No ano passado, o número de investidores Pessoas Físicas na Bolsa de Valores brasileira atingiu 1,679 milhão, mais do dobro em relação a 2018: 813,3 mil. Dois anos antes, eram 619,6 mil. Três anos atrás, na Grande Depressão de 2015-2016, eram 564 mil. O golpe semi-parlamentarista favoreceu aos especuladores…
Em menos de quatro anos, a Bolsa brasileira praticamente dobrou de tamanho e se aproximou dos 120 mil pontos, isso enquanto a economia do país estava em estagdesigualdade, crescendo modestos 1% ao ano. No mesmo período, o número de pequenos investidores com ações cresceu 200%, mesmo com o desemprego em taxas ainda elevadas, limitando a capacidade de poupança dos brasileiros.
Esses dados eram conhecidos pelo mercado. Mas, na semana passada, um dos mais respeitados gestores de fundos do país, Luis Stuhlberger, da Verde Asset Management, afirmou que há um “efeito bolha na Bolsa”.
Foi seguido pelo presidente do Santander, Sérgio Rial: “Não existe capitalismo sem capital na mão de brasileiros, mas é preciso mudar a Educação Financeira para pessoas terem noção de risco e não criarmos bolhas.”
Eles ficaram, porém, praticamente sozinhos no lado pessimista do debate. Economistas tipo FGV/INSPER e gestores pro-business ouvidos pela Folha ao longo da semana discordaram de que haja uma bolha no mercado, mas alertando para a dificuldade de vê-la antes dela estourar!
Na definição clássica, a bolha acontece quando um ativo, ou um conjunto de ativos, estão com um preço muito elevado, descolado do que seria seu valor real, justo ou fundamentado, o que geralmente acontece após longos períodos de valorização.
A ida dos “órfãos do CDI”, como Stuhlberger chamou os investidores de renda fixa brasileiros, para o mercado de ações estaria inflando as cotações. De 2018 a 2019, o número de pessoas físicas na Bolsa alcançou 1,7 milhão. Como os papéis disponíveis no mercado não cresceram na mesma proporção, o preço se eleva.
A preocupação está no efeito manada: brasileiros estão acostumados a investir em renda fixa, as oscilações do mercado, sujeito ao humor de investidores e fatores externos, podem afugentá-los por completo, o que causaria uma enorme pressão de venda, derrubando cotações.
Esse movimento foi visto há pouco mais de uma década: em 2007, com muitas aberturas de capital, brasileiros voltaram a comprar ações, mas saíram em disparada quando estourou a crise financeira de 2008.
O Brasil tem ainda uma bolha famosa, no início da década de 1970. Era a época do chamado “Milagre Econômico Brasileiro”, cuja propaganda era incentivada oficialmente pelo regime militar ditatorial.
À época, o governo autoritário permitiu dedução de parte do imposto de renda devido caso o contribuinte usasse a quantia na compra de fundos de ações. Muitos foram à Bolsa, mas o mercado brasileiro tinha poucos papéis, o que levou a uma forte alta dos ativos.
Após alguns meses, as cotações chegaram a se valorizar 400%, e investidores passaram a vender para embolsar lucro, gerando um pânico no mercado. As vendas seguiram até 1973, com forte desvalorização das Bolsas, especialmente a do Rio de Janeiro, o que levou a de São Paulo ao protagonismo exercido até hoje. O evento é visto por economistas como uma bolha especulativa. Ela inflou até estourar.
“Não tínhamos estrangeiros e nem fundos na Bolsa à época, e pessoas físicas eram cerca de 80% do volume”, diz José Carlos de Souza Santos, professor da FEA-USP.
Desde 2019, a participação de pessoas nas operações de compra e venda acelerou, mas ainda são minoria, correspondendo a cerca de 20% do total transacionado. O aumento, contudo, levou o volume ao nível recorde de R$ 23 bilhões na média diária.
Para especialistas, o fato do Ibovespa não estar em seu valor máximo, quando descontada a inflação, também é um sinal de que não há bolha no mercado acionário.
“A bolha é um preço maior do que o justo, mas ninguém sabe avaliar direito o preço justo da Bolsa. Comparado com o que ao mercado acionário cresceu lá fora, ainda estamos baratos”, diz professor da FGV.
Uma das métricas para se analisar o valor de uma ação é o múltiplo preço/lucro (P/L), ou seja, o preço do papel dividido pelo lucro por ação. Ele mostra quantos anos seriam necessários para o investimento em determinada ação se pagar pela distribuição anual de lucros da empresa, via dividendos, bônus ou juro sobre capital próprio.
O P/L médio de todas as 70 empresas do Ibovespa está em 18. O do S&P 500, índice das maiores empresas americanas, está em 21,3.
Para o presidente do banco central americano (Fed), Jerome Powell, o P/L das empresas listadas em Nova York “está alto, mas não no extremo” e não oferece grande risco ao sistema financeiro.
Algumas companhias brasileiras, contudo, estão com o múltiplo mais elevado. Um exemplo é a Magazine Luiza. Ela acumula valorização de 3.263% desde o fim de 2016.
“Ninguém sabe direito como as bolhas nascem. Pode ser que, de repente, sem motivo aparente, a Bolsa saia de 120 mil para 90 mil pontos. Aí você percebe, ‘nossa, estávamos em uma bolha!’”, diz um professor pregador da fácil sabedoria ex-post.
“Uma bolha é algo na frente de todo mundo, mas ninguém enxerga. Ela é transparente, surge e estoura sem você perceber. Você só sente o respingo”, diz o gênio da profissão.
Apesar de ver risco, Stuhlberger, do Verde, não mudou sua estratégia: mantém 20% de seu portfólio em ações.
Nathalia Arcuri, jornalista, especialista em Finanças Pessoais, é fundadora do canal Me Poupe!, no Youtube, com 4,5 milhões de inscritos.
“O Me Poupe! é o maior canal de Finanças no Youtube, e temos uma parceria super bacana, já palestrei para o time do Youtube em Los Angeles e Nova York. Nesses encontros, conheci a responsável pelos canais de ONGs. Eles decidiram organizar uma comitiva de criadores para levar a Davos, com a ideia de que pudéssemos mostrar, para o maior número de pessoas, o que estava acontecendo lá. Foram convidados cinco criadores do mundo inteiro. Do Brasil, fui eu.”
“Não sou portadora do apocalipse. Não posso também ser otimista demais. Meu papel é educar. Falar ‘olha, esses são os riscos’. Explicar que, na Bolsa, tem gente que investe para o curto prazo. Eu invisto para longo prazo, baseada nos fundamentos das empresas em que acredito.
Essa semana coloquei no ar o vídeo da minha carteira de ações. Pedi para um analista montar, porque eu não posso indicar ações, e disse que não queria bancos de varejo. Não posso ganhar dinheiro com a fudência [slogan da empresa] do outro, né? Se eu prego o não endividamento bancário, não faz sentido eu ganhar dinheiro com Itaú e Bradesco. Na carteira também não pode ter empresa investigada na Lava Jato ou envolvida com tragédias ambientais.”
Em 2019, o Ibovespa evoluiu 32,59% ou 27,5% em termos reais. A variação nominal da SELIC no ano foi 5,96% e, descontada a inflação, 1,9%. Dólar Comercial Mercado elevou-se em 4,55% e, em termos reais, 0,63%. Apostar em mercados de risco (ações e dólares) é achar ter premonição autossuficiente para antecipar as volatilidades frequentes.
Bolha no Mercado de Ações publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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