quarta-feira, 8 de julho de 2020

Endividamento de Risco

Estevão Taiar (Valor, 30/06/2020) informa: era relativamente baixo o percentual, de pessoas físicas chegaram às vésperas da pandemia com uma situação de endividamento de risco. Depois, o quadro financeiro das famílias pode ter se tornado ainda mais delicado. De acordo com estudo do Banco Central (BC) com download abaixo, 4,6 milhões de pessoas tinham endividamento de risco em dezembro do ano passado. O número, segundo o Sistema de Informação de Crédito (SCR), representa 5,4% dos 85 milhões de brasileiros com empréstimos abertos.

O diretor de relacionamento, cidadania e supervisão de conduta do BC, Maurício Moura, admite a possibilidade de piora da situação desde o início da pandemia. Ele destaca, por exemplo, que o índice de inadimplência das pessoas físicas passou de 5% em dezembro de 2019 para 5,5% em maio de 2020. Mesmo assim, evita traçar cenários mais precisos a respeito de como esse quadro pode ter mudado desde o início da pandemia. “Há alguma mudança vinda com a pandemia, mas ainda é cedo” para uma avaliação mais detalhada, afirma.

São consideradas pessoas com endividamento de risco aquelas atendedo, simultaneamente, a dois ou mais dos seguintes critérios:

  1. inadimplência (atraso de mais de 90 dias);
  2. exposição concomitante a cheque especial, crédito pessoal não consignado e rotativo do cartão;
  3. comprometimento de renda acima de 50%; e
  4. renda disponível abaixo da linha da pobreza após o pagamento de dívidas.

“Quando o cidadão tem um volume de dívida acima de sua capacidade de pagamento, e cuja persistência e baixa qualidade do crédito prejudicam o gerenciamento de seus recursos financeiros e, em última instância, sua qualidade de vida”, diz o estudo.

O levantamento do BC mostra que, em dezembro do ano passado, havia:

  • 10,3 milhões de brasileiros inadimplentes,
  • 9,8 milhões com mais de 50% da renda comprometida,
  • 3,4 milhões expostos às três modalidades de crédito e
  • 2 milhões com renda disponível abaixo da linha da pobreza após o pagamento de dívidas.

Dentro do grupo com endividamento de risco, parcela da população ao ganhar entre R$ 2 mil e R$ 10 mil mensais e acima de 54 anos “mostra-se financeiramente mais vulnerável”, segundo o BC. [Acima de 5 salários mínimos já está entre os 10% mais ricos em fluxo de renda nesse desigual país.]

“Tal recorte se justifica pelo maior nível de relacionamento bancário dessa população, com acesso a uma maior gama de produtos financeiros e a maiores limites de crédito”, diz o estudo.

No caso da faixa etária, pesa também o fato de pessoas mais velhas muitas vezes terem a sua renda “ligada à subsistência do grupo familiar” e acabarem assumindo dívidas de parentes, diz Moura.

Iniciado há dois anos, o estudo faz parte de uma estratégia mais ampla do BC para:

  1. entender melhor o endividamento de risco e
  2. ajudar na solução do problema.

Parte das dificuldades, segundo o diretor, é não existir nem mesmo “um consenso de mercado, academia ou advogados a respeito do que é um cidadão superendividado”. Esses empecilhos esbarram tanto em questões objetivas – o BC não tem acesso, por exemplo, a todas as diferentes fontes de renda de todos os indivíduos – quanto em subjetivas, como o “fardo psicológico” causado pelas dívidas que afeta o indivíduo.

De maneira geral, o endividamento de risco tem semelhanças com o superendividamento – outro conceito de difícil classificação, diz Moura. “Há possivelmente propensão a que os tomadores aqui identificados como endividados de risco se encontrem, simultaneamente, em situação de superendividamento ou que, eventualmente, possam chegar a esse estágio se ações preventivas e de correção não forem tomadas”, diz o BC.

No exterior, bancos centrais como os da Itália e da França fazem acompanhamentos parecidos. “O superendividamento não é um problema nacional, é global”, diz Moura. “O estudo forma um ponto de partida para acompanharmos esse fenômeno e nos ajudar a direcionar melhor as novas políticas públicas.”

Diversas iniciativas vislumbradas pela autoridade monetária para diminuir o endividamento de risco têm a educação financeira como guia. Uma delas é o Aprender Valor, projeto que tem como objetivo ensinar educação financeira em escolas públicas a 22 milhões de alunos até 2022. Entram aí também mutirões de renegociação de dívida, como o realizado no ano passado, em que os clientes precisaram assistir um vídeo e receber um material impresso sobre educação financeira para repactuarem as suas dívidas. Outra é a criação de uma plataforma pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) para a realização de cursos.

Mas medidas adotada no combate à crise também podem ter um papel importantes, de acordo com Moura. Em março, o Conselho Monetário Nacional (CMN) suspendeu por seis meses a necessidade de provisões dos bancos em duas situações de renegociação de empréstimos: se considerassem que o cliente não tinha mais condições de pagar ou se concedessem descontos por causa da fragilidade da capacidade de pagamento ou de garantias. Dados apresentados ontem pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, mostram que mais de 9,9 milhões de pessoas, em um total de R$ 394 bilhões, haviam repactuado suas dívidas até a semana retrasada.

Além disso, a Agenda BC#, conjunto de propostas de modernização do sistema financeiro apresentadas pela instituição, também deve ter efeitos positivos sobre o nível de endividamento das famílias, segundo Moura.

O diretor da autoridade monetária destaca ainda que a ampliação recente da base de clientes bancários, fruto do pagamento do auxílio emergencial de R$ 600, tem potencial para ajudar o BC a entender melhor o fenômeno do endividamento de risco. “Essa ampliação jogou luz sobre muita gente que não era vista antes”, diz.

BCB:

A nova edição da Série Cidadania Financeira, publicação do BC que visa reunir e disseminar conhecimentos de cidadania financeira desenvolvidos no âmbito institucional, traz um estudo sobre endividamento de risco no Brasil, bem como uma análise do perfil socioeconômico desses cidadãos. O trabalho inédito apresenta um panorama dos tomadores de crédito classificados nessa situação a partir de parâmetros objetivos, considerando ainda os fatores idade, sexo, renda e localização geográfica.

Os dados analisados foram extraídos do Sistema de Informações de Crédito (SCR) e são relativos ao período de junho de 2016 a dezembro de 2019. Para esse levantamento, definiu-se como endividado de risco o tomador cuja situação se enquadrava em pelo menos dois de quatro indicadores relacionados a sua situação financeira:

  1. inadimplência,
  2. exposição simultânea a três modalidades de crédito sem garantia,
  3. comprometimento da renda acima de 50% e
  4. renda disponível após o pagamento das dívidas abaixo da linha da pobreza (cerca de R$440).

O relatório também aborda a diferença entre os conceitos de endividamento de risco e de superendividamento.

A análise mostrou que, de um total de 85,3 milhões de tomadores, 4,6 milhões (cerca de 5,4%) estavam em situação de endividamento de risco no último mês do período de referência. Desse grupo, 4 milhões atendem exclusivamente a dois dos quatro indicadores de risco citados, enquanto os tomadores que atendem a três e quatro indicadores correspondem, respectivamente, a 588 mil e 39 mil pessoas.

“Essa iniciativa faz parte da dimensão Educação da Agenda BC#, sendo uma das ações de apoio ao superendividado. Trata-se de um tema de grande relevância e esse estudo é um passo fundamental para compreendermos melhor o fenômeno do endividamento, por meio da mensuração do endividamento de risco”, destacou Luís Gustavo Mansur Siqueira, chefe do Departamento de Promoção da Cidadania Financeira. Ele também ressaltou a importância do trabalho para uma melhor compreensão do endividamento de risco pós-pandemia: “Os dados utilizados são anteriores à pandemia de Covid-19, então, esse trabalho poderá, inclusive, ajudar na mensuração dos efeitos da crise, principalmente em relação a essa parcela da população financeiramente mais vulnerável.”

superendividados2.png

Perfil dos endividados de risco

Em relação ao perfil socioeconômico, constatou-se que o percentual dos endividados de risco aumenta com a idade, atingindo 7,9% da população acima dos 65 anos – quase o dobro do observado no grupo com até 34 anos. Observou-se que o endividamento de risco também é maior na faixa de renda entre 5 mil e 10 mil reais (6,5% do total), o que sugere que os tomadores de renda média estão mais propensos ao fenômeno.

Quanto à distribuição geográfica, há certa predominância do endividamento de risco na região Norte do país, com ápice nos estados do Amazonas (7,7%) e Amapá (7,5%). Todavia, o percentual de endividados de risco do Rio Grande do Sul também chamou a atenção: 6,8%, bem acima do verificado nos outros estados da mesma região (ambos com 4,8%). Isso indica que não há uma correlação clara entre a presença do fenômeno e as características socioeconômicas de um estado, uma vez que o endividamento de risco pode atingir patamares elevados em regiões díspares quanto à renda per capita e ao nível educacional.

Segundo Arnaldo Francisco Vitaliano Filho, também do Departamento de Promoção da Cidadania Financeira, até então, não havia um levantamento dos endividados de risco no Brasil. “A partir desse estudo, podemos compreender melhor quem são essas pessoas e pensar em ações educativas que visem ajudar os tomadores no uso consciente do crédito e no acesso a serviços financeiros”, explicou.

Lucas Iten Teixeira, coordenador do estudo, destacou a importância do trabalho no direcionamento das políticas públicas sobre o tema: “O processo é longo, mas o primeiro passo foi dado. A partir desse levantamento já podemos pensar em planos de ação e políticas públicas mais efetivas.”

Superendividamento e endividamento de risco

De forma complementar à análise do perfil dos endividados de risco, o relatório traz uma definição de superendividamento. “Essa definição considera elementos objetivos tradicionalmente associados à ideia, como a inadimplência, e incorpora o desconforto material e psíquico experimentado pelo tomador com o endividamento, que têm caráter subjetivo”, esclarece Adriana Medeiros, também do Departamento de Promoção da Cidadania Financeira. Nesse sentido, o superendividamento é definido como “o resultado de um processo no qual indivíduos e famílias se encontram em dificuldade de pagar suas dívidas a ponto de afetar seu padrão de vida de maneira relevante e duradoura”.

De acordo com a publicação, o superendividamento se diferencia do endividamento de risco porque o primeiro leva em consideração fatores que extrapolam os dados do BC, como por exemplo contas de água, luz e telefone, além de aspectos subjetivos de desconforto causado pelas dívidas, enquanto o segundo considera aspectos objetivos de uso do crédito, capturados pelo SCR. Segundo os autores, analisar a percepção subjetiva do endividado é fundamental para compreensão plena do fenômeno do superendividamento.

Saiba mais
Para conhecer o estudo sobre o perfil dos endividados de risco no país e entender melhor o conceito de superendividamento, acesse a nova edição da Série Cidadania Financeira.

https://edicao-www.bcb.gov.br/conteudo/home-ptbr/PublishingImages/Jornalismo%20Interno/Depef/06-%20Relat%C3%B3rio%20Superendividados/superendividados.png

Endividamento de Risco publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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