pouco mais de R$ 62 bilhões. No ano seguinte, a expansão do crédito foi modesta, R$ 23,47 bilhões, comparada à captação de R$ 73,2 bilhões em papéis corporativos com juros mais baixas e prazos mais longos.

Esse é um primeiro passo em direção à auto validação do desejo ideológico: o economista antevê como sendo uma “revolução” no financiamento das empresas no país. Ele pressupõe ter uma grande transformação também com as inovações tecnológicas e regulatórias, da duplicata eletrônica ao open banking.

O que deve retirar a economia do estado de letargia onde se encontra é o investimento privado em infraestrutura. Não há qualquer esperança, no horizonte visível, de uma expansão dos investimentos públicos por absoluta falência do Estado brasileiro, mesmo com a aprovação da reforma da Previdência. Basta ver “a boca de jacaré aberta” no quadro acima. Ele mostra o aumento brutal da dívida bruta do setor público ao tempo em que o setor privado encolhia seu endividamento.

Na realidade, de maneira similar à crise da dívida externa no início dos anos 80, o setor público se endivida para apoiar ou salvar o setor privado. Depois, fica com “o mico”: uma grande dívida pública, cujo ônus de resgate com um equivocado ajuste fiscal e programa privatização do patrimônio público é socializado por toda a população. O bônus é privado, lógico!

O investimento público teve queda de 55% entre 2013 e 2018, quando saiu de 2,7% do PIB para 1,2% do PIB. O investimento privado caiu 25%, de 19% do PIB para 14,2% do PIB. Hoje, o investimento privado é responsável por 92% do investimento total.

Um dado impressionante do trabalho de Rocca refere-se ao financiamento da dívida pública. Como uma draga, consome 75,1% de toda a captação de depósitos do sistema bancário.

Outros componentes da demanda agregada são o consumo privado e as exportações. Com o desemprego de mais de 13 milhões de brasileiros e as famílias ainda endividadas, é muito difícil se imaginar um aumento relevante do consumo privado. A liberação de parte das contas ativas do FGTS e do PIS/Pasep como prometido pelo governo será, segundo o economista, “uma gota d’água no oceano”.

As exportações podem trazer algum benefício da guerra comercial entre chineses e americanos. Ele faz lobby: a efetiva devolução dos créditos fiscais acumulados pelos exportadores faria uma enorme diferença.

Outra perspectiva tem a China. A dívida total da China, do setor público e privado, alcançou novo recorde, em relação à economia do país. Isso levanta temores para os estúpidos analistas neoliberais do Capitalismo de Estado: a pressão por novos incentivos promovida por Pequim poderia expandi-la ainda mais.

A relação dívida sobre Produto Interno Bruto (PIB), excetuando-se o setor financeiro, somava 248,8% no fim de março de 2019, segundo estudo de dois institutos de pesquisa do governo. Esse número supera em 5,1 pontos percentuais o nível computado no fim de dezembro de 2018.

O aumento é resultado do valor recorde de 6,3 trilhões de yuans (US$ 910 bilhões) distribuídos pelos bancos na China no primeiro trimestre deste ano.

“De janeiro a março, a economia foi bem, mas esse não foi um almoço grátis”, disse Zhang Xiaojing, economista-sênior da Academia Chinesa de Ciências Sociais, ao apresentar os números. “A alta na taxa de endividamento era mais do que prevista.”

A última vez quando a relação dívida/PIB subiu 5 pontos foi no primeiro trimestre de 2016. Naquela época, o governo autorizou a concessão de mais empréstimos em reação à turbulência do mercado na época.

No início de 2012, a relação dívida/PIB da China subia ao ritmo anual de dez a 20 pontos percentuais, até Pequim pressionar pela desalavancagem dos governos regionais (provinciais e municipais) e das empresas, a partir de 2017. Desde o fim de setembro desse ano, a relação dívida/PIB girava sempre em torno de 245%.

A relação dívida/PIB do setor corporativo alcançou 156,9% em março, um patamar 3,3 pontos percentuais superior ao do fim do ano passado. As empresas estatais respondem por 68% dessa dívida, parcela crescente quase sistematicamente nos últimos dois anos, o que indica que pouco dinheiro vai para as empresas privadas.

Metade da dívida das estatais foi contraída de veículos de financiamento municipais e provinciais, abertos por governos regionais para levantar recursos para a infraestrutura. Isso significa um terço da dívida dessas empresas ter sido canalizado para governos provinciais ou municipais. E a elevação da relação de endividamento da China tende a persistir.

O Conselho de Ministros (o Gabinete de governo da China), junto com a Secretaria-Geral do Partido Comunista, emitiu um comunicado no qual relaxava as restrições à captação de recursos pelos governos provinciais e municipais. A medida ocorreu em resposta à lentidão dos projetos de construção devido à falta de recursos dos governos regionais. Apesar de o governo central ter autorizado a implementação de mais projetos sob o programa de incentivos criado para atenuar o impacto da guerra comercial dos EUA, os investimentos em infraestrutura aumentaram apenas 4% entre janeiro e abril, em comparação com igual período do ano passado.

Os governos locais tinham de cobrir de 20% a 40% dos custos de construção antecipadamente, mas os 2 trilhões de yuans em cortes de impostos incluídos no programa de incentivo esgotaram a receita disponível a esses governos. As novas regras permitem agora governos municipais e provinciais financiarem os 20% a 40% necessários com títulos, emitidos para a construção de estradas, ferrovias de alta velocidade, centrais de geração de energia elétrica ou abastecimento de gás.

Pequim também está estimulando bancos e seguradoras a financiar projetos de infraestrutura lucrativos. A cota de títulos para finalidades especiais está fixada em 2,15 trilhões de yuans neste ano, uma alta de 800 bilhões de yuans em relação a 2018. Mas isso não basta para cobrir o total do investimento em infraestrutura, que pode alcançar 14 trilhões de yuans.

No dia 10 de junho, Pequim emitiu um aviso que, na prática, autoriza os governos locais a tomar empréstimos fora de seus balanços, uma prática normalmente sujeita a uma rígida regulação. Projetos suspensos ainda incompletos após a descoberta de dívidas ocultas serão autorizados a tomar empréstimos dos bancos se o saldo de endividamento não se elevar.

A campanha de desalavancagem da China, iniciada em 2017, foi extraoficialmente suspensa após a falência de muitas empresas privadas em virtude do aperto nas condições de crédito no ano passado. O aviso do governo chinês representa uma guinada em direção à expansão do endividamento.

Pequim embarcou em vários projetos lucrativos de infraestrutura após a crise financeira global de 2008, mas a maioria deles está concluída. A maior parte dos projetos restantes tem um potencial questionável de ganhos, e muitos são totalmente financiados por títulos de dívida. Esses projetos geram estabilidade de emprego no curto prazo, mas a dívida de longo prazo da China corre o risco de se agravar, o que ameaça levar sua economia, a segunda maior do mundo, a um estado de paralisia.

China Desenvolvida com Alavancagem Financeira X Brasil Decadente com Desalavancagem Financeira publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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