Sérgio Tauhata (Valor, 26/06/2020) informa: o mercado financeiro e a economia real vivem um momento de desconexão, aponta o Fundo Monetário Internacional (FMI) em sua atualização do divulgada no dia 25 de junho [download abaixo]. De acordo com o diretor do departamento de mercado de capitais e monetário do órgão, Tobias Adrian, e do diretor associado Fabio Natalucci, uma reversão súbita do otimismo atual dos investidores diante de um agravamento da crise pode amplificar os riscos à retomada da atividade.
Os investidores têm mantido um grande apetite ao risco e “parecem estar apostando em um apoio forte e duradouro dos bancos centrais que irá sustentar uma rápida recuperação, ainda que os dados econômicos apontem para uma recessão mais profunda que a esperada”, avaliam. Os especialistas compararam a situação a um cabo de guerra entre mercados e o mundo real.
O problema, alerta a dupla, é as incertezas sobre o cenário da pandemia ainda estarem muito altas. Inúmeros fatores poderiam levar a uma frustração das expectativas de investidores, o que amplificaria os riscos à própria recuperação econômica após a pandemia, se ocorrer uma grande correção nos preços de ativos.
Segundo Adrian e Natalucci, “a recessão pode ser mais profunda e longa do que a antecipada atualmente pelos investidores”. Além desse cenário, os diretores do FMI alertam para uma eventual possibilidade de ocorrer uma segunda onda de infecções pelo coronavírus e, como consequência, trazendo mais medidas de contenção.
Tensões geopolíticas e uma disseminação de uma inquietação social em resposta ao aumento da desigualdade podem levar a uma reversão do atual sentimento dos investidores. “E finalmente, as expectativas sobre a extensão do suporte dos BCs globais podem se revelar excessivamente otimistas, levando os investidores a reavaliar o apetite e a precificação do risco.”
Com o otimismo injetado pelos BCs globais, que já expandiram os balanços em mais de US$ 6 trilhões, o mercado acionário voltou a passar por um rali, após as fortes quedas de fevereiro e março. Segundo os economistas do FMI, os níveis de preços voltaram aos vistos em janeiro, enquanto os spreads de crédito reduziram significativamente.
Os principais bancos centrais têm contribuído para o afrouxamento das condições financeiras com medidas como cortes de juros, compras de ativos, linhas de swap cambiais e facilidades de crédito e liquidez. “A rápida e sem precedente ação dos BCs tem restaurado a confiança e impulsionado a tomada de risco pelos investidores, incluindo nos mercados emergentes, onde as compras de ativos têm se expandido.” No agregado, os fluxos de investimentos em portfólios têm se estabilizado e “alguns países [emergentes] já experimentam entradas líquidas modestas”.
Apesar da inclinação ao risco dos investidores, Adrian descartou a formação de bolhas. “Não vejo sinais de bolhas de ativos neste momento, mas vemos os ‘valuations‘ esticados”, afirmou o diretor do FMI, durante a coletiva para divulgação do relatório.
Na visão do economista, a precificação do risco parece estar “além dos fundamentos, simplesmente pela expectativa de ação dos BCs”. Adrian citou os spreads no mercado de dívida, que “estão no momento muito estreitos”, apesar do choque econômico. Adrian ponderou, no entanto, que, em uma situação de piora da crise, “os BCs têm muito poder de fogo e podemos esperar que vão reagir”.
Uma próxima ferramenta que tende a ser adotada pelos BCs globais, segundo o diretor do FMI, deve ser o controle de curva de yield. “Com essa ferramenta, os BCs podem ter mais controle sobre os juros longos e mais diretamente sobre os custos de empréstimos do que com as ferramentas normais de política monetária, que miram taxas de curto prazo.” Segundo Adrian, o efeito colateral a ser monitorado pelas autoridades monetárias é o aumento do balanço. “Os balanços dos BCs podem se tornar muito grandes e a questão é manter um equilíbrio desse crescimento”, disse o diretor do FMI.
Para o diretor do FMI, diferentemente da crise de 2008, os bancos em muitos países têm proteções suficientes para absorver o impacto das medidas de conteção da pandemia. Isso mesmo diante de “uma queda sem precedentes na atividade econômica” global. “Somos muito afortunados de os bancos terem muito mais capital e níveis de liquidez como resultado de dez anos de reformas regulatórias.”
Relatório Sobre a Estabilidade Financeira Mundial
2020
24 de junho de 2020
Condições financeiras mais distendidas, mas há riscos de insolvências
13 de abril de 2020
Relatório Sobre a Estabilidade Financeira Mundial – Abril de 2020
Essa confluência de fatores negativos fez com que os mercados financeiros passassem a acompanhar o quadro atentamente, para apurar se economias consideradas de crescimento acelerado no passado conseguem suportar um desaquecimento prolongado.
Os emergentes estão recebendo bem menos moeda estrangeira neste ano. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a média do déficit em conta corrente de 141 economias emergentes, fora a China, deverá ser de 2% do Produto Interno Bruto (PIB).
As reservas externas, que representam um retrato da capacidade de um país de pagar suas dívidas, estão caindo nas economias emergentes. Cerca de 60% dessas reservas são constituídas por dólares. Num grupo de 32 países emergentes (fora a China, mas com o Brasil), as reservas internacionais caíram US$ 50 bilhões em abril, em comparação com o fim do ano passado, para US$ 2,8 trilhões.
Isso reverte a tendência mundial de crescimento dessas reservas dos últimos anos. A expansão da economia nos emergentes tinha-as puxado a um percentual anual de 10%, graças ao crescimento da economia. Mas, neste ano, em base anualizada, a queda soma US$ 150 bilhões, o maior recuo dos últimos vinte anos.
Dos 32 países pesquisados, 20 tiveram redução de suas reservas, dos quais a Turquia registrou o recuo mais acentuado, de US$ 27 bilhões. O BC local, em dificuldades para defender a lira turca, adotou a medida pouco comum de tomar dinheiro em moeda externa junto aos bancos locais. As reservas do país estão em cerca de US$ 50 bilhões, quantia inferior às suas dívidas externas de curto prazo e que constituem um nível perigoso.
As reservas da Indonésia caíram em fevereiro e março, quando o BC interveio no mercado para conter a queda da rúpia em relação ao dólar. O risco de ficar sem divisa estrangeira, principalmente dólares, fez o governo e o BC agirem.
A paralisia do setor de turismo tirou uma fonte valiosa de moeda estrangeira. Suharso Monoarfa, ministro do Planejamento e Desenvolvimento do país, disse no fim de junho que a receita em moeda estrangeira do turismo cairia para entre US$ 3,3 bilhões e US$ 4,9 bilhões neste ano, bem abaixo dos US$ 19,7 bilhões de 2019.
No começo de abril o BC indonésio formalizou com o Fed (o BC dos EUA) um acordo de recompra de US$ 60 bilhões para impulsionar a oferta de dólar, enquanto o governo emitiu US$ 4,3 bilhões em bônus em dólar no mesmo mês, inclusive um com prazo de 50 anos, o bônus em dólar mais longo já emitido por um país asiático.
Os investidores externos estão voltando aos poucos à Indonésia, o que suaviza a pressão sobre a moeda e as reservas, mas, com os casos diários de coronavírus ainda em alta, há a preocupação de que esse fluxo poderá voltar a se reverter.
No Egito, o governo se prepara para reabrir 12 destinos turísticos altamente procurados, como as pirâmides. O setor responde por 11% do PIB do país. Devido à pandemia, as reservas internacionais caíram cerca de 20% desde março. Com os novos casos de coronavírus ainda em cerca de 90% de seu pico, o governo tenta reabrir a economia.
No Brasil as exportações de petróleo e de automóveis despencaram. E a China, grande comprador de soja e carne brasileiras, levantou preocupações com s segurança do país na área sanitária.
Apesar desses problemas, os mercados financeiros se mostraram relativamente calmos assim que passou o choque inicial da pandemia, graças a medidas de estímulo tomadas pelos governos e pelos BCs. Mas, se os investidores começarem a vender ativos dos mercados emergentes em massa, a fuga de capitais poderá ser repentina. No período de três meses encerrado em meados de maio, as moedas de Brasil, Turquia e África do Sul perderam cerca de 30% de seu valor no câmbio com o dólar, o que fez com que dívidas denominadas em dólar entrassem em escalada.
Ao mesmo tempo, as redes de proteção proporcionadas pelas principais economias e organizações internacionais são frágeis. O Fed ofereceu dólares por meio de swaps cambiais para os BCs, mas entre eles apenas o Brasil e o México estavam na categoria de mercados emergentes. A Turquia está em negociações com Washington em busca de um swap, mas os tensos laços mantidos pelo país com os EUA contribuem para a lentidão do processo de aprovação.
O Fundo Monetário Internacional (FMI), a instituição de concessão de crédito de última instância para as economias emergentes, criou uma “linha de liquidez de curto prazo” em abril. No entanto, os tomadores são limitados a países com sólidos fundamentos econômicos; até agora, nenhum dos que atendem a essas condições precisou tomar recursos. Embora 70 países já tenham acessado uma linha de crédito emergencial, o valor médio foi de só US$ 300 milhões por país.
O FMI foi criticado por não ter a velocidade e o poder de fogo financeiro para evitar uma crise. O Fundo tem uma capacidade de concessão de empréstimos de aproximadamente US$ 1 trilhão, mas apenas metade desse valor é disponível sem a aprovação dos grandes países contribuintes. E aumentar o tamanho do fundo exigiria aprovação legislativa na maioria dos países provedores de capital, o que é pouco provável nas circunstâncias atuais.
Se o apoio de organizações internacionais e de economias de peso falhar, os problemas nas economias emergentes poderão instaurar uma crise mundial.
Até o fim de 2021, US$ 720 bilhões em empréstimos vão vencer em 29 economias emergentes, com exceção da China. O Mizuho Research Institute prevê que, se houve ruma crise da dívida, os bancos europeus, que são os maiores credores da Turquia e da América Latina, sofrerão perdas.
Duas décadas de trabalho para reduzir a pobreza estão em risco na América Latina por causa da pandemia de covid-19. Mais de 50 milhões de pessoas devem voltar a enfrentar dificuldades na região, agravando uma desigualdade que já alimentou protestos em vários países.
A avaliação é do novo vice-presidente para a América Latina do Banco Mundial, Carlos Felipe Jaramillo. Em entrevista ao “Financial Times”, ele afirmou que a crise é a pior já enfrentada pela região, novo epicentro global da covid-19, em pelo menos 120 anos.
“Pobreza, números de pobreza, emprego, renda e desigualdade sempre foram um problema na região”, disse o economista colombiano. “A desigualdade provavelmente aumentará neste período”.
O Banco Mundial prevê: 53 milhões de latino-americanos estarão abaixo da linha da pobreza regional neste ano, ganhando menos de US$ 5,50 (cerca de R$ 30) por dia.
Já o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta: a economia da região encolherá 9,4% neste ano, um resultado bem pior que o previsto para a África, o Oriente Médio ou a Ásia. Além disso, em 2021, a expectativa é que a América Latina se recupere mais lentamente da crise, crescendo 3,7%.
Ao assumir o novo cargo, Jaramillo será responsável por gerir US$ 32 bilhões em projetos do Banco Mundial. Para ele, os governos latino-americanos devem usar a crise para se reconstruírem de forma melhor e aprender com a inovação em outras partes do mundo.
Perspectivas Péssimas segundo o FMI publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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