Arícia Martins (Valor, 26/06/2020) informa: parte significativa das empresas aderiu as medidas do governo para cortar salários, suspender contratos e adiar o pagamento de impostos, mas o uso das linhas de crédito de emergência não atingiu seu potencial. É o que mostra levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) com empresários que participam das sondagens de confiança da entidade.
Na quarta rodada do quesito especial sobre o impacto da covid-19 nos negócios, o Ibre/FGV ouviu 3,3 mil companhias em junho. Desta vez, o questionário abordou o acesso aos programas governamentais para conter os efeitos econômicos da pandemia e com que finalidade as medidas foram adotadas. Os resultados foram antecipados ao Valor.
A redução temporária de salários e jornada de trabalho permitida pela Medida Provisória 936 foi a modalidade mais importante para o varejo ampliado, mencionada como a principal por 37,5% das empresas do setor, e também pelos serviços (34,9%). Na indústria de transformação, 27,9% fizeram uso da MP para cortar a remuneração dos funcionários, mas o programa de maior adesão nesse segmento foi a postergação do pagamento de impostos (36%).
O contingente de empresas que atrasou o pagamento de tributos também é expressivo nos outros ramos: ficou em 29,9% na construção civil, 27,2% no varejo e 24,9% nos serviços. Também bastante acionada, a suspensão temporária de contratos foi usada por mais de 20% das firmas em todos os setores, com maior amplitude no comércio (25,9%).
Na outra ponta, o percentual das empresas que aponta as linhas de crédito como medida mais relevante do governo foi mais baixo em todos os segmentos. Os únicos ramos em que as empresas com essa avaliação superam 10% do total foram a construção e os serviços.
“Todos os setores aderiram bastante a suspensão de contratos e redução de salários, e a postergação de impostos também ajudou que as empresas sustentassem empregos, mas o acesso ao crédito ficou abaixo das expectativas”, afirma Viviane Seda, coordenadora das sondagens de confiança do Ibre/FGV.
Para Manoel Pires, pesquisador da entidade e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, os três instrumentos mais citados no levantamento são horizontais e “ajudaram bastante” as empresas a atravessar o pior momento da crise, que parece já ter ficado para trás. Se um número maior delas tivesse conseguido empréstimos, porém, a fatia de companhias que fez uso das outras três medidas teria sido menor.
“O crédito funcionou de forma imperfeita, e muitas empresas que não conseguiram acessá-lo apelaram para a redução de jornada”, diz ele. A maioria das empresas não obteve crédito. O único segmento em que há equilíbrio maior entre o percentual de empresas que acessou as linhas e não fez uso delas é a indústria de transformação, em que esses percentuais ficaram em 44,1% e 55,9%, respectivamente.
Já no comércio, 80,1% das firmas não obtiveram crédito, ante 76,1% nos serviços e 75,8% na construção. Entre as empresas desse último setor que não contrataram empréstimos, quase um terço (29,2%) das empresas tentou, mas não conseguiu. Depois da construção, o segmento em que essa restrição mais ocorreu foi nos serviços (22,1%).
Entre as empresas que obtiveram crédito, conseguir capital de giro foi o principal objetivo, mencionado por 73,4% dos industriais e cerca de metade dos empresários do setor de serviços (50,7%) e da construção (48,7%). Segundo Pires, isso pode explicar por que o programa voltado a financiar a folha de pagamento de pequenas e médias empresas teve pouca demanda. “Muitas procuraram crédito mais para manter o capital de giro do que o quadro de funcionários.”
A maior barreira para as empresas que relataram dificuldade para obter crédito foi a burocracia e outras exigências bancárias, segundo 41,8% das empresas de construção, 36,1% das indústrias e 33,9% das firmas de serviços. O segundo principal impedimento é o custo dos financiamentos: para 35,8% dos empresários industriais, as taxas de juros dos programas são elevadas.
Viviane destaca que as empresas de menor porte foram as que mais tiveram problemas para acessar as linhas de financiamento, principalmente no comércio. Nesse setor, entre aquelas que tentaram obter crédito, mas não conseguiram, 64,4% são pequenas, e 30,5%, médias. Essas duas fatias também são elevadas nos serviços, de 53,5% e 22,8%, pela ordem. “Com as novas modalidades, talvez o crédito chegue mais a empresas pequenas e médias, mas num primeiro momento, se concentrou mais nas grandes.”
“O governo ainda está buscando um modelo que funcione”, diz Pires. A dúvida é se as novas linhas, por terem chegado tarde, ainda vão servir como mecanismo de enfrentamento da crise. “Ninguém tem uma resposta clara para isso”, afirmou. “Mas há a possibilidade de que o crédito funcione mais como um impulso para a retomada do que como um seguro durante a crise.”
A crise deve deixar um legado de aumento do endividamento e da inadimplência. Um terço (33,3%) das famílias brasileiras tem alguém de sua residência com dívidas em atraso, segundo quesito especial da Sondagem do Consumidor de junho do Ibre/FGV. O percentual é ainda maior entre os mais pobres. Para aqueles com rendimentos até R$ 2,1 mil, essa fatia chega a 44,5%. Foram consultadas 1.810 pessoas.
Na média de todas as faixas de renda, 72,1% dos consumidores que estão ou têm algum familiar inadimplente dizem que começaram a postergar pagamentos ou que a situação se agravou durante a pandemia. Em quase metade (49,7%) das famílias inadimplentes, o tempo de atraso em empréstimos e outras parcelas vai de um a três meses.
Para Viviane Seda, coordenadora das sondagens de confiança do Ibre/FGV, os resultados mostram que, mesmo com as políticas do governo para amenizar a perda de renda das famílias, há dificuldades para quitar as despesas correntes. “Vai haver um aumento de inadimplência no curto prazo, o que dificulta o retorno das famílias ao consumo. Essa recuperação vai ser muito mais lenta”, disse.
Em um primeiro momento, o governo foi pouco ágil na implementação do programa de renda emergencial, o que pode ter contribuído para elevar a inadimplência, afirma. “O auxílio emergencial está ajudando as famílias, mas elas não vão conseguir se manter sem dificuldades financeiras por um bom período.”
A perda de emprego de um membro da família é o principal motivo que provocou o atraso no pagamento de dívidas, apontado por 33,1% dos inadimplentes. Em segundo lugar, aparece o impedimento de trabalho (24%). Não só as demissões pioraram a situação financeira, mas também as medidas de isolamento social, que prejudicaram as atividades de muitos trabalhadores informais, observa Viviane.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid-19, divulgada na quarta pelo IBGE, dos brasileiros em idade ativa, menos da metade (49,7%) estava empregado em maio de 2020, recorde negativo do nível de ocupação, que o instituto atribui em boa parte à pandemia. A taxa de desemprego no mês passado ficou em 10,7%.
Outro fator que explica o atraso recente no pagamento de dívidas é a perda de renda devido à Medida Provisória 936, que permite que empresas reduzam jornada e salários de trabalhadores formais em até 70%, e também que suspendam contratos de trabalho, ambos temporariamente. A redução salarial é citada como principal razão para a inadimplência por 17,3% das famílias que têm dívidas em atraso.
Acompanhamento do Ministério da Economia mostra que, até ontem, cerca de 11,6 milhões de pessoas tiveram redução de jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho.
Mesmo entre aqueles que conseguirem manter seu nível de renda em meio à crise, a maior cautela deve diminuir o consumo, afirma a economista do Ibre. “Entre as famílias de renda mais alta, que possuem reservas financeiras, a intenção de consumo não está melhorando. Isso é sinal de que provavelmente estão fazendo poupança precaucional.”
Cláudia Safatle (Valor, 26/06/2020) informa: a avaliação do governo é de que ele, finalmente, começou a entregar os créditos prometidos no início da pandemia, para sustentar milhões de micro e pequenas empresas durante a crise da covid-19. E isso se deve, sobretudo, ao efetivo início do Pronampe (Programa Nacional de Apoio as Microempresas e as Empresas de Pequeno Porte), linha de financiamento equivalente a 30% do faturamento da empresa no ano passado, para capital de giro, ao custo de Selic mais 1,25% ao ano. O universo é o de empresas com faturamento de até R$, 4,8 milhões por ano.
Na verdade, porém, apenas a Caixa já está operando com essa linha de crédito. “O Banco do Brasil é mais lento e o Itaú, Bradesco e Santander estão em fase final de arrumação para operacionalizar os procedimentos com esse público que não é o deles”, segundo disse um assessor do Ministério da Economia que está acompanhando o dia a dia dessas operações para se certificar de que o crédito está chegando ao tomador final.
“Nas nossas previsões, até o dia 15 de julho estarão todos os interessados operando com o Pronampe”, acredita essa mesma fonte, que monitora com lupa a atuação principalmente dos cinco maiores bancos do país.
Há, de fato, uma fase de adaptação até à elaboração dos novos modelos de contratos onde as garantias deixam de ser dadas pelo cliente e passam a ser assumidas integralmente pelo Tesouro Nacional, mediante o FGO – o Fundo Garantidor das Operações.
O fundo foi capitalizado pela União nesta semana em cerca de R$ 15,9 bilhões. E a taxa de juros passa a ser de cerca de 0,3% ao mês e deixa de ser os 2% a 3%ao mês das linhas próprias das instituições financeiras para as micro e pequenas companhias.
O Pronampe somado à linha de crédito para empresas “âncoras”, do BNDES, e ao Programa Emergencial de Acesso ao Crédito com garantia integral do FGI – Fundo Garantidor de crédito de Investimentos, também do BNDES, devem representar quase R$ 300 bilhões em oferta de crédito para as micro, pequenas e médias empresas.
Foi exatamente esse universo das micro e pequenas empresas que a Caixa havia definido como estratégico para suas operações desde o ano passado e, em poucos dias, conseguiu “botar no ar” a linha de crédito do Pronampe.
Segundo o vice presidente de Negócios de Varejo da Caixa, do dia 17 até 25 de junho, a instituição havia fechado 6.500 contratos no valor de R$ 308 milhões que já foram depositados nas contas das empresas. Além disso, tem 5.700 contratos no valor de R$ 310 milhões, em fase final de negociação sejam os empreendedores clientes da Caixa ou não. A previsão inicial da Caixa é de atender a demanda de até R$ 3 bilhões mas, se for necessário, ela aportará mais recursos para esse fim.
Criado pela lei 13.999 de 19 de maio, o Pronampe já nasceu com a necessidade de adiar por mais 90 dias o prazo de contratação que se encerraria no fim de julho. Portanto, a linha de crédito estará em vigor até outubro.
O quadro atual de interesses do sistema financeiro em contratar crédito com as micro e pequenas empresas, até quarta feira, era o seguinte: 21 instituições manifestaram intenção de aderir ao programa. Dessas, no entanto, apenas oito iniciaram o pedido de adesão, três instituições concluíram testes para operacionalização (Caixa, Itaú e Bancoob) e 2 formalizaram adesão ao programa (Caixa e Itaú). Até ontem porém, só a Caixa havia contratado operações com garantia do FGO.
Esse é um mundo novo para os bancos tradicionais que gostam mesmo é de ter na sua clientela grandes empresas que podem despejar garantias em eventuais contratos de financiamentos. Para colocar o Pronampe em pé, o governo teve que capitalizar os fundos garantidores (FGO e FGI) e dar um jeito de assumir integralmente o risco de crédito para micro, pequenas e médias empresas.
Feito isso, o sistema financeiro está tendo que reavaliar suas premissas de análise de risco e ampliar as hipóteses de tamanho das empresas em seus portfólios. E não é raro um ou outro banco pedir ajuda da Caixa para lidar com essa nova clientela.
Isso leva o mais liberal dos liberais a defender a existência de um banco estatal com funções sociais para os momentos de crise aguda.
E reforça, ao mesmo tempo, a postura vergonhosa do ministro da Economia, Paulo Guedes. Na famosa reunião ministerial do dia 22 de abril, entre uns e outros desatinos cometidos pelos participantes, defendeu a privatização do Banco do Brasil. Afinal, é um bicho híbrido e, sendo sabotado por sua atual direção, não justificaria sua porção estatal.
Quando o Comitê Gestor do Simples Nacional prorrogou o prazo para o pagamento dos impostos federais, o fez por até 180 dias. Os Estados e municípios, no entanto, prorrogaram por somente 90 dias o pagamento do ICMS e do ISS, de forma que dia 20 de julho serão cobradas as parcelas relativas à abril.
O assessor especial do Ministério da Fazenda, Guilherme Afif Domingos, telefonou para o secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Henrique Meirelles, que é o porta voz dos governos estaduais nessa questão, para saber porque eles não pensam em ampliar a prorrogação dos impostos por mais 90 dias, Meirelles tergiversou, dizendo que essa não era a proposta dos demais governadores etc. e tal.
Afif interpretou tal posicionamento como uma maneira de os Estados da federação tentarem obter mais alguma vantagem da União em troca de uma nova prorrogação.
“Eles pararam a atividade econômica nos seu Estados e agora querem cobrar impostos dos microempresários! Querem o quê? Incentivar a inadimplência?”, indagou Afif, que pautou sua vida pública em defesa dos micro, pequenos e médios empresários.
“Isso aí é moeda de chantagem. Eles querem usar os microempresários para ver se tiram uma vantagem a mais da União”, disse ele.
Editorial do Valor (29/06/20) avalia: o Banco Central se afastou dos dogmas liberais no mais recente pacote de crédito, anunciado na semana passada, ao estabelecer uma punição para as instituições financeiras que não sacarem recursos dos depósitos compulsórios para emprestarem para as micro, pequenas e médias empresas. É o tipo de ação pragmática compreensível numa crise sem precedente como a atual. Mas será importante não perder a direção de longo prazo de reduzir gradualmente o sistema de crédito direcionado no país.
Depois de forte aumento em março, o crédito começou a perder fôlego a partir de abril. Segundo dados dessazonalizados do Banco Central, as concessões de empréstimos e financiamentos a pessoas jurídicas tiveram uma expansão de 29% em março, seguida de quedas de 22% em abril e de 6% em maio.
O crédito foi distribuído de forma desigual. As grandes empresas, que antes vinham se financiando no mercado de capitais e tinham linhas de crédito abertas com os bancos, saíram na frente e absorveram boa parte dos recursos disponíveis. As operações com empresas de menor porte também aumentaram, mas muito abaixo da demanda, gerando a sensação generalizada de falta de crédito para o segmento.
Em março, o estoque de crédito a pequenas empresas cresceu 9% ante fevereiro, enquanto que para empresas de menor porte avançou 1,8%. Já em abril a expansão perdeu fôlego, com incremento de 1,9% para grandes empresas e de 0,2% para as menores. Em maio, houve praticamente estagnação.
Os programas desenhados para as pequenas empresas tiveram resultados muito abaixo do esperado. O financiamento à folha de pagamentos, por exemplo, contratou apenas 10% dos R$ 40 bilhões colocados à disposição. Essa linha de crédito está sendo reformulada no Congresso, permitindo, entre outras coisas, que sejam acessadas por empresas de médio porte e a demissão de trabalhadores.
Para atenuar a severa restrição de crédito das empresas, o pacote anunciado pelo Banco Central na semana passada avança no direcionamento. Uma das medidas permite a liberação de R$ 55,8 bilhões em depósitos compulsórios de caderneta de poupança para o financiamento de capital de giro de empresas com faturamento de até R$ 50 milhões. Alternativamente, os bancos podem aplicar em Depósitos a Prazo com Garantia Especial (DPGE) de instituições financeiras de menor porte – que, espera-se, terão maior apetite para conceder crédito. Para forçar os bancos a, de fato, emprestarem, o Banco Central decidiu cortar a remuneração das instituições financeiras que não destinarem os recursos a crédito ou a DPGEs.
Com a medida, o Banco Central procura mudar a equação financeira dos bancos. Agora, eles devem pesar, de um lado, os riscos de inadimplência nos empréstimos a empresas de menor porte e, de outro, o custo financeiro da perda de remuneração dos depósitos compulsórios, que é igual ao rendimento da caderneta de poupança. Não se sabe, ao certo, como os bancos vão reagir. Talvez prefiram uma perda certa de remuneração de compulsórios à incerteza das taxas de inadimplência. De forma sensata, o arranjo criado pela autoridade monetária cria uma válvula de escape para os bancos que não querem correr riscos, ao permitir que eles apliquem em DPGEs.
Embora seja uma solução aceitável em alguns momentos, o crédito direcionado não está isento de custos. Ele representa uma distorção no mercado, que gera ineficiências, como subsídios cruzados. Ao fim, quem paga a conta são os próprios consumidores de serviços bancários, com juros mais altos em outras linhas e tarifas ou com a restrição de crédito. É por isso que o governo tem avançado, desde 2016, no projeto de redução do crédito direcionado na economia.
Do ponto de vista fiscal, a liberação de compulsórios para o crédito também não é isenta de custos. O Banco Central deverá retirar o excesso de liquidez injetado na economia, o que aumenta a dívida pública e os encargos financeiros da União.
O ideal seria, em um momento de incerteza extrema, como o atual, o Tesouro assumisse diretamente os riscos que não podem ser suportados pelo setor privado, com subsídios discutidos com o Congresso e explicitados no Orçamento. O direcionamento de crédito é uma solução tolerável no contexto atual, mas deve ser transitória, sem abandonar o projeto de longo prazo de ampliar o crédito contratado livremente nas condições de mercado.
Crédito Dirigido pelo Demandante, Mas Avaliado pelo Ofertante publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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