Chris Anderson, no livro “Free: Grátis. O futuro dos preços” (Rio de Janeiro: Elsevier/Campus, 2011), afirma: “existem inúmeros outros casos exatamente como esse on-line, onde praticamente tudo é oferecido de graça em alguma versão com a esperança de vender alguma coisa – ou, com ainda mais frequência, sem qualquer expectativa de pagamento”.
Ele diz estar digitando estas palavras em um computador “netbook” de $250. Este é a nova categoria de laptop de maior crescimento. O sistema operacional é uma versão do Linux, gratuito, embora isso não faça diferença, porque não rodo programa algum além do Firefox, um navegador da Web gratuito. Não está usando o Microsoft Word, mas sim o Google Docs, gratuito. Ele tem a vantagem de disponibilizar seus rascunhos onde quer que ele esteja e não tem de se preocupar em fazer back-up, porque o Google cuida disso. Todo o resto feito neste computador é de graça, desde seu e-mail até seu blog no Twitter. Até o acesso sem fio é grátis, graças ao café onde está.
No entanto, o Google é uma das empresas mais lucrativas dos Estados Unidos, o “ecossistema Linux” é uma indústria de $30 bilhões e o café parece estar vendendo cappuccinos de $3 mais rapidamente do que consegue prepará-los.
Aqui reside o paradoxo do Grátis: as pessoas estão ganhando muito dinheiro sem cobrar nada. Não nada por tudo, mas nada pelo suficiente para criarmos uma economia tão grande quanto a de um país de tamanho razoável a um preço em torno de $ 0,00. Como isso aconteceu e para onde nos levará?
Essa é a questão central deste livro.
Para Chris Anderson, tudo começou com um detalhe não explicado em A Cauda Longa. Seu primeiro livro foi sobre a nova forma da demanda do consumidor, quando tudo está disponível e podemos escolher de uma prateleira infinita, em vez de nos limitarmos ao mostruário dos campeões de vendas.
O abundante mercado da cauda longa foi possibilitado pelo ilimitado “espaço de prateleira” da Internet. Este é o primeiro sistema de distribuição da história tão apropriado para os nichos quanto para os mercados massivos, tanto para o obscuro quanto para a tendência dominante. O resultado foi o nascimento de uma nova cultura radicalmente diversificada e uma ameaça às instituições da cultura existente, da mídia de tendência dominante às gravadoras.
Só existe um modo de ter espaço de prateleira ilimitado: se esse espaço não custar nada. Os “custos marginais” praticamente inexistentes da distribuição digital (isto é, o custo adicional de enviar mais uma cópia além dos “custos fixos” do hardware com o qual isso deve ser feito) nos permitem uma utilização indiscriminada – nenhum guardião é necessário para decidir se algo merece alcance global ou não.
Dessa competição aberta a todos, surgiu o milagre da Web atual, o maior repositório de conhecimento, experiência e expressão humana já visto pelo mundo. Então, esse é o poder do espaço de prateleira gratuito.
Enquanto Anderson se maravilhava com as consequências, começou a pensar mais sobre o Grátis e percebeu até onde o fenômeno se espalhara. Isso explicava não apenas a explosão de variedade on-line, como também a precificação on-line.
Além disso, esse “grátis” não era apenas um artifício de marketing como as amostras grátis e os brindes no varejo tradicional com os quais estamos acostumados. Esse grátis parecia vir sem qualquer restrição: não era apenas uma isca para uma venda futura, mas algo oferecido verdadeiramente de graça.
A maioria de nós depende de um ou mais serviços do Google todos os dias, mas isso nunca é cobrado em nossos cartões de crédito. Não existe contador medindo sua utilização do Facebook. O Wikipedia não custa nada.
O Grátis do século XXI é diferente do Grátis do século XX. Em algum ponto na transição de átomos a bits, um fenômeno já conhecido se transformou. O “grátis” se transformou no Grátis.
Com certeza, os economistas devem ter algo a dizer a respeito. Mas Anderson não conseguiu encontrar nada. Nenhuma Teoria da Gratuidade ou Modelos de Precificação do Zero. (Para ser justo, existem alguns estudos, como pesquisas posteriores viriam a revelar. Mas são, em sua maior parte, obscuras discussões acadêmicas de “mercados de dois lados” e, como é visto no capítulo sobre Economia, teorias do século XIX praticamente relegadas ao esquecimento.) De alguma forma, uma economia surgiu em torno do Grátis antes de algum modelo econômico descrevê-lo.
Eis a razão deste livro, a exploração de um conceito no centro de uma evolução radical. Como Anderson viria a descobrir, o Grátis é um conceito ao mesmo tempo familiar e profundamente misterioso. Esse conceito é tão poderoso quanto incompreendido.
O Grátis surgido na última década é diferente do Grátis vindo antes, mas o como e o porquê raramente são explorados. Além disso, o Grátis de hoje está cheio de contradições flagrantes: é possível ganhar dinheiro dando coisas de graça. O almoço grátis não é uma mera abstração. Algumas vezes, você recebe mais do que paga.
Este livro se baseia mais em histórias e narrativas e é tanto sobre o passado do Grátis como sobre seu futuro. Suas pesquisas lhe levaram tanto a arquivos e textos de Psicologia do século XVIII como aos mais recentes fenômenos na Web. E então ele se viu praticando uma modalidade mais tradicional de escrita. Ela envolve estudo e elaboração solitária do texto com fones de ouvido em uma loja da Starbucks.
Quando não estava escrevendo, ele estava viajando, conversando com as pessoas sobre o Grátis. Descobriu a ideia de poder criar uma enorme economia global em torno do preço-base zero ser invariavelmente controversa, mas um fator em comum era praticamente todo mundo ter suas dúvidas.
Correndo o risco de ser acusado de preconceito com base na idade, deparou com dois grupos de céticos: as pessoas com mais de 30 anos e aquelas com menos de 30 anos. Os críticos mais velhos cresceram com o Grátis do século XX e tinham motivos para suspeitar: com certeza, o “grátis” não é grátis – nós pagaremos por isso mais cedo ou mais tarde. Isso não só não é novidade alguma, como é o artifício de marketing mais antigo da história. Quando você ouvir a palavra “grátis”, segure sua carteira.
Os críticos mais jovens tiveram uma reação diferente: “E…?” Essa é a Geração do Google e eles cresceram on-line presumindo tudo digital ser grátis. Eles internalizaram a dinâmica de mercado sutil da economia do custo marginal quase inexistente, da mesma forma como nós internalizamos a mecânica newtoniana quando aprendemos a pegar uma bola. O fato de estarmos criando uma economia global em torno do preço zero parecia tão óbvio que mal chegava a ser notado.
Diante disso, Anderson percebeu esse ser um tema perfeito para um livro. Qualquer tema capaz de dividir igualmente os críticos em dois campos opostos – “totalmente errado” e “tão óbvio” – precisa ser bom. Espera as pessoas leitoras deste livro, mesmo se começarem em um desses campos, não acabem em qualquer um deles.
O Grátis não é novo, mas está mudando. E isso está acontecendo de maneiras a nos forçar a repensar algumas de nossas premissas mais básicas em relação ao comportamento humano e aos incentivos econômicos.
As pessoas ao compreenderem o novo Grátis dominarão os mercados de amanhã e abalarão os mercados de hoje – na verdade, elas já estão fazendo isso. Este livro é sobre elas e sobre o que elas estão nos ensinando. É sobre o passado e o futuro de um preço radical.
Free: Grátis. O futuro dos preços publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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