Luciana Del Caro (Valor, 29/06/2020) informam: as debêntures estão sofrendo com o desinteresse daqueles que eram os seus principais compradores: os Fundos de Crédito Privado. As ofertas após o aprofundamento da crise do coronavírus só foram possíveis porque os bancos ocuparam o espaço dos gestores de fundos e adquiriram os papéis, provendo recursos para as empresas. Embora recentemente a situação do mercado tenha melhorado, profissionais acreditam a retomada das emissões sera muito lenta.
Nos primeiros cinco meses deste ano, as ofertas de debêntures caíram 44% em relação ao mesmo período de 2019 e totalizaram R$ 38,7 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Os fundos de investimento, que tinham comprado 68,8% das ofertas de janeiro a maio de 2019, ficaram com apenas 8,9% neste ano, até maio. A participação dos bancos, por sua vez, passou de 21,3% para 87%.
A maior parte das emissões recentes ficou no balanço dos bancos, exceto as de debêntures de infraestrutura. Estas têm demanda. As ofertas de papéis incentivados devem voltar antes das debêntures comuns. Como esses títulos contam com isenção do Imposto de Renda (IR), têm tido maior aceitação e procura por parte de pessoas físicas.
O desinteresse com as debêntures comuns é fruto de um movimento estrutural, a queda dos juros, e já vinha ocorrendo desde setembro do ano passado, quando os investidores, insatisfeitos com os rendimentos, sacaram recursos de fundos de crédito privado e migraram para outras aplicações. Essa tendência foi acentuada com a crise do coronavírus, que levou a novas reduções nas taxas.
Com os saques dos fundos, os preços das debêntures caíram e os seus spreads subiram, provocando desvalorizações nas cotas dos fundos – e novos resgates por parte dos investidores. A alta dos spreads no mercado secundário provocou a elevação dos spreads também no primário, e as empresas que não precisavam imediatamente de recursos adiaram suas ofertas. Já as que precisavam dos recursos acabaram vendendo os títulos para os bancos.
Agora, a situação parece um pouco mais tranquila no secundário: os spreads recuaram. E a captação líquida dos fundos de renda fixa, que chegou a ficar negativa em mais de R$ 1 bilhão por dia nos meses de março e abril, agora está entre R$ 100 milhões a R$ 200 milhões diários. “Os saques de fundos de crédito privado agora estão se estabilizando, mas a retomada das ofertas de debêntures deve ser gradual”, afirma José Eduardo Laloni, vice-presidente da Anbima.
A volta das ofertas de debêntures depende do interesse pelos fundos de crédito privado: se eles continuarem com a captação negativa, os recursos para a compra dos títulos diminuem. E a expectativa predominante é a de que esses investimentos não reconquistem a popularidade perdida. As captações dos fundos de crédito privado, nos próximos seis a dezoito meses, não devem voltar aos patamares anteriores porque os juros estão baixos e os investidores querem mais retorno.
Os potenciais emissores aproveitam o momento para fazer suas ofertas, em vez de esperar novas reduções dos spreads. Os spreads não voltarão tão cedo aos patamares anteriores. O Mercado estará mais pressionado em 2021, quando muitas empresas, recentemente tendo rolado as dívidas, precisarão fazer novas captações. Como a incerteza ainda é grande e não se sabe se haverá uma segunda onda do coronavírus, ele espera que os balanços das companhias mostrem, de modo geral, queda no faturamento e piora em indicadores como dívida líquida/Ebitda, o que impactará nas condições para captar no ano que vem.
No momento, alternativas como fundos imobiliários, Certificados de Recebíveis Imobiliários e do Agronegócio (CRIs e CRAs) podem ser mais interessantes do que as debêntures, porque estão tendo mais apelo junto aos investidores, especialmente por pessoas físicas atrás dos benefícios fiscais desses produtos. A demanda por CRIs e fundos imobiliários está acontecendo e estamos muito otimistas com esse segmento. O interesse pelas debêntures deve ficar por ora restrito aos fundos de pensão.
Algumas novas frentes podem ajudar o mercado de debêntures, como a possibilidade de o Banco Central (BC) comprar títulos privados no mercado secundário, aprovada em maio e cujas regras foram divulgadas no dia 23/06/20. A iniciativa é positiva, e é bom que o BC possa estar preparado caso necessário, mas agora O Mercado está voltando à normalidade”.
Outras iniciativas podem contribuir para ofertas de debêntures, como a possibilidade de empresas limitadas e cooperativas também poderem emitir debêntures (hoje apenas as sociedades anônimas estão autorizadas), alteração proposta pelo projeto de lei 3324/20, e a criação de debêntures “verdes” e “sociais’, previstas pelo decreto 10.387, e que, a exemplo das debêntures de infraestrutura, terão isenção de IR.
O Mercado ainda está à procura de um novo patamar de equilíbrio para os spreads das debêntures. Após subirem muito no auge da crise do coronavírus, eles recuaram, mas não aos patamares vistos no ano passado, quando eram considerados muito baixos.
As empresas vão ter de se acostumar ao novo patamar de spreads. Há uma correlação negativa entre o patamar de juros e os spreads, e esse fenômeno ocorre em vários países: quando o juro é baixo, o investidor exige spreads mais elevados para comprar crédito privado, mesmo se o risco desse crédito não tenha aumentado.
Isso ocorre porque o investidor compara a renda fixa com o potencial retorno de outras aplicações (o chamado custo de oportunidade). Por esta razão, espera-se uma acomodação em um patamar superior ao visto em 2019, quando empresas de baixo risco de crédito (classificação AAA) pagavam 1% acima do CDI para captar. Há três semanas as debêntures de emissores de baixo risco vêm sendo negociadas na faixa entre CDI + 2,75% e CDI + 4,5%.
Voltaremos à normalidade, mas a um novo normal. Os spreads não serão altos como os vistos em março e abril, mas também não serão baixos como no ano passado. No pico da crise, papéis com rating AAA chegaram a ser negociados a CDI mais 5%. Antes de setembro de 2019, os emissores conseguiam captar a CDI mais 1%. A acomodação se dará entre esses dois extremos.
O momento é considerado propício para os investidores: Há papéis de empresas de risco baixíssimo, que antes pagavam CDI + 0,8%, pagando hoje CDI + 3,5%. É a melhor relação risco retorno dos últimos dez anos. Quem sofreu saques nos fundos, aproveitou a elevação das taxas para comprar no mercado secundário papéis de empresas com baixo risco e fundamentos robustos.
Outra mudança observada é a troca de papéis que pagavam um percentual do CDI pelos que pagam CDI acrescido de uma taxa fixa. Grande parte do retorno positivo recente dos fundos decorreu dessa estratégia.
Encarteiramento de Debêntures por Bancos publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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