segunda-feira, 6 de maio de 2019

Portabilidade de Crédito e Open Banking: Bancos X Fintechs

A portabilidade de crédito foi regulamentada pelo Banco Central por meio da resolução 4.292, publicada em 20 de dezembro de 2013. De acordo com a norma, o devedor é quem pode solicitar a portabilidade de operações de crédito pessoal, consignado do INSS, público e privado, CDC de veículos e crédito imobiliário.

Com a transferência, a taxa de juro pode sofrer alterações, mas o valor e o prazo do contrato novo não podem ser superiores ao saldo devedor e ao prazo remanescente da operação de crédito objeto da portabilidade na data da transferência de recursos. Caso o valor da prestação fique maior que o original, a instituição a receber a portabilidade deve obter do devedor a manifestação formal e específica de sua concordância com o aumento do valor da prestação.

Ainda segundo a norma, nenhuma tarifa pode ser cobrada do cliente. Esse é um custo a ser assumido pela instituição financeira que estiver recebendo o crédito. O prazo para conclusão de uma portabilidade é de até cinco dias úteis. O devedor pode desistir da portabilidade em até quatro dias úteis, desde que a instituição financeira a receber a portabilidade não tenha remetido o pagamento à instituição credora original.

Fabio Graner (Valor, 02/05/19) informa: o Ministério da Economia quer ampliar a concorrência no sistema financeiro e tem recebido representantes não só dos bancos, mas também de empresas de tecnologia financeira, as fintechs, para discutir possíveis medidas nessa direção. Uma das ideias trazidas ao governo por representantes do setor privado e que conta com simpatia de setores da equipe econômica é buscar reduzir os custos e estimular a portabilidade do crédito.

A visão é que o mecanismo no setor financeiro não tem a mesma eficácia que no mercado de telecomunicações, onde as pessoas pedem para trocar de operadora com muita facilidade. No caso do crédito, a reclamação do setor privado com eco dentro do governo é o sistema de portabilidade ter uma série de “pegadinhas” que acabam desestimulando o uso do mecanismo.

Um dos problemas identificados e relatados por representantes privados ao governo é hoje os clientes terem de procurar as alternativas mais baratas e tentar fazer a portabilidade. Só que, explicam, como o banco originador do crédito tem vantagens informacionais e pode, além disso, cobrar a instituição concorrente pelo custo de ter gerado o crédito, a operação muitas vezes se torna proibitiva.

Segundo uma fonte, o ideal é que, com o cliente autorizando a disponibilidade de seus dados e sem esse tipo de custo na operação, os bancos e outros agentes financeiros possam oferecer alternativas mais baratas de financiamento para as pessoas conseguirem fazer a portabilidade. Além disso, poderia se ter, como no sistema de telefonia, a possibilidade de, uma vez tomada a decisão de mudar a operação de crédito de um banco para outro, esse processo ser todo realizado pela instituição nova, sem o cliente ter de fazer mais nada além de dar seu aval à mudança.

Mexer com a estrutura concorrencial do sistema financeiro é tarefa complexa. Embora o Ministério da Economia esteja analisando a questão, o assunto é tema que vem sendo tocado pelo Banco Central (a quem cabe zelar pela saúde do sistema), desde a gestão Ilan Goldfajn, por meio da “Agenda BC+”.

O crescimento na disputa no mercado de meios de pagamento (“maquininhas”) é visto como resultado desse tipo de ação, embora as fintechs estejam levando ao governo a demanda de promover mais transparência no mercado de pagamentos, permitindo empresas terem condições melhores para comparar os custos de diferentes fornecedores desse tipo de serviço. Hoje os dados são opacos para o cliente comparar e, muitas vezes, em especial no caso dos pequenos empresários, há dificuldade de se saber o que efetivamente foi pago.

Recentemente, a autoridade monetária divulgou comunicado que foi visto como um alento para quem espera aumento na concorrência. Trata-se do chamado “open banking” (sistema financeiro aberto), um conceito capaz de permitir amplo compartilhamento de dados dos clientes. Ele deve facilitar a portabilidade de produtos e serviços entre as instituições. Em tese, o instrumento deverá se traduzir em redução de custos para os clientes.

No âmbito do Ministério da Economia, apesar de alguns integrantes terem simpatia por ideias como o aperfeiçoamento das regras da portabilidade de crédito, a atuação em favor de mais concorrência está em fase inicial. Por ora, tem-se um diagnóstico de que o setor financeiro, com o advento das fintechs, pode estar passando por um processo de destruição criativa. Esta terá impactos fortes em sua concorrência. “Temos que observar até onde vai isso”, disse uma fonte oficial.

Também em nível preliminar, há avaliações de o maior problema não estar na regulação feita pelo BC, mas em muitas práticas do mercado. Elas podem ser confrontadas por meio de ações conjuntas envolvendo o Ministério da Economia e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Uma das condutas que mais preocupam são algumas “vendas casadas“, facilitadas pelas estruturas bastante verticalizadas dos grandes bancos.

Isabel Versiani (Valor, 02/05/19) informa: empresas de tecnologia do setor financeiro (fintechs) e bancos avaliaram as linhas gerais da proposta de regulamentação do “open banking” divulgada pelo Banco Central. Elas apontam para um modelo com estímulo importante e positivo à competição e assegura ao cliente poder no uso dos seus dados bancários, em linha com o que está sendo feito mundialmente na área.

Entretanto, a expectativa é a fase de consulta pública e de autorregulação ainda gerar muita discussão e potenciais embates, com as novas fintechs pressionando para ter acesso facilitado e o mais abrangente possível aos bancos de dados de clientes das grandes instituições.

A ABFintechs compara a transformação potencial trazida pelo open banking ao mercado bancário àquela imposta pelo Plano Real. Obrigou os bancos a se adaptarem às mudanças trazidas pelo controle inflacionário. Agora, o ajuste será a um cenário onde os clientes passam a controlar o uso que pode ser feito de seus dados.

É um novo ciclo do sistema financeiro e os players vão ter de se adaptar de forma muito segura. Na fase de estruturação do modelo as instituições menores estarão atentas ao acesso efetivo aos dados e à forma como serão tratadas pelos bancos grandes.

No open banking, os bancos ficam obrigados a disponibilizar a terceiros informações sobres seus clientes, quando autorizados por eles, por meio dos APIs, interfaces de programação digital. O Banco Central informou: levará à consulta pública, no segundo semestre deste ano, minutas para a regulamentação do sistema, com a definição de detalhes do escopo, abrangência, sistemática de controle interno e de responsabilidades do modelo.

As próprias instituições ficarão responsáveis por definir, em autorregulação, questões como:

  1. a padronização tecnológica,
  2. os procedimentos operacionais e
  3. os certificados de segurança.

Nesse aspecto, o desenho se assemelha ao modelo adotado pela Europa para o open banking, onde o mercado ficou mais livre para definir a padronização das APIs.

O BC deixou claro: também poderá intervir nesse processo para garantir acesso não discriminatório e a representatividade dos segmentos participantes. O Banco Central vai estar ali funcionando com um bedel, ouvindo as reclamações de lado a lado e funcionando como um elemento harmonizador.

Para a Associação Brasileira de Bancos (ABBC), o fato de o compartilhamento de informações começar de forma obrigatória apenas para as instituições de maior porte, conforme os parâmetros divulgados pelo BC, dará tempo ao mercado de se adaptar às novas regras. A sociedade também precisará passar por fase de “aculturação” em que se acostumará a ver seus dados bancários transitando entre diferentes instituições.

Quando as pessoas perceberem isso gerar mais concorrência e custos menores, naturalmente perderão o receio de dividir seus dados. Sobre o escopo de serviços e produtos a serem compartilhados, ainda é cedo para saber se o que foi divulgado pelo BC está adequado e quais ajustes podem ser feitos ao longo do processo de consulta pública, quando se darão os debates mais profundos.

O BC informou: em um primeiro momento, apenas os bancos maiores – dos segmentos prudenciais S1 e S2 – serão obrigados a compartilhar dados no modelo de open banking. Eles terão de disponibilizar, em ordem cronológica de implementação, informações sobre os produtos e serviços oferecidos e também dados cadastrais e depois transacionais dos seus clientes, caso eles assim autorizem. Isso inclui informações sobre as contas correntes, operações de crédito, aplicações e seguros. O BC diz as demais instituições reguladas poderem ser incorporadas ao sistema no futuro.

A implementação começará no segundo semestre de 2020 e acontecerá de forma gradual, seguindo cronograma ainda a ser definido.

O processo culminará com a introdução de um sistema que assegure a interoperabilidade dos meios de pagamento de todas as instituições reguladas, de forma simultânea. Essa segunda perna do open banking vai viabilizar os consumidores realizarem operações como transferência de recursos, compras ou contratação de crédito em outras instituições sem ter de acessar diretamente o site do seu banco de origem.

A Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD), representante das fintechs de crédito, diz o impacto do open banking para o consumidor é comparável ao provocado pelas mudanças regulatórias que favoreceram a competição no mercado de cartões. Se há dez anos só havia duas empresas operando no país – Cielo e Rede – e os custos eram elevados, o cenário hoje é de proliferação das “maquininhas”, com redução contínua das taxas cobradas dos lojistas.

Da mesma forma, o open banking trará juros menores e mais alternativas de investimento. A sociedade terá mais opções. A concorrência vai se acirrar não apenas por causa do ganho de competitividade de fintechs, mas também pela disputa mais acirrada entre os maiores bancos tradicionais, cujos clientes ganharão flexibilidade para buscar serviços e produtos em outras instituições.

Em comunicado sobre o tema divulgado no dia 24 de abril de 2019, o BC informou: em um primeiro momento, só ficarão obrigados a participar do open banking os bancos classificados como S1 e S2, com maior participação de mercado. “Essa obrigatoriedade poderá ser estendida às demais instituições, a critério do Banco Central do Brasil”, informou.

Ficaram de fora, nesse primeiro momento, as instituições de pagamentos. Estas incluem credenciadoras de cartões e fintechs como o Nubank. Se, por um lado, essas instituições vão deixar de ter barrado o acesso a dados dos bancos, por outro, o regulador deu a elas mais tempo para se desenvolver sem expor suas bases de clientes a concorrentes. A inclusão dessas empresas na regra era uma demanda dos bancos.

Os serviços de pagamentos, transferências de fundos, pagamentos de produtos e serviços serão contemplados pelo open banking. A ideia do BC é a implementação desses serviços ser simultânea por todas as instituições autorizadas. Ainda não está definido, porém, quando isso deve começar a acontecer.

O BC também prepara o mercado para o desenvolvimento de um sistema de pagamentos instantâneos. O escopo é exatamente o que vai causar mais impacto positivo no mercado.

O BC informou também: vai ficar a cargo das instituições participantes iniciativas de autorregulação para a padronização tecnológica e de procedimentos operacionais, certificados de segurança e a implementação de interfaces. Havia uma discussão sobre:

  • se o ideal seria o regulador criar um padrão único para as APIs (a interface que permite a uma instituição puxar dados de outra), de forma a reduzir custos para fintechs, ou
  • se seria melhor os bancos e as empresas desenvolverem suas próprias soluções.

Ainda há duvidas sobre como isso será feito. Também não há clareza sobre como os dados serão compartilhados, se por meio de plataformas centralizadas ou acordos bilaterais. O comunicado mostra que o regulador está propondo inovar, mas sem rupturas com o mercado.

Portabilidade de Crédito e Open Banking: Bancos X Fintechs publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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