quarta-feira, 1 de julho de 2020

É possível “comprar votos” com auxílio emergencial de R$ 600?

Segundo Bruno Boghossian (FSP, 30/06/20)  o capitão populista de extrema-direita chegou ao poder como um negacionista da pobreza. Crítico contumaz de programas de transferência de renda, ele disse no ano passado a fome no Brasil ser “uma grande mentira” e o papel do governo era facilitar a vida “de quem quer produzir”.

Sob risco, o presidente se converteu. O governo anunciou o pagamento do auxílio emergencial do coronavírus por mais dois meses. A prorrogação poderia ser um ato burocrático, mas ele organizou uma cerimônia no Planalto e chamou o programa de “o maior projeto social do mundo”.

O presidente adiou o fim do benefício por uma questão de sobrevivência política. As novas parcelas e o plano de reformulação do Bolsa Família se tornaram decisivos para sua permanência no cargo e para sua aposta na reeleição em 2022.

A pandemia marcou uma mudança na composição da base do populista de extrema-direita. Em 2019, os mais pobres correspondiam a 32% do grupo que considerava o governo ótimo ou bom, de acordo com o Datafolha. Desde então, o presidente manteve a popularidade estável, mas o segmento de baixa renda passou a representar 52% de seus apoiadores.

A atuação desastrosa do eleito casualmente, na pandemia, afastou segmentos mais ricos, mas levou para seu campo eleitores na base da pirâmide social. O fim do pagamento do auxílio representaria um risco de erosão em um nicho agora majoritário entre os apoiadoress.

O cálculo político é claro. No início da pandemia, o governo propôs apenas três parcelas de R$ 200 aos mais pobres para amenizar a crise. Só triplicou o valor após pressão do Congresso. Quando o programa chegava ao fim, o ministro da Economia afirmou: a prorrogação era arriscada porque “aí ninguém trabalha”.

O capitão malformado e reformado tenta consolidar apoio em novos grupos, mas ainda poderá buscar a retomada de territórios perdidos. “Ele tem chance de recuperar apoio nos segmentos mais abastados se mantiver a postura atual, menos explosiva”, avalia Mauro Paulino, diretor do Datafolha.

A aprovação ao governo de Jair Bolsonaro segue estável em níveis baixos (32%), mas o que chama mesmo a atenção, como mostrou o Datafolha, é o apoio inédito dos eleitores à democracia (75%) e a outros marcos civilizacionais, como a rejeição à tortura.

É normal que, durante períodos de crise, quando a incerteza aumenta muito, as pessoas reduzam seu apetite pelo aventureirismo e recorram ao que já funcionou no passado, sejam partidos políticos, seja o saber técnico. É alvissareiro, nesse sentido, o forte aumento do prestígio de especialistas constatado pelo Datafolha. Em 2014, apenas 13% dos brasileiros achavam que técnicos deveriam ser ouvidos pelo governo antes de decisões importantes. Agora são 42%. Cansaram da ignorância da equipe governamental.

Mauro Paulino e Alessandro Janoni, respectivamente, Diretor-geral do Datafolha e Diretor de Pesquisas do Datafolha, analisaram a última pesquisa de opinião sobre o (des)governo.

Pela primeira vez desde o início do mandato, o presidente é reprovado pela maioria dos mais ricos, grupo que, junto aos mais escolarizados, compõem universo estratégico na formação da opinião pública, especialmente no modelo de comunicação priorizado por sua gestão, via redes sociais.

Nos primeiros levantamentos realizados pelo Datafolha após o início da pandemia, o instituto já detectava desgaste da imagem do presidente nesses segmentos que majoritariamente o elegeram em 2018.

No começo, a perda de apoio era mais nítida entre os que têm nível superior de escolaridade com relativa resiliência entre os mais ricos, onde a polarização de opiniões era explícita.

Agora, eles deixam de ser o segmento que mais aprova o eleito pela facada e apresentam taxas de avaliação positiva equivalentes aos dos demais estratos —no último mês a popularidade de desqualificado caiu nove pontos percentuais entre os que têm renda superior a dez salários mínimos, enquanto entre os mais pobres oscilou apenas um ponto para baixo.

Como é um segmento de baixo peso quantitativo na composição do eleitorado (4%), o comportamento dos mais ricos não se reflete de maneira significativa no total da população.

Para aumentar a precisão estatística, o Datafolha agrupou os entrevistados com renda familiar superior a cinco salários mínimos. Quando o foco se dá nesse segmento, o índice dos que consideram o presidente ótimo ou bom recua cinco pontos percentuais no último mês, enquanto entre os que recebem até esse valor oscilou negativamente apenas um ponto. A maioria absoluta dos que têm maior renda passa a reprovar o atual ocupante do cargo de presidente.

Se dependesse apenas de seu eleitorado, o presidente teria hoje cerca de 23% de avaliação positiva, ou seja, nove pontos percentuais provêm dos que não votaram nele no segundo turno. Entre estes, a taxa de solicitação do auxílio emergencial é oito pontos superior à verificada entre os que votaram no presidente.

O efeito desse fenômeno sobre as mulheres mais pobres — as que mais solicitaram e receberam o auxílio emergencial — é revelador.

Apesar de serem mais críticas ao governo do que seus pares masculinos, a reprovação do lamentável presidente entre elas é inferior em 12 pontos percentuais se comparada às das mulheres mais ricas. São elas justamente as que mais o rejeitavam durante as eleições. Se dependesse apenas dos votos das mulheres de mais baixa renda ele teria perdido a eleição, o que torna essa inversão foco de atenção.

o desgaste do presidente entre os mais escolarizados e de maior renda, por consequência mais informados, é resultado de um forte abalo de imagem que já vinha ocorrendo por conta de seu comportamento diante da pandemia e que se intensificou no último mês após a demissão do ex-ministro Sergio Moro, das mudanças na Polícia Federal, dos processos que envolvem a propagação de fake news em redes sociais, da prisão de Fabrício Queiroz e sua participação em atos antidemocráticos que pediam intervenção militar no Congresso e no STF.

O saldo é, ao contrário do que se verificava em abril do ano passado, que a maioria dos brasileiros hoje considera o sujeito despreparado (58%), incompetente (52%), indeciso (53%), pouco inteligente (54%) e, acima de tudo, autoritário (64%), com mudanças de percepção mais expressivas entre os mais prósperos. Há pouco mais de um ano, esse era o estrato que menos classificava o presidente como autoritário, por exemplo. Hoje, é o que mais o faz.

O futuro político do bolsonarismo está, por um lado, diretamente relacionado ao manejo do auxílio emergencial e também ao destino que se dará ao Bolsa Família. Essas ações determinarão em grande parte o comportamento eleitoral dos mais pobres, em especial das mulheres.

Mas o descuido no combate ao coronavírus e atitudes que atentem contra os princípios democráticos e morais também atuarão de forma efetiva sobre segmentos com voz forte nos humores da opinião pública.

É possível “comprar votos” com auxílio emergencial de R$ 600? publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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