quinta-feira, 9 de julho de 2020

Facebook/WhatsApp X BCB-PIX

Talita Moreira e Flávia Furlan (Valor, 25/06/2020) informam: o Banco Central (BC) viu danos potenciais à concorrência com a associação entre o poder de fogo do WhatsApp e empresas de peso no setor de pagamentos. Na visão do regulador, o serviço já nasceria gigante e poderia prejudicar o desenvolvimento de fintechs capazes de desafiar os nomes tradicionais do mercado.

Na noite do dia 23/06/20, o BC suspendeu o serviço de pagamentos por meio do aplicativo de mensagens controlado pelo Facebook, lançado na semana anterior. O acordo se apoiava na infraestrutura de cartões e envolvia a credenciadora Cielo, as bandeiras Visa e Mastercard e os emissores Banco do Brasil (BB), Nubank e Sicredi.

A reação imediata de parte de O Mercado foi ver na atitude do regulador um entrave à inovação e uma defesa dos grandes bancos, mas o objetivo é o oposto, de acordo com fonte próxima ao BC. O maior problema, afirma, é uma “big tech” se unir a agentes já consolidados no mercado, formando um arranjo de pagamentos com enorme vantagem competitiva em relação aos demais participantes.

Outro ponto a incomodar o BC foi o anúncio da parceria sem ela ser formalmente apresentada à Autoridade Monetária. O regulador soube do lançamento por meio de um post do fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, na rede social. Segundo a fonte, o BC sabia de um acordo para transferências instantâneas envolvendo Cielo e Visa, mas não sabia que envolvia o WhatsApp e que tinha a participação de poucas empresas.

O presidente da Visa no Brasil, Fernando Teles, explicou: o negócio desenvolvido com o WhatsApp trata-se de um “arranjo de transferência”. As regras da bandeira para operar nesse modelo, com qualquer cliente, haviam sido aprovadas pelo regulador há cerca de um mês, portanto o entendimento era de não precisar ser submetido a uma nova aprovação.

No modelo de arranjo de transferência, as tradicionais empresas do mundo de cartões – bandeiras, emissores e credenciadores – são contratadas para prestar todo o serviço de pagamentos, como checagem de informações e liquidação financeira, a uma empresa com uma base de clientes, no caso, o WhatsApp. O pedido de autorização ao regulador acontece apenas quando atingido determinado volume de transações – o que não foi o caso.

“O BC pediu mais informações sobre o arranjo e devemos fornecer nos próximos dias, esperando o retorno o mais rápido possível para fazer eventuais ajustes”, afirmou Teles. “O modelo não tem nada de anticoncorrencial ou anticompetitivo, novos participantes podem entrar. E, pelo contrário, tem inovação para os consumidores finais.”

O Facebook teve reuniões com o Banco Central para tratar do tema. Mas a falta de diplomacia no lançamento, de qualquer forma, custou pontos. É praxe na chegada de qualquer novo competidor e no lançamento de produtos com potencial para mudar a configuração do mercado a apresentação prévia ao Banco Central.

O Facebook teria sido, além de tudo, reincidente. Em meados do ano passado, a rede social anunciou que lançaria uma moeda virtual sem ter discutido com reguladores, o que desagradou bancos centrais mundo afora.

Na visão do BC, arranjos que já nascem grandes e podem distorcer o funcionamento do mercado de varejo precisam ser analisados de forma detalhada, daí a decisão de suspender o acordo até que haja uma compreensão melhor dele.

Uma fonte do próprio governo, com conhecimento sobre políticas anticoncorrenciais, diz que, independentemente de o projeto ter envolvido grandes players, é preciso primeiro ver se de fato seria implementado com sucesso. “Mais importante do que ver o tamanho do negócio, é analisar se outros competidores conseguiriam chegar naquele tamanho de maneira rápida”, disse. “Mas precisa esperar o mercado responder. Tomar atitude severa, antes de saber eventuais consequências, pode ser redutor de inovação no Brasil.”

O Conselho Administrativo do Defesa Econômica (Cade) suspendeu a parceria entre Facebook e Cielo e determinou multa diária de R$ 500 mil cada se descumprirem a medida cautelar. Cálculos do órgão antitruste mostram que, no cenário mais conservador, os pagamentos via WhatsApp poderiam adicionar entre 144 mil e 720 mil transações ao ano para a Cielo, correspondentes a 1,8% e 10% do volume total anual. O Cade considerou que o WhatsApp possui mais de 120 milhões de usuários ativos no país.

O Cade tem agido previamente nesses casos para evitar danos irreparáveis ao mercado.

A parceria decorreu de uma concorrência lançada pelo Facebook há dois anos, para a escolha do prestador de dois serviços nessa área:

  1. desenvolver uma plataforma de pagamentos embarcada na conta corporativa do WhatsApp e
  2. fazer o processamento das transações.

A Cielo, dos acionistas Bradesco e Banco do Brasil, foi a escolhida. Procurada, a credenciadora não quis comentar.

Contra o argumento de que o negócio é anticoncorrencial, a Cielo não teria exclusividade na prestação do serviço, sendo possível a contratação de outras credenciadoras para a plataforma. Embora seja líder na captura de transações com pagamentos no país, com cerca de 40% do volume, a Cielo não é a maior no caso de pequenos empreendedores, o foco da plataforma do WhatsApp. Nesse público, a PagSeguro, do grupo Uol, tem a maior participação no mercado.

Executivos do Facebook e do WhatsApp passaram a tarde de ontem em reunião virtual com o presidente do BC, Roberto Campos Neto. A tendência é o órgão exigir a rede social se tornar uma instituição de pagamentos – como já fez o Google – ou de alguma forma se submeta à regulação. Segundo fontes do setor, o aplicativo deverá se conectar ao Pix, o sistema de pagamentos instantâneos que o próprio BC vem desenvolvendo e quer fomentar. Um caminho seria entrar como participante indireto, mas logo alcançar o volume para se tornar participante direto, isto é, sujeito a uma regulamentação mais forte.

Se isso acontecer, a parceria do WhatsApp com empresas do setor de cartões poderia deixar de fazer sentido. Teles, da Visa, disse que o negócio nasceu para ser interoperável com o Pix e que o contrato firmado deve ser mantido, na expectativa de liberação das transações pelo regulador. Ontem, circularam informações de que o regulador poderia antecipar de novembro para setembro o pré-lançamento do Pix, mas essa seria uma medida de difícil execução. Procurado, o BC não comentou o assunto.

Na análise de parcerias como essa, o BC costuma se preocupar com a visibilidade que terá das operações e com riscos potenciais ao sistema.

Alguns executivos do setor, no entanto, consideram que a preferência do BC pelo Pix e o envolvimento do regulador com o sistema podem ter prejudicado o serviço do WhatsApp. Não apenas nesse caso específico, há quem veja o órgão agindo com “mão pesada” em diversas situações, influenciando o funcionamento do mercado.

O Banco Central (BC) sondou agentes do mercado sobre a possibilidade de adiantar de novembro para setembro o pré-lançamento do Pix, sistema de pagamentos instantâneos. Ele vem sendo desenvolvido pelo órgão regulador, disseram ao Valor três fontes a par do assunto.

No setor, já era esperada para setembro a liberação do “BR Code”, o código por imagem (QR Code) que será adotado como padrão no Brasil tanto no Pix quanto em outros arranjos de pagamento, como PicPay e Ame, por exemplo. Ele uniformiza e facilita a rastreabilidade das transações.

No cronograma atual, esses demais serviços de pagamentos começariam a adotar o BR Code em setembro. O Pix tem pré-lançamento previsto para 3 de novembro e lançamento oficial duas semanas mais tarde, no dia 16. Agora, discute-se a possibilidade de que essa primeira data seja adiantada em dois meses, liberando algumas funcionalidades do serviço.

Questionado sobre o assunto em um evento on-line, o diretor de organização do sistema financeiro do BC, João Manoel Pinho de Mello, disse que o regulador não muda data de lançamento “por razão específica qualquer”, e que continua a trabalhar com o cronograma de lançamento do Pix no dia 16 de novembro deste ano. Procurado pelo Valor na quarta-feira para saber se havia a intenção de adiantar o pré-lançamento do serviço, o BC informou que não comentaria o assunto.

Fontes do mercado dizem que o regulador poderia liberar algumas funcionalidades do serviço antes, mantendo a data oficial de lançamento para novembro. No entanto, avaliam que seria muito difícil lançar o serviço antes do prazo com o qual já trabalhavam.

Com a possível antecipação, o BC reagiria à investida do Facebook sobre o mercado brasileiro de pagamentos digitais. O regulador suspendeu nesta semana o serviço de pagamentos via WhatsApp, serviço de mensagens da empresa de tecnologia, e teme o crescimento de arranjos de pagamentos fechados que esvaziem, na prática, o Pix.

O BC vê riscos na união de “big techs” com grandes empresas do setor. O temor, segundo fonte a par do assunto, é que acordos desse tipo dificultem o desenvolvimento de fintechs. A parceria do WhatsApp envolve a credenciadora Cielo, as bandeiras Visa e Mastercard e os emissores de cartões Banco do Brasil, Nubank e Sicredi.

No entanto, o BC também quer evitar o florescimento de sistemas fechados, sobre os quais tem pouca visibilidade, como aconteceu na China com os aplicativos WeChat e Alipay. “Criou dificuldades do ponto de vista de interoperabilidade, de transitar pagamentos entre as plataformas, e dificuldades importantes do ponto de vista de regulação e controle”, disse Pinho de Mello sobre o modelo chinês.

O desenho do Pix prevê um sistema interoperável, de adesão obrigatória para as maiores instituições financeiras e de pagamentos, com transações gratuitas para pessoas físicas. Será possível fazer pagamentos e transferências 24 horas por dia, todos os dias da semana. O BC centralizará a liquidação e será o responsável pela base de endereçamento que identificará os usuários e suas contas.

O WhatsApp informou ontem que trabalha para restaurar seu serviço de pagamentos e conectá-lo ao Pix. Representantes da companhia se reuniram virtualmente anteontem com o presidente do BC, Roberto Campos Neto.

Uma fonte que trabalha na estruturação do serviço do Facebook diz que a rede social é “agnóstica” do ponto de vista tecnológico. Segundo ele, nada muda nas parcerias anunciadas pelo WhastApp. O objetivo é que, por meio do aplicativo, seja possível fazer transferências de recursos entre contas ou pagamentos com débito e crédito, por exemplo.

Com isso, o WhatsApp provavelmente será um iniciador de pagamentos, uma figura prevista no open banking, mas ainda não regulamentada no mercado brasileiro. “Eles não põem a mão no dinheiro. Eles simplesmente conectam o cliente com o meio de pagamento desejado por meio de sua conta”, afirma a fonte.

Executivos próximos de instituições financeiras e de pagamentos que estão trabalhando na implantação do Pix consideram desafiadora uma possível antecipação do serviço. Numa plenária do Fórum de Pagamentos Instantâneos (que reúne BC e mercado) nesta semana, apenas três empresas indicaram já ter feitos todos os testes. “Não daria para todo mundo entrar. Só alguns voluntários”, diz uma das fontes.

O intervalo de dois meses previsto entre o lançamento do BR Code e o do Pix no atual cronograma, segundo esse interlocutor, foi estipulado para dar tempo de adotarem o código e terem os pontos de pagamento preparados até novembro.

Mariana Ribeiro (Valor, 25/06/2020) informa: o diretor de regulação do Banco Central (BC), Otávio Damaso, disse ontem que, com a pandemia, ficou claro que o caminho para um sistema financeiro digital ainda é longo. Para ele, essa é uma das lições que podem ser tiradas da crise.

“Se a gente tivesse uma sociedade mais financeiramente e digitalmente incluída, as soluções, até os aportes do poder público, as políticas públicas poderiam ter sido muito mais eficientes”, disse no webinar “How To do Business and Invest” sobre a agenda de inovação do BC, promovido pela Câmara Americana de Comércio (Amcham).

Ele citou: mesmo em São Paulo, onde o processo de inclusão financeira e digital é mais avançado, há lacunas. Já no Norte e no Nordeste, a diferença “é mais gritante”. “Não só agora, mas principalmente quando as coisas acalmarem, e já estão acalmando bastante, a gente tem que fazer um plano bem estratégico de como alcançar o Brasil como um todo”, acrescentou.

Uma segunda lição da crise, colocou, é: a tecnologia não foi um problema. Segundo ele, há relatos de planos programados para serem realizados em anos que foram implementados em dias. “E a tecnologia veio e deu suporte a isso”, disse o diretor.

Damaso enfatizou: o processo de inovação ajudou a mitigar as dificuldades causadas pelo isolamento social e que a autoridade monetária identificou um intenso aumento do relacionamento digital por parte das instituições financeiras. “Foi ao extremo em muitos casos”, disse.

Para ele, o momento atual exige que a agenda do BC para inovação seja intensificada, em termos de tempo e profundidade. “Cada vez mais a gente precisa ter um sistema financeiro mais digital”, afirmou, acrescentando que toda a sociedade sairá mais digitalizada da crise, inclusive as gerações mais antigas. A inovação é uma demanda da sociedade, disse, e o regulador precisa olhar para isso.

Entre os pontos prioritários do BC nessa frente de inovação, citou os projetos de registro, que podem favorecer a entrada de novos players no mercado e ajudar a endereçar problemas de assimetria de informação. Damaso destacou também o sandbox, o Pix e o open banking.

Facebook/WhatsApp X BCB-PIX publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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