domingo, 5 de maio de 2019

Sentido da Vida: uma Narrativa Histórica?

quatro pilares de uma vida com sentido, isto é, pertencer e servir a algo além de si mesmo:

  1. Pertencimento: relacionamentos afetivos cultivados por ser quem somos e valorizar os outros por suas virtudes;
  2. Propósito (meta, objetivo): servir os outros com trabalho não alienado e buscar sempre novos conhecimentos.
  3. Transcendência ou êxtase: ir além de nós mesmo, conectados a uma realidade maior;
  4. Contar ou compartilhar histórias pessoais: criação de uma narrativa sobre como nos tornamos quem somos.

Yuval Noah Harari, no livro “21 lições para o século 21” (São Paulo: Companhia das Letras; 2017), trata desse último ponto em referência às narrativas históricas – reais ou ficcionais – do animal humano.

Quem sou eu? O que deveria fazer na vida? Qual o significado da existência? Humanos têm feito estas perguntas desde tempos imemoriais. Cada geração precisa de uma nova resposta, porque o que sabemos ou não sabemos está em constante mudança. Considerando tudo o que sabemos e não sabemos sobre a ciência, sobre Deus, sobre política e sobre religião — qual é a melhor resposta que podemos dar hoje?

Que tipo de resposta as pessoas esperam? Em quase todos os casos, quando pessoas perguntam sobre o significado da vida, elas esperam que lhes contem uma história.

O Homo sapiens é um animal contador de histórias. Ele pensa em narrativas e não em números ou gráficos. Acredita o próprio universo funcionar como uma narrativa, repleta de heróis e vilões, conflitos e soluções, clímax e finais felizes.

Quando buscamos o sentido da vida, queremos uma narrativa explicativa de:

  1. o que quer dizer realidade e
  2. qual é meu papel particular no drama cósmico.

Esse papel faz eu me tornar parte de algo maior. Ele dá significado a todas as minhas experiências e escolhas.

Uma história popular contada durante milhares de anos a bilhões de humanos ansiosos explica: somos todos parte de um ciclo eterno. Ele abrange e conecta todos os seres. Cada ser tem uma função distinta a preencher no ciclo. Compreender o significado da vida quer dizer compreender qual é a sua função, que é única, e viver uma boa vida quer dizer cumprir essa função.

A epopeia hindu Bhagavad Gita conta como. dentro do grande ciclo cósmico, cada ser possui um “darma” único: o caminho a se percorrer e os deveres a se cumprir. Se você seguir seu darma, não importa quão difícil possa ser o caminho, você usufruirá de paz de espírito e se livrará de todas as dúvidas. Caso se recuse a seguir seu darma e tente adotar algum outro caminho — ou vaguear sem nenhum —, você irá perturbar o equilíbrio cósmico e nunca será capaz de encontrar paz ou alegria. Não faz diferença qual seja seu caminho particular, desde que você o siga.

Cada casta de natureza ocupacional segue com devoção um rumo. Tudo está conectado. Cada um depende do outro, assim, quando até mesmo algo deixa de seguir sua vocação, todo o Ciclo da Vida pode se desmanchar. Uma filosofia antissocial significaria responder a todo problema esquecendo os seus problemas! Com isso, o escapista fica cada vez mais perturbado, sem saber quem é e o que deve fazer.

Se eu acredito em alguma versão da narrativa do Ciclo da Vida, isso quer dizer: tenho uma identidade fixa e verdadeira. Ela determina meus deveres. Por muitos anos posso duvidar dessa identidade ou ignorá-la, mas um dia, em algum grande momento, ela será revelada e compreenderei meu papel no drama cósmico. Assim, mesmo eu podendo, subsequentemente, deparar com muitas provações a atribulações, estarei livre de dúvidas e de desespero.

Outras religiões e ideologias acreditam em um drama cósmico linear. Ele tem um início que o define, um meio não muito longo e um final definitivo.

O nacionalismo também sustenta uma narrativa linear. Se eu acredito na narrativa nacionalista, concluo minha missão na vida ser a promoção dos interesses da nação onde nasci, protegendo a pureza de sua língua, lutando para manter seu território ou talvez tendo e criando uma nova geração de filhos leais à Nação.

Nesse caso, até mesmo empreendimentos prosaicos são infundidos de significado. No Dia da Independência, as crianças entoam juntas na escola um hino que louva toda ação feita em benefício da pátria.

O comunismo conta uma narrativa análoga, mas ressaltando classe e não etnicidade. O Manifesto do Partido Comunista começa proclamando que: “Até hoje, a história de toda sociedade é a história das lutas de classe. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação e aprendiz — em suma, opressores e oprimidos sempre estiveram em oposição, travando luta ininterrupta, ora velada, ora aberta, uma luta que sempre terminou ou com a reconfiguração revolucionária de toda a sociedade ou com o ocaso conjunto das classes em luta.”

“O manifesto em seguida explica que nos tempos modernos, “toda a sociedade se divide mais e mais em dois grandes campos inimigos, em duas classes frontalmente opostas: a burguesia e o proletariado”. Sua luta vai terminar com a vitória do proletariado. Sinalizará o fim da história e o estabelecimento do paraíso comunista na Terra, no qual ninguém será dono de nada, e todos serão totalmente livres e felizes.

Se acreditar na narrativa comunista, concluirei a missão de minha vida ser a aceleração da revolução global escrevendo panfletos inflamados, organizando greves e manifestações, ou, se for extremista, assassinando capitalistas gananciosos e lutando contra seus lacaios. A narrativa empresta significado até aos menores gestos, como o boicote a uma marca que explora operários no Terceiro Mundo, ou discutir com “o porco capitalista” do meu sogro na ceia de Natal.

Sentido da Vida: uma Narrativa Histórica? publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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