Estevão Taiar e Alex Ribeiro (Valor, 24/06/2020) informam: o Banco Central anunciou, no dia 23/06/20, um programa de direcionamento de crédito para as pequenas e médias empresas (PMEs) com potencial de liberar R$ 212 bilhões. Entre as diversas medidas para fazer o crédito chegar à ponta, a autoridade monetária ameaça punir com corte de remuneração de compulsório os bancos que não direcionarem recursos dos encaixes da poupança para as companhias do segmento.
Em entrevista coletiva, o BC detalhou ainda as regras de compra de títulos privados no mercado secundário. Segundo a autoridade, a medida vai provocar um aumento do déficit primário do setor público. Isso significa que essas operações vão competir por espaço fiscal com todos os gastos orçamentários.
“Sempre que o Banco Central comprar um real de debêntures no mercado secundário, isso vai impactar a dívida líquida e o resultado primário do governo geral”, disse o diretor de política monetária da instituição, Bruno Serra Fernandes. “A contabilidade pública é assim. O BC faz parte do setor público. Então, quando compra um ativo privado, aquilo vira déficit primário. Assim, quando eventualmente vender esse ativo, tem impacto oposto, um superávit.”
Isso significa que, sob o ponto de vista do resultado primário, o gasto a ser feito pelo Banco Central com a compra de títulos privados tem o mesmo peso que, por exemplo, o pagamento do auxílio emergencial ou transferências do Bolsa Família. A diferença é essas despesas serem contabilizadas no Orçamento aprovado pelo Congresso, enquanto a compra do título privado é uma decisão apenas do Banco Central, usando uma prerrogativa que foi conferida por uma Emenda Constitucional.
Em economias desenvolvidas, compras semelhantes de títulos são consideradas apenas operações monetárias porque, em geral, o banco central é considerado um ente privado. O BC afeta o resultado primário quando têm prejuízo coberto pelo Tesouro. No Brasil, o BC faz parte do setor público consolidado.
O Banco Central baixou uma circular estabelecendo as regras para a compra de títulos privados. Entre outros requisitos, há um limite de 7,5% por emissor, o prazo dos papéis não pode ser menor do que 12 meses e deverá haver registro em depositário central autorizado pelo Banco Central.
Questionado sobre como serão feitas eventuais intervenções, Campos Neto disse, por ora, ter sido definida apenas regras gerais, mas a efetiva compra de papéis dependerá de decisão da diretoria colegiada. Ele não detalhou se as condições atuais de mercado já exigiriam compras ou se essas intervenções só seriam feitas em período de estresse de mercado.
O Banco Central resolveu ainda fazer um pacote de direcionamento de crédito para as pequenas e médias empresas porque, depois de um bom desempenho em março e abril, o mercado de crédito deu “sinais de arrefecimento” em maio, de acordo com o presidente do BC, Roberto Campos Neto.
Números apresentados por Campos mostram: os novos empréstimos desde a segunda quinzena de março somam R$ 47,6 bilhões no caso das micro e pequenas e R$ 61,2 bilhões no caso das médias – em ambas as situações, um patamar muito menor do que os R$ 274,1 bilhões direcionados às grandes companhias. “Especialmente o crédito para o segmento de micro, pequenas e médias empresas precisa de novo impulso”, disse o presidente do BC.
Em uma das frentes, a autoridade monetária vai liberar R$ 55 bilhões em recursos dos compulsórios sobre caderneta de poupança para os bancos emprestarem para as PMEs. O mecanismo vem com uma punição para os bancos que não sacarem para empréstimos pelo menos um terço dos recursos. Na prática, essas instituições vão perder remuneração sobre compulsórios. Os bancos públicos deverão ser mais afetados pela medida, porque a Caixa é especializada na captação de poupança para financiamentos imobiliários e o Banco do Brasil na poupança rural para financiamentos agrícolas.
O diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do BC, João Manoel Pinho de Mello, argumentou, apesar da ameaça de corte de remuneração de compulsórios, os bancos não estariam obrigados a fazer operações de crédito que não desejam. Ele lembrou que o mecanismo permite que recursos sejam destinados a aplicações em Depósitos a Prazo com Garantia Especial (DPGE) de instituições de menor porte.
Uma outra medida prevê que as cooperativas de crédito e outras instituições financeiras de pequeno porte, do chamado segmento S5, terão redução temporária de requerimento de capital, com potencial de liberar R$ 16,5 bilhões em concessões de crédito.
Além disso, o BC reduziu de 50% para 35% o Fator de Ponderação de Risco (FPR) nas exposições de Depósitos a Prazo com Garantia Especial (DPGE). A medida vale para os depositantes associados ao Fundo Garantidor de Crédito (FGC) e pode liberar até R$ 12,7 bilhões em empréstimos.
A mudança com maior potencial, entretanto, foi um novo tratamento de crédito tributário por diferenças temporais para canalizar recursos para o capital de giro de micro, pequenas e médias empresas. O Capital de Giro para Preservação de Empresas (CGPE) tem potencial de liberar R$ 127 bilhões, segundo a autoridade monetária.
A medida, elaborada com a ajuda da Receita Federal, funciona como uma “otimização do uso de capital” e será baseada na transferência de capital de um tipo de ativo chamado “ativos decorrentes de diferenças temporárias”.
“O governo aceita melhorar a qualidade desses ativos decorrentes de diferenças temporárias desde que os bancos concedam empréstimos para micro, pequenas e médias empresas”, disse Campos.
Cálculos apresentados pelo presidente do BC mostravam que, nas condições atuais, os R$ 127 bilhões potenciais do CPGE consomem R$ 105 bilhões de capital, em provisões para passivos contingentes. “Esses mesmos R$ 127 bilhões se estivessem aplicados em operações de crédito a micro, pequenas e médias empresas consumiriam R$ 11 bilhões de capital”, disse.
Os empréstimos do CPGE poderão ser contratados até 31 de dezembro, com prazo mínimo de três anos, além de carência de capital de seis meses. A instituição financeira que conceder o empréstimo ficará com o risco integral.
Ana Paula Ragazzi (Valor, 24/06/2020) informa: o Banco Central anunciou as regras para sua eventual atuação na compra de títulos no mercado secundário de crédito privado. A medida foi aprovada pelo Congresso em maio de 2020 e pode ser usada em estado de calamidade pública nacional, como o atual, pela pandemia.
O BC não divulgou um tamanho para o programa. A única sinalização nesse sentido, veio na definição de limites de rating para os papéis que poderão compor a sua carteira – os limites só passam a contar quando ela superar R$ 1 bilhão. “Essa sinalização, na escala do bilhão, é importante, mostra, a princípio, que ele não quer fazer intervenções pequenas. É uma mensagem importante para o mercado de crédito”, diz.
Ele acrescenta que havia dúvidas sobre se o BC usaria a medida como instrumento de política monetária, interferindo nos spreads; ou se pretendia atuar somente em momentos de estresse e falta de liquidez. Pelo teor da medida, ele vai atuar só em momento de disfunção de liquidez e deixar o mercado definir o nível das taxas. Se houver um problema, como o de março, ele pode entrar. E O Mercado agora sabe que tem a quem recorrer.
Ao apresentar as medidas, o BC destacou: a atuação deve se concentrar em debêntures, que atendem aos critérios previstos pela emenda constitucional de rating e precificação por Anbima e B3. O BC pontuou que, há cerca de dois anos, quando o mercado de capitais passou a absorver essas operações, concentradas em grandes empresas, com bons ratings, os spreads começaram a cair em cadeia. Isso aconteceu porque os bancos passaram a atender as empresas de pequeno e médio porte.
O objetivo do BC é desenvolver esse mercado e ter um instrumento de atuação para poder intervir e evitar que esses spreads abram demais, como se viu no início da pandemia. Em março, por conta de resgates dos fundos de crédito e da falta de liquidez dos papéis no secundário, títulos de empresas AAA foram negociados a CDI + 4% ou 5%, um patamar que era das médias. E o crédito para as pequenas ficou tão alto, que desapareceu. Por isso o BC entende que se der liquidez ao mercado e evitar que as taxas subam para as grandes, pode interferir nessa cadeia de precificação. Uma eventual intervenção do BC será definida pelo seu colegiado e feita em leilões públicos.
A questão agora é que, nos últimos meses, esse mercado já se acomodou, por isso há algum questionamento se o BC deveria ou não intervir. Não teria sentido aprovar a medida e não fazer nenhum leilão. Só não se sabe a eficácia nesse momento, porque o mercado se equilibrou. Depois daquela paúra inicial, a grande maioria dos papéis já está na base de CDI + 3% ou abaixo. Os resgates continuam, mas em velocidade menor, o que ajuda a equilibrar o mercado.
O Mercado hoje está funcional, embora com uma assimetria de preço positiva para o investidor. Do ponto de vista de mercado, ele vai se corrigir sozinho, e o BC não precisa entrar, embora a atuação pudesse acelerar o processo. Mas, do ponto de vista da economia brasileira, o BC precisa entrar para interferir na precificação da cadeia de crédito e fazer com que ele volte a chegar para as pequenas e médias.
Se o BC já tivesse esse instrumento disponível em março, o mercado não teria se deteriorado tanto e o crédito não teria secado paras as menores. O CDI + 3% ainda é muito alto para uma empresa AAA.
Não se trata de ajudar os fundos ou os cotistas, pois aqueles que resgataram, já ficaram com as perdas.
O BC colocou limites de concentração em sua eventual carteira para o montante total de ativos com base nos ratings conferidos por pelo menos uma das três maiores agências internacionais. A concentração em ativos AAA poderá chegar a 100% da carteira Para notas AA+, AA ou AA-, esse percentual cai para 65%. Depois, para ativos A+, A ou A- o limite fica em 20%; e cai para 10% nos papéis BBB+, BBB, BBB-, BB+, BB, BB-. O BC também definiu limites para concentração por emissor, de 7,5% da carteira; e para as séries emitidas: 25%.
O BC criou um modelo de concentração semelhante ao utilizado nos Fundos de Crédito Privado. As regras sinalizam que ele não quer ajudar nenhuma empresa ou emissão específica, mas manter uma carteira pulverizada. A possibilidade de atuação do BC poderá atrair o investidor de volta aos fundos de crédito privado.
Se houver piora nas condições, com aumento de incerteza, agora tem um player grande para dar liquidez ao segmento. Nos Estados Unidos, a atuação do BC apaziguou os spreads e destravou as emissões no mercado primário.
Ribamar Oliveira (Valor, 24/06/2020) informa: a compra e venda de títulos privados pelo Banco Central, detalhadas pela instituição, resultarão em “vazamento” fiscal das medidas de combate à pandemia deste para o próximo ano, segundo avaliação feita por técnicos.
Isso ocorrerá porque, ao comprar um título privado, o BC terá que computar a operação como despesa, o que aumentará o déficit primário deste ano. Se o BC vender os títulos que comprou somente em 2021, ele irá contabilizar a operação como receita, o que diminuirá o déficit primário do próximo ano.
O resultado primário de 2021 ficará, portanto, “contaminado” pela medida de estímulo econômico adotada pelo governo neste ano. Vai dar um problemão na série (de déficit primário), se eles comprarem os títulos este ano e só venderem no ano seguinte.
A rigor, os resultados primários do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) em 2020 e em 2021 serão imprevisíveis, pois tudo dependerá do valor dos títulos que o BC comprará e venderá. Se ele comprasse e vendesse os títulos no mesmo ano, o impacto no resultado primário seria a diferença entre o valor de compra e de venda.
A metodologia de contabilização das operações de compra e venda de títulos privados não é uma inovação brasileira, ou seja, não é uma “jabuticaba”. Ela consta do manual do Fundo Monetário Internacional (FMI), de 1986, para cálculo da necessidade de financiamento do setor público (NFSP), que vem sendo adotado pelo governo brasileiro há muito tempo.
Como o BC vai comprar um ativo privado de risco elevado, o risco será inteiramente da União. Com a compra, ele injetará recursos na economia. Ao mesmo tempo, ele terá de lançar títulos no mercado para enxugar o excesso de liquidez, ou seja, vai fazer uma operação compromissada.
Ao lançar os títulos, o BC aumentará a dívida pública bruta. Aumentará também a dívida líquida, pois, como comprou um ativo de risco elevado a ser assumido pela União, ele não pode contabilizar o ativo como contrapartida à emissão dos títulos.
A contabilidade utilizada para a compra e venda dos títulos privados é a mesma usada para o programa de crédito direcionado à folha de pagamento das empresas (Fopa), outra medida adotada pelo governo de ajuda às empresas e preservação dos empregos na pandemia. Todo o valor do crédito a ser concedido será lançado como despesa primária, pois a União não sabe quanto retornará aos cofres do Tesouro, porque assumiu o risco do crédito.
O BC discutiu a metodologia a ser usada para a contabilidade da compra e venda dos títulos com a área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU), segundo fonte oficial.
Ana Paula Ragazzi (Valor, 24/06/2020) informa: ao anunciar as regras de atuação no mercado secundário de crédito privado, o Banco Central destacou ter adotado “uma série de previsões” para dar preferência às operações com ativos emitidos por microempresas e empresas de pequeno e médio portes. No entanto, especialistas avaliam que essa atuação não terá efeito, uma vez que esse perfil de empresas não acessa hoje o mercado de capitais.
A circular do BC define microempresa como aquela com receita operacional bruta anual menor que R$ 360 mil. A pequena está situada entre R$ 360 mil e R$ 4,8 milhões. A média, entre R$ 4,8 milhões e R$ 300 milhões. Para ser elegível à atuação do BC, a precisa, pelo menos, de rating “BB-”.
Quem tem rating são as grandes, nenhuma pequena ou micro empresa contrata isso porque custa muito caro. Elas também não têm papéis precificados via Anbima ou B3. É difícil algum ativo desse grupo se enquadrar nessa resolução. Talvez apenas para as médias haja um gama um pouco maior.
Existem poucas empresas pequenas e médias com rating ou debêntures emitidas, mas o desenvolvimento do mercado de capitais nesse segmento teve efeito positivo para reduzir o spreads das companhias de todos os portes.
O mercado de capitais no Brasil está apenas começando. Sempre começa pelas maiores. É provável, se o mercado continuar funcionando da forma como vinha nos últimos anos, as pequenas vão começar a acessar os investidores. Hoje, ele está mais concentrado nas maiores. De um mercado de debêntures de R$ 500 bilhões, apenas 3% das emissões têm rating de “BBB” para baixo; ou seja, são dominadas por grandes empresas “AAA” ou “AA”.
O BCB não respondeu especificamente porque a normatização fala na preferência a pequenas e médias, uma demanda do Congresso ao aprovar a emenda constitucional – a medida não vale somente para a crise atual.
As medidas do BC foram positivas, pois darão mais segurança a esse mercado, uma vez que combaterão a disfuncionalidade vista recentemente. A questão do rating ajuda no convencimento dos emissores da importância de ter essa nota. Primeiro, porque os próprios investidores vão pedir o rating aos emissores. Segundo, os papéis dos emissores que tiverem o rating vão estar mais protegidos porque agora têm um player novo ajudando na liquidez em momentos de estresse.
O maior desafio para as emissões de pequenas e médias empresas é ter um ativo negociável. No fim do dia nem todo papel de dívida tem rating, isso é mais característico de debêntures. Como o banco vai empacotar isso? Poderá significar o aumento do custo para as pequenas acessarem o mercado, se forem obrigadas até mesmo pelos investidores, a contratar o rating.
Essas debêntures de empresas de médio porte costumam ser encarteiradas pelos bancos. Como nesse papel não há IOF, acaba sendo praticamente um crédito bancário, mais barato. Em tese, nas condições de hoje, quando esses papéis não estão no mercado, a compra pelo BC tende apenas a aliviar as carteiras dos bancos.
O BC têm reforçado: a atuação em papéis das grandes no secundário, em tese, terá o poder de reduzir as taxas de toda a cadeia de crédito, por isso elas seriam também beneficiadas.
Segundo a norma, a preferência dada nos limites aplicados à carteira do BC em relação às classes de risco dos ativos não serão observados para ativos emitidos por essas empresas; será menos restritiva a limitação aplicável à série de ativo em mercado; e, na apuração das ofertas públicas, em leilão, os ativos emitidos por tais empresas terão preferência como critério de desempate na seleção das propostas.
Programa de Direcionamento de Crédito para PMEs e Recompra de Debêntures para Grandes Empresas publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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