sábado, 4 de maio de 2019

Seminários para Debate de um Projeto Nacional

Cristian Klein e Francisco Góes (Valor – Eu&Fim-de-Semana, 26/04/19) escreveram reportagem sobre um Seminários para Debate de um Projeto Nacional.

Brasil acima de tudo” está no bordão repisado pelo presidente da República, mas é uma casa de shows no bairro do Catete, no Rio, que tem se transformado, semanalmente, no QG da defesa de um projeto nacional — distante do ideário da nova direita bolsonarista. Em meio à onda conservadora, políticos, artistas, acadêmicos e diplomatas, reunidos no Casarão Ameno Resedá, estão se dedicando a debater o país em 36 seminários. Até dezembro de 2019, pretendem apontar rumos para a nação que, em três anos, completará o bicentenário da Independência.

É com esse marco histórico em mente que o professor e consultor Darc Costa, de 70 anos, presidente do Instituto Brasilidade, decidiu reunir um time de especialistas em diversas áreas – da infraestrutura e energia, passando por música, cinema e arquitetura, à política externa – para achar respostas ao dilema da questão nacional. Mais uma vez, a empreitada é em parceria com o amigo e economista Carlos Lessa, com quem fundou o instituto e de quem foi vice-presidente na gestão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entre 2003 e 2004.

Estudioso de questões estratégicas, Darc Costa tem como principal preocupação a retomada de um projeto nacional que, afirma, o Brasil perdeu a partir dos anos 80, mas cuja articulação depende agora de um ex-capitão do Exército. Em sua visão, Jair Bolsonaro representa uma ruptura ao predomínio do pensamento liberal paulista, vigente desde a redemocratização de 1985 e que já havia dado as cartas na República Velha, entre 1889 e 1930. “Só que Bolsonaro não tem escopo teórico para conduzir o processo. Não tem a formação, por exemplo, de um general Mourão [vice-presidente], que demonstra ser muito mais sólida”, compara.

Costa afirma que apenas quando o Brasil reconstruir o seu projeto de país, como houve entre as décadas de 30 e 80, é que haverá solução para grandes problemas, como o crescimento e a redução da desigualdade social. Cita a importância do marechal Mário Travassos (1891-1973), que escreveu quando ainda era capitão, em 1935, o livro “Projeção Continental do Brasil”, que “lastreou toda a política externa do Brasil durante cinco décadas, a partir da era Vargas”.

“O Brasil foi o país que mais cresceu nesses 50 anos. Saímos de uma posição que era a metade para quatro vezes o PIB da Argentina. Nesse período, o Brasil é uma sociedade gloriosa em termos de criação, de identidade nacional, na música – tudo. Sou de uma época em que poucos escutavam música americana. O Brasil dava certo. Mas, de lá para cá, perdemos o nosso projeto de desenvolvimento, com a volta da Velha República”, diz o conselheiro e ex-coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra (ESG).

Por “volta da Velha República”, Darc Costa refere-se ao novo liberalismo de matriz paulista que, argumenta, criou “essa dualidade PT x PSDB” e “se caracteriza pela ideia de que ao mercado tudo deve ser dado na política” – lógica que teria prevalecido mesmo nos governos petistas de Lula e Dilma: “Você acha que não? Pergunte aos bancos”.

Com a redemocratização, afirma Costa, “jogamos o projeto nacional, que era a criança, com a água para fora da bacia”. “Porque atribuímos aos militares todo o discurso de projeto nacional. Mas não era deles. Era de uma sociedade que havia feito a Semana de Arte Moderna de 1922, que havia feito entender que isso aqui não era uma barbárie”, diz.

O professor visitante do curso de pós-graduação do Instituto de Economia da UFRJ lembra que, àquela época, as famílias da elite brasileira mandavam os filhos para estudar na Europa até verem, com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que “a barbárie estava lá, com uma mortandade de 40 milhões de jovens”. “Chegou-se à conclusão de que era possível criar uma outra civilização nos trópicos, e fizeram um monte de coisas. Mas a República Velha não tinha projeto. Quem lançou as bases do projeto para uma República nova, ainda na década de 1920, foi o pessoal que antecedeu Vargas: Oswald de Andrade, Tarsila…”, diz.

Para Costa, o Brasil vive hoje um “período ainda de rearranjo desse processo”, mas é preciso saber o que colocar no lugar, em meio a pressões externas e divisões internas. A questão da identidade nacional, que forma com o tema desenvolvimento a “vertente interna” dos Seminários da Brasilidade – política externa e defesa são os temas da “vertente externa” -, é vista como fundamental.

Para Darc Costa, noções que eram centrais, como o mito da cordialidade ou de que a sociedade brasileira é tolerante, mestiça, e “que o Brasil é o país do sincretismo”, sem grande clivagem religiosa, passam por um processo de contestação. Vide a extrema polarização a partir de 2013. Por ser um construto, no entanto, a identidade nacional não subsiste se não for “permanentemente estruturada”, propõe. “É necessário dar valor a essa questão, de forma a refundá-la, porque uma sociedade sem visão própria não está destinada a ter sucesso no mundo. É o caso da China, Rússia, Alemanha, que buscam ter sua visão.”

Darc Costa defende a ideia de que o processo civilizatório se dá em torno de uma lei: a de que “toda periferia busca ser centro”, seja no plano individual, seja no coletivo. O papel dos estrategistas americanos, diz, é estender pelo maior tempo possível a supremacia dos Estados Unidos, sabendo que ela não é eterna, à luz dos exemplos históricos. A Pérsia era o centro, culta, enquanto a Grécia era periférica e bárbara; veio o tempo e a Grécia passou a ser o centro, culta, e Roma era a periferia e bárbara. Depois os árabes em relação à Península Ibérica e assim por diante. “Os Estados Unidos eram periferia no século XIX. Quem assiste aos filmes de faroeste nota como os europeus viam os americanos – como bárbaros”, diz.

A questão nacional no novo quadro político brasileiro – Se…

Costa lembra da teoria da dependência, cujo sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi um dos expoentes, para afirmar que, na verdade, o que existe é o “retardo”. “As sociedades retardatárias podem ser dependentes ou contestadoras. As dependentes nunca chegam a ser centro, só as contestadoras”, diz.

Na disputa de gigantes entre Estados Unidos e China, defende, o Brasil deve se comportar como “terceiro interessado”, sem se alinhar nem com “o lado da contestação, nem da supremacia”, sabendo que, na prática, a neutralidade não existe. Por isso, Costa não vê o alinhamento automático do governo Bolsonaro com os Estados Unidos necessariamente como um erro: “Pergunto se há alternativa”. O engenheiro de formação afirma que os governos do PT cometeram um erro de política externa ao se aproximarem de países da América Central e do Caribe, como Cuba, Nicarágua e República Dominicana, zona de influência americana. “Fazer o quê no Haiti?”, indaga. O Brasil, em suas palavras, “no momento em que cutucou, criou problema” com os Estados Unidos.

O presidente do Instituto da Brasilidade, porém, é crítico do que chama de projeto de “unificação conservadora” que estaria em andamento com a ascensão do bolsonarismo. “É um nacionalismo completamente conservador, fora de época, porque se passou a ver todos como uma coisa só.” Questionado sobre o significado do caldo político que opõe as alas militar e ideológica no atual governo, Darc Costa afirma que nem o grupo liderado pelo escritor Olavo de Carvalho acredita na guerra contra o “marxismo cultural”. Mas o discurso conservador, diz, se aproveita de um vácuo deixado pelo campo progressista, que teria passado a se preocupar demais com as pautas identitárias, das minorias.

Em sua opinião, correntes saídas do iluminismo – marxismo, positivismo, liberalismo e modernismo reacionário – estão sendo “atropeladas” por um movimento internacional de desestabilização dos Estados nacionais. No Brasil, as manifestações de 2013 teriam sido seu reflexo. “O que vemos é a esquerda indo pela fragmentação identitária e a direita pela unificação conservadora. E com isso perdemos o que de mais relevante trouxe o movimento iluminista, que é a unificação progressista, a busca do bem-estar comum”, diz.

Haveria uma inversão de prioridades, defende. “Porque você só pode resolver o discurso da minoria se você resolver a questão social. E só pode resolver a questão social se você resolver a questão nacional – porque um país dependente ou submisso não tem condição de resolver esse problema social”, diz o professor, para quem o projeto do Brasil pós-1930 “não resolveu o problema social, mas resolveu o problema do desenvolvimento”.

Intelectual ligado à ESG, Darc Costa não vê riscos à democracia com a reentrada dos militares na política, pelas mãos de Bolsonaro, que se cercou de generais no primeiro escalão. Mas ressalva: “Agora, os militares têm consciência clara de que eles precisam se afastar, porque se esse processo não der certo, eles estão conspurcando a imagem que as Forças Armadas tinham”.

Seminários para Debate de um Projeto Nacional publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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