terça-feira, 9 de julho de 2019

4a. Revolução Industrial: Atraso Brasileiro em Inovação Tecnológica

Vijay Gosula e Rafael Oliveira (Valor, 25/06/19) publicaram artigo sobre a Quarta Revolução Industrial. Reproduzo-o abaixo, seguido de um balanço do estado da arte tecnológica no Brasil.

“A chegada da quarta revolução industrial tem gerado questionamentos sobre a convivência de homens e robôs no ambiente de trabalho, em um futuro bem próximo. O potencial desta nova era em oferecer assertividade e velocidade no processo produtivo de modo que erros humanos e perdas na produção se tornem cada vez mais raros é surpreendente.

As tecnologias e ferramentas necessárias para aderir aos avanços da quarta revolução industrial, de fato, já temos. Mas quão próximos estamos dessa realidade?

Em nossa experiência no setor, vemos que os empresários brasileiros estão entusiasmados em relação aos temas de automação, internet das coisas e “advanced analytics” (análise avançada de dados).

Ponderam-se especialmente os benefícios dessas tecnologias para ganhos de competitividade. Uma pesquisa realizada pela McKinsey no ano passado com empresários brasileiros mostrou que 73% dos executivos de setores como automotivo, químico e de logística têm como prioridade a digitalização do negócio. O mesmo estudo aponta que 58% deles estão confiantes de que suas companhias avançaram na quarta revolução industrial na mesma medida que seus concorrentes. Somente 10% acham que estão atrasados e 32% acreditam estar à frente da concorrência.

Apesar disso, a implementação dessas soluções tem avançado a passos lentos.

No Brasil, enfrentamos desafios particulares. O custo de infraestrutura e maquinário é mais elevado aqui em comparação com Estados Unidos e Alemanha, por exemplo. Ao mesmo tempo, existe uma lacuna em habilidades que precisam ser construídas. Neste novo cenário, os profissionais devem interagir melhor com as máquinas, alavancando habilidades mais analíticas. Entender as informações geradas em tempo real pelos computadores e robôs será fundamental.

Além das habilidades técnicas, as companhias precisarão construir uma nova cultura de estímulo à inovação e à colaboração, uma vez que o trabalho já não será mais tão operacional como o conhecemos hoje. No Brasil, também temos menos referências de países como a China. Lá existem indústrias muito avançadas na digitalização e que podem servir de modelo para seus pares se modernizarem.

Uma fábrica de peças automotivas, instalada na China, percebeu que dados em tempo real e os insights de sua análise poderiam acelerar o processo de tomada de decisão. Durante uma situação crítica de alta demanda, ter essas tecnologias à mão contribuiu para que a fábrica conseguisse aumentar a produção nas áreas certas, garantindo a entrega e a satisfação do cliente. A empresa também tem investido na capacitação de seus engenheiros para que tenham domínio sobre análise de dados, de modo que o big data passe a apoiar toda a organização.

Outros exemplos se concentram especialmente na Europa. Um caso interessante é o de uma fábrica na República Tcheca em que todos os funcionários foram convidados a dar sua opinião sobre os problemas que a automação poderia resolver em suas tarefas. Como resultado, a companhia atualizou seus equipamentos com sensores e novos softwares, incluindo um sistema de controle de qualidade em tempo real. Em três anos, a produção aumentou 160% e o nível de satisfação do cliente, 116%.

Já um fabricante de eletrônicos decidiu ensinar novas habilidades aos seus funcionários antes mesmo das tecnologias de quarta geração serem entregues. O treinamento acontecia em um modelo completamente virtual da fábrica, em que os funcionários a percorriam com óculos 3D e podiam visualizar e praticar como seriam suas futuras atividades.

Quando olhamos para a adoção do 4.0 no Brasil, vemos que estamos presos no que chamamos de “purgatório piloto”. Algumas fábricas já rodam modelos para aumentar a conectividade, usam inteligência de dados e de maquinários mais digitais para resolver problemas específicos do negócio, porém, isso acontece de maneira isolada. Nossas pesquisas indicam que a Indústria 4.0 traz a oportunidade de aumentar o PIB em até 6% nos próximos dez anos se as soluções digitais e de automação forem amplamente utilizadas. Os números são reflexo dos ganhos expressivos de produtividade proporcionados por essas tecnologias.

Quando se olha a produtividade no país, estamos muito atrás de outros países emergentes. Nos últimos 20 anos, a produtividade do trabalhador brasileiro cresceu, em média, 1,3%, enquanto a do chinês avançou 8,8%, a do indiano 5% e a do chileno 3%.

Diminuir essa lacuna na produção nos oferece vastas oportunidades de ganhar competitividade. Não estamos falando somente das grandes indústrias. Fábricas de médio porte têm oportunidades igualmente interessantes de aproveitar esse momento.

É natural ter receio de alocar uma grande quantidade de capital em projetos nos quais ainda não é possível ter visibilidade dos resultados concretos. No entanto, vemos que a curva de aprendizagem sobre os elementos da quarta revolução industrial será muito exponencial nos próximos 20 ou 30 anos. Além disso, os números têm nos demonstrado que aqueles que largam na frente dificilmente serão alcançados por quem começar seu processo de transformação mais tarde.

Isso será refletido não só no aumento da competitividade das empresas, mas também da comunidade em que estão inseridas. É a chance para que países como o Brasil consigam incrementar sua produtividade. Do contrário, o distanciamento socioeconômico entre os países mais e menos automatizados ficará cada vez mais evidente.

Acreditamos que a quarta revolução industrial é o próximo motor do crescimento econômico ao redor do mundo, inaugurando oportunidades de aprender e incorporar valores de uma maneira que as revoluções passadas não poderiam. A adoção da tecnologia, guiada por uma visão inclusiva para um mundo melhor, pode render uma sociedade global mais forte e mais sustentável.”

Ana Conceição (Valor, 25/06/19) avalia: quase todos os setores produtivos relevantes para o desenvolvimento da economia, de industriais a serviços, estão bem longe da chamada fronteira tecnológica no Brasil. Eles apresentam baixo nível de investimento em pesquisa. De 37 segmentos analisados num levantamento feito pelo pesquisador Paulo Morceiro, do Núcleo de Economia Regional e Urbana da Universidade de São Paulo (Nereus-USP), apenas cinco ultrapassam essa fronteira. No outro extremo, um dos piores desempenhos é o de desenvolvimento de softwares, que está na ponta do avanço tecnológico no mundo.

No trabalho do pesquisador, a fronteira tecnológica é definida pela taxa média do que os setores de alta, média e baixa tecnologia investem em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em relação à dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), órgão multilateral em que o Brasil aspira um assento.

“O país está distante na pesquisa e desenvolvimento, seja nos segmentos de alta, seja nos de baixa intensidade tecnológica”, diz Morceiro, cujo trabalho se baseia em informações da Pesquisa de Inovação (Pintec), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e de dados colhidos via Lei de Acesso à Informação sobre os recursos investidos por organizações públicas como Embrapa, Fiocruz e institutos da Marinha e da Aeronáutica. O trabalho foi feito em parceria com Milene Tessarin, pesquisadora da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

No mundo, o “filé mignon” do desenvolvimento tecnológico é realizado por apenas 13 setores dos grupos de alta e média- alta tecnologia, que reúnem a produção de aviões, desenvolvimento de sistemas (softwares), produtos farmacêuticos, informática e eletrônicos, armas e munições, automóveis, máquinas e equipamentos, químicos, serviços de informação, entre outros. Deles, dez pertencem à indústria, e três, aos serviços.

No Brasil, os segmentos que mais investem em P&D – como o de fabricação de aviões e o farmacêutico – são os mesmos da OCDE. As diferenças são a magnitude e a origem do investimento. Enquanto no caso brasileiro, a maior parte (60%) do aporte é feita pelo Estado por meio das universidades públicas, autarquias e institutos de pesquisa, no grupo dos países mais ricos, cerca de 75% dos investimentos têm origem no setor privado. Os países da OCDE respondem por cerca de 80% da pesquisa e desenvolvimento no mundo. Fora do grupo, o país mais relevante na área é a China.

Olhando apenas para os segmentos de alta intensidade tecnológica, os países da OCDE investem em P&D 24% do valor adicionado bruto em equipamentos de informática, eletrônicos e óticos, enquanto no Brasil essa parcela é de 10%. Em produtos farmacêuticos, a OCDE chega a 28%, contra 5% no Brasil. Em outros equipamentos de transporte, que inclui a produção de aviões e a construção naval, o percentual do bloco é de 20%, quase o dobro do brasileiro (10,7%). É ali que está classificada a Embraer, por exemplo.

No segmento de desenvolvimento de softwares, classificado em serviços, a diferença é gigantesca, com uma parcela de 29% do valor adicionado bruto do setor investida em P&D na média das nações da OCDE, para apenas 4,5% no Brasil. Este é o segmento onde o país deveria estar caminhando mais. Nele está o núcleo da transformação tecnológica do mundo e da quarta revolução industrial. No mundo, é onde entram Microsoft, Oracle, Alphabet (Google) e SAP, observa o pesquisador.

Classificado como de média-alta tecnologia, o segmento de veículos automotores e autopeças, que no Brasil tem grande peso econômico, investe 6% de seu valor adicionado bruto em P&D no Brasil, contra 15,4% na média da OCDE. “No Brasil há um predomínio de empresas internacionais que ‘tropicalizam’ tecnologias criadas lá fora, fazendo uma adaptação para as condições brasileiras”, diz o pesquisador. Em outros segmentos como o farmacêutico, que importa parte dos princípios ativos, e o de eletrônicos, ocorre o mesmo. “Na Zona Franca de Manaus o país dá subsídio para montar peças que vêm de fora. A gente não desenvolve tecnologia na maioria dos setores”, afirma Morceiro, para quem uma das causas desse cenário são as falhas da política industrial nacional.

No caso das empresas instaladas na Zona Franca, Morceiro diz que existe uma exigência de contrapartida de investimento em troca do benefício tributário dado pelo governo, mas o resultado final não é claro. Pela Pintec [pesquisa sobre inovação tecnológica do IBGE feita a cada quatro anos], ali se investe pouco.

O setor de químicos, classificado como de média-alta tecnologia, é um dos poucos em que o país se sobressai, com o equivalente a 8,1% do valor adicionado bruto investido em pesquisa e desenvolvimento, ante 6,5% na OCDE, em grande medida por causa do segmento de cosméticos e perfumaria. Aqui, faz diferença a presença de grandes empresas nacionais, como a Natura.

Em quatro setores com menor intensidade em P&D o Brasil está à frente da OCDE: serviços de utilidade pública, como eletricidade e gás; indústria extrativa; agropecuária e metalurgia. Nos três primeiros, a pesquisa realizada por institutos públicos de pesquisa desempenha um peso significativo. O Brasil destaca-se nos setores intensivos em recursos naturais. Mesmo o setor químico depende desses recursos na parte de químicos orgânicos.

Além de estimular parcerias entre universidades e empresas para desenvolver pesquisa em áreas de interesse nacional, o governo deveria fortalecer – via estabilidade na alocação de recursos – institutos públicos como a Fiocruz e a Embrapa, para melhorar a áreas em que o país já é competitivo.

4a. Revolução Industrial: Atraso Brasileiro em Inovação Tecnológica publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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