quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

“Efeito Bolha” na Bolsa de Valores brasileira: Análise de O Mercado

Adriana Cotias (Valor, 30/01/2020) informa um prócer de O Mercado, finalmente, ter conseguido furar o bloqueio do oba-oba midiático-governamental em torno do mercado de ações.

Em um momento em que “os órfãos do CDI” têm migrado para ativos de risco como ações, há um “efeito bolha” na bolsa brasileira, alertou Luis Stuhlberger, CEO da Verde Asset Management. Nem por isso, o fundo Verde, um dos multimercados mais longevos do mercado de gestão de recursos brasileiro, deixou de ter exposição significativa em papéis na B3. O portfólio mantém uma parcela de 20% do risco comprada em ações locais.

“Os órfãos do CDI, os rentistas, eu incluído, e a torcida do Corinthians têm diversificado em tudo que aparece”, comentou. “A cada semana tem dois ou três fundos novos aparecendo. É muito bom para a economia brasileira, mas pode ser muito ruim para os investidores desses mercados.”

Para o gestor, as pessoas físicas vão continuar investindo em bolsa. “Apesar de ser contra o BC cortar a Selic em 0,25 [ponto percentual] na próxima reunião, com juros a 4,25% ao ano, a festa continua.”

O argumento maior para continuar comprado não é, porém, o fluxo de novos investidores para a renda variável, mas o fato de o PIB de consumo, das famílias, estar subindo. “Muitas ações na bolsa vão se beneficiar, é bom estar nesse trade.” O problema é que quando uma massa grande de investidores entra, forma-se potencialmente uma bolha. “Continuamos investidos, mas olhando a porta de saída.”

Para Stuhlberger, a bolha de ativos mais clara no mundo hoje parece estar no mercado de juros. Conforme comentou, o índice americano S&P 500 antes da crise de 2008 estava em 1.500 pontos, caiu para 666 e se recuperou para os 2.500 pontos até atingir os 3.300 pontos atuais. Comparativamente, o lucro por ação das empresas listadas subiu 88%.

“É claro que tem expansão de múltiplo, mas dada a magnitude [do movimento] nos juros não é um negócio absurdo”, disse. “Eu vejo mais racionalidade nas bolsas do que no real estate, no private equity ou em famílias tomando dívida para investir em classes alternativas.”

Rogério Xavier, sócio-fundador da SPX, dona de outro multimercado cobiçado pelos investidores, disse não haver dúvidas de que os preços dos ativos estão distorcidos por conta das políticas econômicas expansionistas. Taxas de juros reais baixas empurraram os investidores, não só no Brasil, mas no mundo, para tomar mais risco.

“A valorização dos títulos de renda fixa foi uma inflação de ativos. Se é bolha ou não, eu não sei, mas a performance foi vitaminada pela política monetária muito expansionista”, disse. “O quanto isso pode estourar, se é que vai estourar, tem que olhar a capacidade que a economia global vai ter para um novo aquecimento e de que maneira isso pode provocar inflação. Normalmente, as bolhas são estouradas pelos próprios BCs.”

Com a percepção de as políticas de estímulo vão se prolongar, os preços dos ativos continuarão sendo inflados. O risco é haver excesso de posições montadas nos momentos de baixa volatilidade. “Numa reversão, se as pessoas se sentirem muito expostas ao risco, a porta de saída será estreita.” Por ora, o gestor também mantém uma visão construtiva para ações.

Sobre a política monetária brasileira, Xavier disse com todas as letras: — “O Mercado vai empurrar o Banco Central a um novo corte de juros, mas os níveis atuais já seriam suficientes para manter a inflação na meta em 2021”. Para ele, a autoridade monetária fará uma grande bobagem se tomar essa direção.

“Os níveis que se têm atualmente deveriam ser olhados com mais cuidado, porque os efeitos são sentidos nove meses após o movimento na economia, e na inflação, no ponto máximo, de 15 a 18 meses depois. A política monetária de agora só vai impactar 2021”, disse.

Na sua avaliação, o BC fez o movimento de redução atrasado, ao esperar a aprovação da reforma da Previdência, e agora 2020 já está dado. “Levar juros para 4%, com meta de inflação de 3,75% para 2021, e 3,5% no ano seguinte, com nível de juros reais perto de zero, me parece agressivo.”

O gestor citou a estratégia do BC não é operar a Selic, mas as taxas longas, mas se o corte for além do que deveria, o mercado passará a ter a percepção de alta à frente. “Se forçar a mão na política frouxa, vai restringir em breve a política monetária. O risco/retorno é ruim, de ter que reverter se a economia aquecer demais.”

O hiato do produto pode ser consumido rapidamente. Embora um crescimento na casa de 2,5% seja baixo para uma recuperação cíclica, ele avalia que não há necessidade de mais estímulo. “O Brasil pode ficar com um diferencial de juros muito baixo em relação ao resto do mundo. Com déficit em conta corrente, é muito perigoso.”

Embora acredite que o BC vá na direção de um novo corte da Selic na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), Stuhlberger, da Verde, disse ter feito uma aposta contrária no seu multimercado, uma posição pequena via opções que não deve acarretar grandes perdas caso se confirme o consenso do mercado.

Particularmente, o gestor acha: o BC deveria ter parado nos 4,75% ao ano (dos 4,5% atuais), mas esse não é um tema pacificado dentro da própria gestora.

Xavier, da SPX, disse estar comprado no dólar/real desde 2013. Avalia a tendência é a moeda americana se valorizar, principalmente se o BC prosseguir com o ciclo de corte de juros. Para ele, a indústria brasileira perdeu oferta e isso se observa pela importação de manufaturas.

A moeda vai acabar respondendo, vai se ajustar aos níveis mais baixos de financiamento externo”, disse. “Quando se olha o balanço de pagamentos como um todo e a deterioração da conta corrente, um déficit de 3,7% do PIB para este ano é um número alto para o atual ambiente global.”

Faz um bom tempo que a Verde não tem posição em real contra o dólar porque falta convicção, disse Stuhlberger. Mas, pelos cálculos da casa, o real está 5% desvalorizado.

Ele observou que o fluxo negativo no ano passado foi resultado do baixo interesse dos estrangeiros pelo Brasil, combinado com duas fontes de saída de recursos:

  1. os exportadores mantendo receitas lá fora e
  2. a substituição de dívidas em moeda estrangeira por passivos em reais.

Os dois gestores concordaram: os riscos de uma recessão parecem improváveis. O ponto de convergência é a expansão da economia global vai se dar em um nível mais baixo por questões estruturais, como:

  1. juros negativos,
  2. envelhecimento da população e
  3. novas tecnologias.

Para Xavier, o crescimento muito baixo pode trazer a sensação de o mundo viver quase uma recessão, mas dificilmente a expansão do PIB chinês cai da casa de 6% para zero a ponto de levar a economia global para o território negativo. “É improvável a gente estar caminhando nessa direção, ainda vejo espaço na política monetária em alguns países, e fiscal em outros, dando suporte para as economias.”

Conforme citou, a administração de Donald Trump, nos EUA, dificilmente fará alguma ação que prejudique o crescimento do país, buscando ser a mais neutra possível. “Se tiver algum acidente, o Fed [Federal Reserve, o BC americano] tem espaço para cortar os juros.”

O sócio da SPX disse que estruturalmente houve uma melhora do fim do ano passado para cá, com a reversão da guerra comercial entre China e Estados Unidos, e a possibilidade de não haver um acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia. “O mundo se estabilizou num patamar baixo, mas se estabilizou.” Conjunturalmente, porém, o coronavírus entra na “fumaça de variáveis” que demoram a se dissipar. “Dos números fracos que [a economia chinesa] vai captar, será difícil dizer quanto da desaceleração da China é por motivos dela e quanto do coronavírus.”

Stuhlberger ponderou que os dois eventos que abalaram os mercados neste início de ano – a tensão dos EUA com o Irã e o temor que o coronavírus se espalhe para além da fronteira chinesa – estão longe de terminados. “O ruído não durou uma semana, o mercado balançou e depois voltou ao normal.”

Entre os riscos para 2020, Xavier disse que a corrida eleitoral nos EUA não deve ser subestimada. E, como efeito do Brexit, há chances de outros países, como a Itália, quererem o divórcio da União Europeia. “Há vários riscos com que a gente trabalha, os conhecidos, mas têm os que a gente nem imaginou, como o geopolítico. Apesar de a questão do Irã ter saído da primeira página, não é um assunto resolvido.”

“Efeito Bolha” na Bolsa de Valores brasileira: Análise de O Mercado publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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