quinta-feira, 9 de julho de 2020

ITAÚ X XP: Zé com Zé

Tássia KastnerJulio Wiziack (FSP, 29/06/20) informam: o colete de nylon, símbolo da dura disputa travada na semana passada entre XP e Itaú, é também uma espécie de uniforme do mercado financeiro, que veste 8.295 agentes autônomos de investimento em atuação no país. Cerca de 7.000 deles são vinculados à XP.

Esse exército ainda é considerado pequeno para a corretora, o que ajuda a contar uma segunda parte da história por trás dos ataques entre as duas instituições financeiras, que vai além da queda de braço pelo dinheiro dos clientes.

Quando em 2018 a XP anunciou ter a ambição de chegar a R$ 1 trilhão em ativos sob custódia (está em R$ 412 bilhões), afirmou que precisaria reunir 10.000 agentes autônomos, um exército com coletinhos, capazes de captar recursos antes investidos em bancos.

Post patrocinado do Itaú faz piada com coletes conhecidos como uniforme da Faria Lima
Post patrocinado do Itaú faz piada com coletes conhecidos como uniforme da Faria Lima

À época, segundo a Ancord (Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias, que é quem certifica os profissionais), existiam 6.105 agentes credenciados (ou seja, que haviam passado na prova e poderiam trabalhar) e 4.814 deles efetivamente ligados a uma corretora e atuando.

Desde então, dois caminhos foram traçados —e não apenas pela XP, mas também por outras corretoras.

O primeiro foi um grande esforço de formação de mão de obra, com a venda de cursos e o pagamento pela prova da Ancord, para que mais pessoas se credenciassem para trabalhar. Outro foi o recrutamento de gerentes de bancos —a favor desse grupo havia a vantagem de que eles já conheciam clientes e teriam mais chances de levar junto o dinheiro.

Até agora, a história contada nos bastidores pelas corretoras era que essa seria uma migração natural. Bancos estão fechando agências e demitindo há anos, e esses profissionais ficariam disponíveis para atuar como agentes autônomos de investimentos. Bastaria certificá-los pela Ancord.

O ataque do Itaú à categoria (parte formada por seus ex-gerentes) mostra que o movimento não é pacífico. A saída de recursos —financeiros e humanos— do Itaú para a XP é conhecida há anos, tanto que a compra de 49,9% da corretora pelo banco em 2017 foi considerada uma espécie de garantia contra a perda de clientes e ativos sob administração.

Segundo fontes a par das discussões das últimas semanas, o que mais incomodou o banco foi a fuga de profissionais do segmento Personnalité, mais qualificados que os gerentes do varejo geral, para os escritórios de agentes autônomos ligados à XP. A XP levava a experiência e, de quebra, a média de R$ 1 bilhão em ativos controlados por cada profissional.

Também no já distante 2018, era a XP que acusava um concorrente de roubar profissionais de maneira desleal, com o mesmo objetivo. Abriu uma batalha judicial contra o BTG acusando o banco de André Esteves de roubar não apenas os agentes autônomos, mas os dados financeiros dos clientes para que migrassem junto da XP para a nova instituição a que se filiaram —a batalha ainda não foi encerrada.

A figura do agente autônomo foi importada dos Estados Unidos juntamente com o modelo de negócio da XP. Já foi alvo de escrutínio duro da CVM (Comissão de Valores Mobiliários, supervisor do mercado) e, agora, a forma de atuação do profissional está em discussão na autarquia.

Em tese, ele precisa ser só um intermediário, apresentando produtos, mas sem recomendar um ou outro investimento.

Na briga entre as instituições está a exigência de exclusividade que o profissional (ou escritório) deve ter com uma única corretora, uma regra criada no passado pela CVM para facilitar a fiscalização dos profissionais. Se vinculado à XP, o agente não pode distribuir produtos que estão na plataforma do BTG, por exemplo.

A XP defende a manutenção da exclusividade.

Fora o debate da autarquia, mas agora exposto pelo Itaú, está a renda (o salário) que um agente autônomo pode gerar. Quando a XP lançou um MBA para a formação de profissionais, publicou uma longa carta na qual afirmava que a renda inicial de um profissional da área era de R$ 20 mil por mês.

Mas a remuneração de um agente autônomo vem dos rebates, as taxas pagas pela corretora para que ele venda um ou outro produto. Não há um salário fixo: quanto mais dinheiro capta e quanto mais direciona um cliente para produtos com maior rebate, mais o agente autônomo ganha.

O pagamento de taxas, ocultas para o cliente, é um padrão do mercado financeiro.

Sob esse argumento, a XP achou um nicho de mercado, pregou a “desbancarização” e sugeriu que, no modelo de negócio dela, o interesse do cliente estaria preservado.

Na carta aberta contra o Itaú, depois convertida em anúncio, Guilherme Benchimol, presidente da instituição, disse ainda que não era errado um agente autônomo querer ganhar dinheiro. E que se o profissional prejudicasse o cliente, não perderia o emprego (como um gerente), mas o negócio (já que ele tem um CNPJ).

Na troca de acusações da última semana, não houve espaço para detalhamento de taxas pagas a agentes autônomos, como começa a ocorrer em outros países.

A briga pública voltou-se, mais uma vez, ao cliente.

Após o ataque do Itaú Personnalité aos coletes, a corretora disse que daria a peça de vestuário (vendida no site da corretora por R$ 189) a clientes que fizesse uma transferência do Itaú para a XP.

A ação teria incentivado 20 mil TEDs na sexta-feira (26), mais que o dobro da média diária e um recorde de dinheiro vindo do Itaú.

O novo cliente da XP continua não sabendo, no entanto, como seu agente autônomo é remunerado. Citando a célebre frase de Milton Friedman, não existem almoços e nem coletes grátis.

Talita Moreira e Adriana Cotias (Valor, 29/06/2020 informa: a união improvável entre o maior banco da América Latina e a maior plataforma independente de investimentos do país, selada em maio de 2017, enfrenta agora sua prova de fogo. O Itaú Unibanco pôs no ar na semana passada uma campanha publicitária que aponta supostos conflitos de interesse na remuneração de agentes autônomos, colocando o dedo na ferida do modelo da XP Investimentos, da qual é acionista. Esta reagiu falando mais grosso ainda e sugeriu que, se o sócio está insatisfeito, não faz sentido ficar na empresa.

O espanto foi tão grande de haver quem vê na briga tapas tão legítimos quanto os da luta livre – com memes de todos os tipos, para alegria de quem vive na bolha da Faria Lima.

Não foi encenação. O Valor apurou com fontes de um e outro lado que há um transbordar de mágoas e questões mal resolvidas entre os sócios que perigam abalar a relação. A plataforma de investimentos já não é mais o único ponto com potencial de esfriar esse casamento. A XP começou a incomodar o Itaú também em ofertas de ações e renda fixa, entrando no mercado do Itaú BBA. Agora, prepara o lançamento de seu banco, para o qual contratou um nome de peso – José Berenguer, ex-presidente do J.P. Morgan.

Os presidentes das duas instituições não se falaram após o episódio, mas, no fim de semana, tentaram baixar a fervura. Candido Bracher, do Itaú, disse em vídeo para funcionários que a campanha não foi feita para atacar ninguém, mas para enaltecer o modelo de remuneração da área de investimentos do banco. “Nossa competição sempre foi e sempre será na bola.”

Numa live do escritório Blue Trade, Guilherme Benchimol, fundador da XP, disse esperar que a confusão tenha sido superada, mas reiterou que o Itaú é apenas sócio investidor e é contraditório ser acionista se “talvez diga que aquilo lá não seja tão bom assim”.

Na semana passada, Benchimol já havia questionado por que o Itaú é acionista da XP se não aposta no modelo da empresa. Outro sócio da plataforma, Guilherme Leal, também disse que o banco deveria “repensar sua participação” se não está confortável com ela.

Mas não há nenhum sinal de um desfecho nessa direção no curto prazo. Na visão de fontes próximas ao Itaú e a rivais, a XP estaria tentando aproveitar o entrevero para puxar uma discussão sobre a saída do acionista. Por isso, o banco pretende manter o debate circunscrito ao mercado de investimentos.

O Itaú detém 46% do capital total da XP e 32,49% das ações ON. Em 2022, tem a opção de adquirir uma fatia adicional, mas o contrato terá de ser submetido novamente ao Banco Central. O regulador barrou o acordo original, impedindo que a operação evoluísse para a compra do controle.

A aquisição tem a marca do banqueiro Roberto Setubal, então presidente do Itaú, entusiasta da XP. Do ponto de vista financeiro, foi um sucesso incontestável. O investimento que o banco fez, de R$ 6 bilhões, vale hoje 11 vezes mais.

“Estamos muito satisfeitos com o investimento. Somos um sócio que interfere pouquíssimo, e a XP se beneficia do respaldo que o Itaú dá”, afirma fonte ligada ao banco.

A questão é que a XP constrói seu marketing em cima da ideia de que os bancos não oferecem as melhores opções de investimento. Mesmo sendo acionista relevante, o Itaú não controla a plataforma e, assim, não tem ingerência sobre essa estratégia de comunicação.

Como desafio adicional, a crise atual se dá num contexto de taxa Selic em 2,25% ao ano. Até houve uma corrida de investidores pela proteção dos CDBs de grandes bancos em março e abril, mas os baixos retornos impelem o aplicador a diversificar e a tomar mais risco.

Desde que a aquisição foi feita, há um descontentamento da base de funcionários do banco, que viam a XP levar clientes e profissionais embora sem uma resposta à altura. A campanha da semana passada, com tom pouco habitual para o Itaú, teve também o intuito de elevar o moral da tropa.

O vídeo, veiculado em horário nobre na TV, aponta potenciais conflitos de interesse de assessores de investimentos na indicação de produtos e destaca uma suposta isenção dos gerentes do Personnalité, segmento de alta renda do Itaú. Os agentes autônomos, base do crescimento da XP, reagiram mal. A campanha vai continuar.

Para profissionais do Itaú, a instituição deixou a corretora crescer com o discurso de que os bancos são vilões e os gerentes, meros vendedores de títulos de capitalização. Diante disso, havia uma cobrança interna. Gerentes se sentiam desprestigiados e achavam que o banco pecava ao não mostrar os problemas das corretoras.

O Valor apurou que, mesmo entre executivos, havia dúvidas sobre até onde poderiam ir para contra-atacar uma empresa onde o banco investe. Apesar de o comando do Itaú sempre deixar claro que a XP era um concorrente como qualquer outro, muitos temiam bater de frente com a corretora.

Nos últimos anos, o Itaú reforçou seu programa de bônus para reter talentos e abriu a plataforma de investimentos. A remuneração dos gerentes dessa área passou a ser feita com base no volume total aplicado pelos clientes, e não por produto. As captações reagiram, mas não de forma cabal.

Fonte do Itaú diz ver na XP capacidade de inovação e boa liderança, mas é um erro achar que o banco ficará parado. “Subestimar concorrentes nunca foi caminho para o êxito”, observa.

Em 2019, o banco lançou manifesto sobre a concorrência. Mais tarde, num encontro com lideranças do banco, os copresidentes do conselho de administração, Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal, disseram que era hora de ir “pro pau” com as plataformas.

“Finalmente o Itaú reagiu, e a resposta da XP foi infantil”, diz um ex-executivo do banco que acredita que a instituição deve ter uma estratégia mais ampla para ter dado esse passo.

Contudo, discute-se dentro e fora do Itaú se o tom da campanha foi adequado. O banco adotou táticas de comunicação familiares da XP, mas esta se beneficia do engajamento dos autônomos que dependem dela. “O Itaú entrou nesse jogo, e agora quem recuar será mal percebido”, afirma um executivo de banco concorrente. “O Itaú vai cortar um dobrado e talvez desejar não ter iniciado isso”, diz outro interlocutor, este da área de investimentos.

No Itaú, a leitura é a de que, apesar da polêmica, a campanha cumpriu o propósito de gerar um debate sobre a independência de agentes autônomos. Não haveria porque entrar em uma discussão sobre sua posição na XP. “O que aconteceu é algo menor dentro da relação”, diz fonte do banco.

A despeito das provocações em público, a fagulha comercial não tem relação com disputas entre acionistas, diz um sócio da XP. “Briga societária não se tornaria comercial de TV. Ficaria no conselho, não viraria briga de coletinho”, afirma, remetendo à peça de roupa que a corretora prometeu a quem fizesse uma TED do Itaú para lá. Mesmo assim, essa fonte diz que, para a XP, ter ou não o Itaú como acionista é indiferente.

É inegável, porém, que a chancela dada pelo banco ao comprar quase metade da empresa, avaliada em R$ 12 bilhões em 2017, a colocou em outro patamar. Se na época a XP tinha R$ 100 bilhões em custódia, hoje são R$ 412 bilhões. Na Nasdaq, o valor de mercado da XP equivale a R$ 133 bilhões, ou 53% do Itaú, 69% do Bradesco e mais do que Banco do Brasil e Santander, calcula Renato Breia, sócio da Nord Research.

Hoje, já seria mais fácil a XP andar sozinha, com R$ 7 bilhões em caixa, dos recursos levantados no IPO de dezembro, e um preço explícito no mercado. “Ter o Itaú como sócio nunca foi questão de dinheiro, mas de compliance e segurança legal”, diz um executivo de banco rival. “Isso ainda vale muito, mas já é menos importante.”

Do lado dos bancos, as ações vêm perdendo múltiplos. “Isso tem a ver, em parte, com o ataque de modelos novos, seja no crédito, nos investimentos ou na adquirência”, diz fonte que transita nos setores bancário e de investimentos. “É como ocorreu lá fora, com as fintechs comendo o queijo dos grandes bancos.”

Para ele, o equilíbrio entre Itaú e XP se dá em bases instáveis, e quem leva a melhor por ora é a plataforma, que ganhou dinheiro quando o banco entrou na sociedade, quando listou ações na Nasdaq e porque tem a chance de vender o negócio mais uma vez na bolsa. O desfecho ainda é incerto.

ITAÚ X XP: Zé com Zé publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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