Marli Olmos (Valor, 25/09/2019) avalia: tempos atrás causaria estranheza a qualquer pessoa ouvir o presidente mundial da Mercedes-Benz se perguntando o que é luxo em um carro. Afinal de contas, a marca alemã transformou-se, ao longo de décadas, em um ícone da sofisticação. Mas Ola Källenius, no comando da Mercedes desde maio, estava sendo absolutamente sincero quando colocou a questão como um ponto de reflexão importante durante a apresentação do salão do automóvel de Frankfurt, neste mês. Ao apresentar uma nova plataforma para veículos elétricos, Källenius disse que “luxo é ser sustentável”.
Diante de novos hábitos de transporte, os fabricantes de veículos, em geral, têm tentado aliar sustentabilidade com prazer de dirigir. E marcas de luxo, como a Mercedes, precisam de esforço adicional para que o tradicional desenho elegante ou esportivo de seus produtos continuem a ser, para o consumidor, tão atraentes quanto passou a ser deslocar-se sem agredir o ambiente.
Boa parte do noticiário sobre a indústria automobilística, que passa por uma das fases de maior transformação de sua história, envolve a preparação para atender às regras de emissões de poluentes, cada vez mais rigorosas nos países desenvolvidos, na Europa, principalmente. Nos bastidores do setor, no entanto, está em curso um outro tipo de treinamento, voltado a entender os hábitos das novas gerações para convencê-las a comprar automóveis.
No Brasil, altos executivos têm se reunido com as equipes de planejamento, engenharia e de desenvolvimento de produto com mais frequência. Passam horas, segundo contam alguns, em discussões sobre o que pensam as novas gerações. Recorrem a todo o tipo de informação, seja em pesquisas próprias ou de empresas especializadas.
O cenário traçado nessas pesquisas não tem sido muito animador para os fabricantes de veículos no mundo. No Brasil, no entanto, os resultados têm mostrado consumidores mais propensos a ter carro próprio do que em alguns países desenvolvidos. Isso não quer dizer, porém, que as novas gerações de brasileiros tenham pelo automóvel a mesma paixão que tinham seus pais e avôs.
A Route Automotive, uma empresa de pesquisa especializada no setor automotivo, fez uma pergunta curiosa em recente pesquisa, envolvendo jovens de 18 a 24 anos: “Se você tivesse R$ 40 mil hoje, o que escolheria fazer com o dinheiro?”. A maioria respondeu que colocaria o dinheiro no banco para investir. Em segundo lugar, aparecem os que o usariam para quitar dívidas, próprias ou de seus familiares.
A compra ou troca de carro surge em terceiro e quarto lugares porque a pesquisa fez a mesma pergunta duas vezes. Na primeira, o entrevistado poderia citar três coisas. Na segunda, ele tinha que apontar uma única alternativa. À questão em que ele poderia indicar três opções, o investimento do dinheiro apareceu no topo, com larga vantagem (71%). A compra do carro ficou na quarta colocação, com 36%. Na frente dessa escolha, em terceiro lugar, os entrevistados apontaram o desejo de fazer um curso de aperfeiçoamento, como mestrado ou doutorado (48%).
Na questão que pede para o entrevistado apontar uma única alternativa, a compra do automóvel, em terceiro lugar, obteve 14%, atrás do pagamento de dívidas (16%) e dos investimentos (33%). Os dados referem-se ao Brasil. A pesquisa também envolveu jovens da América do Sul. Mas, nesse caso, a opção pelo carro manteve a mesma colocação.
Um dos principais focos das montadoras têm sido os chamados millenials, que abrangem a geração nascida entre 1981 e 1998. Os que têm de 21 a 38 anos representam, hoje, 34% da população brasileira e 46% da força de trabalho no país, segundo recente estudo do Itaú BBA. Convicções como o desejo de ajudar a construir “um mundo melhor” dão dicas das opções dessa geração em termos de consumo sustentável.
Mas, para alegria dos que produzem carros no Brasil, os millenials do país têm uma percepção sobre propriedade diferente da turma da mesma geração no resto do mundo. Segundo esse estudo, no Brasil, 51% das pessoas entre 21 e 38 anos disseram que ter um carro é “extremamente importante”, assim como 89% deram a mesma resposta à pergunta sobre possuir um imóvel para morar. Na mostra mundial, ter um carro e ter uma casa apareceram como fatores extremamente importantes para 15% e 40% dos millenials, respectivamente.
Como as montadoras são multinacionais, o contexto global é o que importa. O que não impede, no entanto, que em alguns mercados essas empresas possam explorar por mais tempo antigos hábitos de consumo e de transporte. É importante lembrar que a opção pelo carro, no Brasil, leva em conta não apenas o desejo de uma geração, mas também as diferenças regionais e a falta de um sistema de transporte coletivo de qualidade nos grandes centros urbanos.
Apesar da inclinação pelo carro, que ainda prevalece no Brasil, os fabricantes de veículos sabem que a mudança de hábitos é iminente. Muitos executivos não precisam sequer das pesquisas para constatar isso. Basta observar como seus filhos e sobrinhos circulam pela cidade.
Montadoras de Automóveis: entender hábitos das novas gerações publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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