Planejamento da vida financeira exige Educação Financeira para disciplinar o cérebro e evitar erros recorrentes, apontados nos vieses heurísticos levantados pelas Finanças Comportamentais. Os investimentos financeiros planejados, em “débito automático” de determinado percentual da renda recebida, se diferenciam dos acasos: sobrar renda em relação ao consumo. Este caiu em tempos de isolamento social com “gastos na rua”: comer fora-de-casa, vestuário, transporte, etc. Logo, cresceu a “poupança” de maneira involuntária.
Anaïs Fernandes (Valor, 25/06/2020) entrevistou Daniel Leichsenring, economista-chefe da Verde Asset Management, em Live do Valor.
A política fiscal brasileira na pandemia tem sido marcada pela transferência de recursos do setor público às famílias “em nível inacreditavelmente alto”, o que exige atenção das autoridades para a âncora fiscal não ser perdida, mas também pode contribuir para uma recuperação um pouco mais rápida da atividade. Essa é a típica visão neoliberal ou “liberista”, onde se coloca o combate ao risco da eutanásia dos rentistas acima de tudo, inclusive da sobrevivência das famílias pobres.
Nos últimos três meses, a renda das famílias oriunda do trabalho caiu em torno de R$ 70 bilhões, mas só o auxílio-emergencial de R$ 600 gerou uma transferência ao redor de R$ 150 bilhões. “Na prática, as famílias – na média, não é verdade para todos os indivíduos -, têm, hoje, mais renda do que no pré-coronavírus.”
A taxa de poupança das famílias pode mais do que dobrar neste ano. “Isso é uma diferença brutal em relação à crise anterior, quando elas estavam na sua menor taxa de poupança.”
Para o conservador, isso coloca o país em uma situação em que, uma vez normalizado o quadro da pandemia, pode haver melhora em indicadores de consumo e confiança, o que traz um viés de recuperação um pouco mais forte para atividade, segundo Leichsenring. A Verde Asset espera queda ao redor de 6,5% no Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2020, com avanço de cerca de 4% em 2021. O Fundo Monetário Internacional (FMI) informou projetar uma queda do PIB brasileiro de 9,1% em 2020.
Em linha com outros países, a queda do consumo no Brasil foi muito forte no primeiro momento das restrições nos Estados, mas as pessoas foram procurando novos meios de consumir e, com relativa flexibilização do isolamento, “o consumo tem se recuperado de maneira significativa”, disse Leichsenring.
O próprio grau de mobilidade observado hoje sugere uma retomada mais rápida do que era assumido meses atrás, ele afirmou. Indicadores mostram que estamos “muito longe de zerar o jogo”, disse ele, “mas a situação já está muito melhor”. “Olhava o cenário como assimétrico para ser pior, e não melhor. De lá para cá, a grande surpresa é que aparece hoje no nosso cenário uma certa assimetria para ser melhor.”
A perspectiva, segundo Leichsenring, é continuar nessa trajetória, desde que não haja uma segunda onda de contágio muito forte. O economista disse acreditar ser possível relaxar restrições de maneira gradual sem mudanças “muito abruptas” nesse avanço. Ele cita evidências – do exterior, mas também no Brasil – de como medidas de quarentena se mostraram importantes e como melhoras nos protocolos médicos e até o surgimento de alguns tratamentos ajudam a aumentar a efetividade dos hospitais e conter a mortalidade.
“É o que a gente falava de achatar a curva, ajustar a capacidade do sistema hospitalar e poder ir voltando à normalidade mesmo sem o controle da epidemia”, disse. “Mesmo que haja uma segunda onde e problemas com capacidade hospitalar, esperaria que a gente voltasse apenas alguns degraus nas políticas de quarentena e, portanto, os efeitos econômicos seriam menores do que no começo da pandemia.”
A dificuldade de fazer o crédito chegar às empresas menores, que concentram boa parte dos empregos, ainda é “o principal nó, a principal vulnerabilidade que o país tem na recuperação”, afirmou Leichsenring. Para ele, é compreensível o temor, entre bancos, de que pequenas empresas não sobrevivam. “Medidas para oferecer um ‘seguro’ sobre esse crédito são importantes nesse sentido, de criarem pelo menos um conforto.”
Leichsenring demonstrou preocupação também com a prorrogação do auxílio- emergencial nos mesmos termos atuais. “Não temos condições fiscais de manter, que dirá de tornar um benefício permanente.”
Soma-se a esse receio a questão política. “Se você tem uma crise institucional, permanente, que leva ao esgarçamento da relação entre os Poderes, fica difícil imaginar que vamos ter a capacidade e maturidade de avançar no tema da solvência do Estado.”
Para ele, o momento era de “ter união para conseguirmos combater o vírus o quanto antes, com repercussão sobre a economia o quanto antes beneficiando a todos”, disse. “Infelizmente, não é o que a gente tem visto, atrapalhou, tem atrapalhado.”
Isabel Filgueiras (Valor, 26/06/2020) informa sobre a evolução dos depósitos de poupança.
No meio de uma pandemia, quando 7 em cada 10 brasileiros perdessem alguma parte da renda mensal, houve registro de recorde de depósitos na caderneta de poupança. Os aportes mensais de março, abril e maio foram, de longe, os maiores da série história do Banco Central, iniciada em 1995.
As políticas de isolamento social ao reduzir alguns gastos, a injeção bilionária de recursos por conta do auxílio emergencial e a aversão a perdas explicam tal comportamento.
Só em maio, a captação líquida foi de R$ 37,20 bilhões, mais que o dobro de tudo que entrou em 2019 (R$ 17,21 bilhões). Isso num contexto em que com o atual patamar da Selic, a 2,25% ao ano, a poupança rende só 1,58% ao ano.
Com facilidade para sacar o dinheiro, a caderneta é um dos principais destinos da reserva de emergência, aquele recurso separado para momentos de imprevisibilidade e escassez como o atual. Ela pode até ser mal falada, mas ainda é a forma mais comum de guardar dinheiro. E num momento de pânico, perdas e incertezas, o brasileiro voltou para a velha conhecida.
“As pessoas buscam o mais seguro historicamente. Isso explica também por que ouro é tão buscado em tempos de crise e talvez por que o brasileiro sempre foi apegado à poupança. Então, ela acaba sendo esse porto seguro num momento de instabilidade em que já houve perdas em outras aplicações mais sofisticadas”, diz Claudia Yoshinaga, professora de finanças comportamentais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Em março, a captação da poupança bateu o primeiro de seguidos recordes mensais, com R$ 12 bilhões em depósitos. Naquele mês, também o primeiro da quarentena, a bolsa derreteu com perdas de 30%. A volatilidade estava na máxima e as quedas bruscas levaram a vários “circuit breakers” na bolsa, ou seja, a interrupção temporária de negociações quando o Ibovespa cai 10%.
“Não duvido que tenha dinheiro de investidores importantes na poupança neste período de nervosismo. No passado, ela era o patinho feio, mesmo pagando o rendimento líquido (livre de imposto). Agora, não é qualquer fundo que vai bater a poupança”, diz um economista e administrador de investimentos.
A razão mais direta para a alta captação é a aversão à perda com preferência por liquidez. Depois do mês de março em que as aplicações de renda variável caíram e com toda a chacoalhada e receio de que economia pudesse ter recuperação lenta, a poupança sinaliza um investimento mais familiar e seguro.
As altas mais acentuadas de depósitos foram em abril e maio, quando a poupança atraiu R$ 30 bilhões e R$ 37 bilhões, respectivamente. O volume mensal cresceu 150% entre março e abril. O salto ocorreu em meio ao pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 a R$ 1.200 para trabalhadores informais, autônomos e microempreendedores individuais impactados economicamente pela pandemia.
De acordo com o Tesouro Nacional, até o momento, foram depositados R$ 95,57 bilhões nas contas dos brasileiros elegíveis ao auxílio emergencial. O benefício começou a ser pago em abril.
Em maio, no entanto, uma mudança na distribuição do benefício pode ter contribuído para o massivo aumento de estoque de poupança. Na hora de pagar a segunda parcela do auxílio, a Caixa estipulou que os beneficiários receberiam o dinheiro numa poupança social, aberta especialmente para o programa. Além disso, o banco estabeleceu uma regra de saques fracionados com um calendário que não permitiu retiradas por praticamente todo o mês de maio.
Outra injeção bilionária de dinheiro público na poupança dos brasileiros foi o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEM), para complementar o salário de quem teve suspensão de contrato ou redução de carga horária. Por essa via, o Tesouro pagou R$ 11,72 bilhões.
Os saques dos fundos de renda fixa também podem ter sido uma das fontes do dinheiro que foi parar na poupança. De acordo com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), essas carteiras acumulam resgates de R$ 120 bilhões neste ano. Os sucessivos cortes da Selic foram um golpe para os fundos de renda fixa, o custo ficou mais pesado.
Com a queda da taxa Selic para os padrões atuais, isso fez com que os fundos DI e renda fixa ficassem em desvantagem em função da taxa de administração que cobram e dos descontos de impostos. Para quem tem valores pequenos, o rendimento desses produtos ficou pequeno.
Ele lembra que muitos fundos DI não tinham só títulos públicos, mas uma parte em crédito privado. Esses papéis de empresas (debêntures) acabaram se desvalorizando. “Com a queda da taxa Selic, a poupança começou a ficar mais competitiva em relação aos fundos DI e de renda fixa. Quando o investidor vê, nos extratos, que o investimento está indo mal, pensa em voltar a poupança.”
Há desvantagens na poupança. Como a rentabilidade é mensal, sacar fora da data de aniversário resulta na perda do ganho do período todo. Pela regra atual, a remuneração se limita a 70% dos já mirrados 2,25% ao ano da Selic.
Há outros investimentos mais rentáveis, mas têm imposto de renda, IOF se sacar com menos de 30 dias. As pessoas sabem que as poupança rende pouco, mas percebem redução mês a mês de rentabilidade em outras aplicações como Tesouro Selic e que dão mais trabalho de movimentar.
Por mais que as plataformas de investimentos estejam cada vez mais simples e acessíveis, elas ainda têm características naturalmente excludentes para algumas pessoas. Existem alternativas melhores, como bancos digitais que oferecem 100% do CDI com liquidez diária ou Tesouro Direto. Mas não sei dizer se isso alcança todos os brasileiros. Até um banco digital exige um smartphone, ter conhecimento mínimo para usar a tecnologia e internet boa para fazer essa conta.
Apesar da baixa rentabilidade, a caderneta não deixa de ser uma porta de entrada para uma vida financeira mais saudável, diz a especialista em Finanças Comportamentais e colunista do Valor Investe, Vera Rita de Mello.
Para Vera, o progresso nos investimentos depende do amadurecimento e onde você se sente seguro de deixar o seu dinheiro. No fim das contas, é melhor colocá-lo em um produto conhecido em vez de arriscar em produtos financeiros desconhecidos.
Poupança face à Pandemia publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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