Marina Falcão (Valor, 01/07/2020) informa: o peso da Renda Básica Emergencial (RBE) na economia do Nordeste deve ajudar a região a sair da recessão mais rapidamente do que o restante do país. Com a prorrogação do benefício por mais dois meses, anunciada ontem, o montante destinado ao Nordeste pode chegar R$ 50 bilhões, o que representa 6,3% do do PIB da região. No Brasil, a injeção de recursos responde ao equivalente a 2,5% do PIB – as três primeiras parcelas somaram 1,5% do PIB.
Os dados fazem parte de um estudo dos economistas Ecio Costa, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e Marcelo Freire, da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco. “Em um primeiro momento, a injeção de recursos deve atenuar significativamente a retração da economia na região, via consumo”, diz Costa.
No total, o auxílio emergencial deve injetar R$ 178,6 bilhões na economia do país. Tomando como referência a distribuição feita nas três primeiras parcelas, é possível prever que o Centro-Oeste ficará com R$ 19 bilhões, e o Nordeste, com R$ 50 bilhões, o mesmo volume do Sudeste. O Norte receberá R$ 18,3 bilhões, e, o Sul, R$ 40,9 bilhões.
Segundo o economista, ainda não é possível avaliar a RBE como política pública, mas já se pode dizer que há indícios estatísticos de eficácia do programa, que alcançou, de forma mais incisiva, as populações mais vulneráveis.
Prefeito de Gavião (BA), Raul Soares Moura Junior (PSD), diz que os comerciantes da cidade nunca viram circular tanto dinheiro. Isso porque os moradores do município, que tem um dos menores PIBs da Bahia, estão com restrições de locomoção para cidades vizinhas maiores, onde costumavam consumir. “Eles acabam gastando aqui mesmo, nas feiras locais”, afirma o prefeito. “O que escuto são os comerciantes falando que tem gente pagando até o que estava devendo no fiado”, diz o prefeito. O município tem 4.561 habitantes.
Na Bahia, Estado mais rico da região Nordeste, o auxílio emergencial distribuído deve chegar a 5,8% do PIB nos próximos dois meses. No entanto, em termos proporcionais, o Estado do Maranhão será o mais beneficiado, com injeção de recursos equivalente a 8,6% do seu PIB.
O levantamento mostra que, na região Nordeste, a RBE atingirá 16,4% da massa de rendimentos, contra 6,9% nacional. O Estado de São Paulo, embora tenha sido o mais favorecido em termos absolutos, foi um dos menos impactados, com o volume de recursos representando menos de 3,6% da sua massa de rendimentos, levando em conta todas as parcelas do benefício. Mais uma vez, o Maranhão lidera o ranking de favorecidos, com os recursos representando para 24,1% da sua massa de rendimentos.
O estudo revelou uma alta correlação estatística entre auxílio emergencial, PIB, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) e fatia da população vulnerável à pobreza. Grosso modo, o auxílio ficou mais concentrado em municípios com piores condições de vida, atestando eficácia no cumprimento do objetivo do benefício.
Segundo Estado mais rico do Nordeste, Pernambuco deve receber o equivalente a 5,5% do seu PIB. Em Calumbi, terceiro município mais pobre do Estado, a prefeita Sandra Magalhães (PT) diz que o grande impacto do benefício tem sido na renda dos desempregados da cidade, onde praticamente só há emprego formal na prefeitura. “Muita gente saiu de uma renda zero para R$ 600”, diz a prefeita.
Nas regiões Norte e Nordeste, 51% dos beneficiários do auxílio são oriundos do programa Bolsa Família, sendo que no Piauí essa fatia é 58,4%, e, no Maranhão, 57,7%. O restante dos beneficiários acessou a RBE via Cadastro Único ou aplicativo digital.
A distribuição dos recursos na região difere completamente do perfil nas demais (Centro-Oeste, Sul e Sudeste), onde o maior canal de acesso foi o aplicativo, com uma participação média de 52% dos beneficiários. No Distrito Federal e em Santa Catarina, por exemplo, a parcela da população que se beneficiou por meio digital superou 67%.
Para Costa, embora os números sinalizem eficácia do programa em termos de critérios de distribuição, o estudo aponta que ainda há falhas na operacionalização no benefício. Cerca de 5,6% do total de volume de recursos do programa foi disponibilizado para pessoas em municípios que não contam com a presença de agência da Caixa Econômica Federal. “Mais de um quarto do volume de recursos em municípios sem agências está concentrado no Maranhão e Bahia”, afirma o economista.
A falta de acesso à internet em muitos municípios do Nordeste é outro gargalo. Na região, há 36% da população sem conexão, quase o dobro do que há no Sudeste. “Nesses locais, quem não estava já cadastrado no Bolsa Família está em maus lençóis”, afirma Costa.
Editorial do Valor (01/06/2020) avalia como o programa de emergência chega aos mais pobres.
“Há poucas coisas comparáveis em magnitude à mobilização de recursos do governo brasileiro para enfrentar a depressão econômica, assim como há poucos episódios na história recente que possam se comparar à capacidade de destruição do novo coronavírus. Apesar dos regateios do ministro da Economia, Paulo Guedes e improvisação, os programas de assistência à renda, preservação de empregos e diferimento de impostos movimentaram R$ 289 bilhões. Ainda assim, o PIB deverá encolher 6,4% no ano, na previsão do Banco Central e de grande parte dos economistas.
Guedes estimou as despesas em R$ 1 trilhão, ao qual se chega com a liberação de compulsório e expedientes para liberar capital para empréstimos dos bancos, medidas de apoio vitais. Os gastos do Tesouro até junho indicavam R$ 211 bilhões em despesas realizadas, ante uma previsão de total R$ 402,4 bilhões. Nas contas do Tesouro de maio constam ainda R$ 68,9 bilhões de adiamento de receitas com diferimento de impostos e redução do IOF.
O governo anunciou os dois programas que trazem dinheiro diretamente ao bolso dos trabalhadores, formais ou não, serão prorrogados por mais dois meses. O auxílio emergencial a todos que perderam ou estão sem renda, receberá pelo menos mais duas doses de R$ 600, além das três em curso. O gasto extra deve ser de R$ 104 bilhões. O benefício emergencial, para repor parte do corte de salários e preservar empregos, será prorrogado. Sua execução, segundo dados do Tesouro, consumiu R$ 13,4 bilhões até junho, diante de previsão de gastos de R$ 51,4 bilhões.
Mesmo em tempos de crise, nunca houve uma rede de proteção dessas proporções, embora os riscos humanitários, econômicos, políticos e sociais sejam também superlativos. E, pela primeira vez, os programas contemplaram os informais. Eles sempre ficavam ao relento por não se enquadrarem no seguro-desemprego.
Há 11,5 milhões de trabalhadores formais atingidos pela redução de salários e protegidos do desemprego pelo tempo equivalente ao corte da jornada. A estimativa é que o Benefício Emergencial abrangesse 25 milhões de trabalhadores. Uma parte das empresas preferiu não garantir a estabilidade diante da incertezas da duração da crise e do comportamento da demanda no pós-pandemia. Dos que estão no programa, metade (5,4 milhões) estão com contratos suspensos e mais 2,7 milhões com cortes expressivos de 50% até 70% nos salários.
O auxílio emergencial foi muito mais longe e, segundo o IBGE, chegou de fato aos mais pobres. A Caixa Econômica informa que pagou o auxílio a 64 milhões de pessoas.
O IBGE seguiu o destino do dinheiro. Em maio, a pesquisa mostrou que 38,7% dos domicílios existentes no país (68 milhões) receberam o benefício. Neles habitam 94 milhões de pessoas onde pelo um morador o recebeu.
Em torno de 55% dos domicílios das regiões mais pobres (Norte e Nordeste) foram atendidos. Em todos os Estados, a renda per capita superou a do período anterior à pandemia, isto é, houve aumento de renda dos mais pobres. Igualmente importante, 76% do dinheiro distribuído atingiu os 50% mais pobres e 53% dele os com renda até R$ 348,83.
A sustentação pelo Estado, com déficit primário que pode chegar a 10% do PIB (cerca de R$ 700 bilhões) reduziu em muito a pobreza e elevou a renda de boa parte dos pobres. Há um pouco de otimismo, no entanto, em dizer que os gastos do Estado supriram a perda de renda.
A massa salarial caiu de R$ 192,9 bilhões para R$ 157,9 bilhões em maio, recuo de R$ 35 bilhões. Paulo Guedes disse que o Brasil realizou a proeza de elevar a massa salarial desde o início da pandemia, o que seria um feito — se fosse verdade. O que subiu foi o rendimento médio real dos ocupados, para R$ 2.460, o que indica que os empregadores retiveram a força de trabalho mais qualificada, que ganha mais. Na Pnad Contínua, a massa recua de R$ 217,5 bilhões para R$ 206,6 bilhões no trimestre até maio.
Nas contas não se inclui a destruição em massa de capital pelo fechamento de empresas, em especial pequenas e médias. O impulso bilionário de proteção, inédito nessa dimensão, dá melhores condições para a retomada. Ela não será rápida, porém. Os benefícios deixarão de existir em breve, com a economia ainda em frangalhos e a pandemia à espreita. Se o governo errou miseravelmente no combate ao coronavírus, tem a chance de acertar no pós-covid-19 robustecendo programas de renda que deem sustentabilidade à recuperação e sejam fiscalmente viáveis.”
Desigualdade Social e Regional publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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