quarta-feira, 8 de maio de 2019

Mercado de Debêntures: Substituição do BNDES?

Partindo da premissa muito otimista de a economia brasileira crescer 2,5% a.a. nos próximos 12 anos, o impacto sobre a base atual de ativos seria de um crescimento anual médio de 6,4% para o período de 2019 a 2030. Esse aumento da base viria acompanhado de uma mudança na composição das carteiras dos investidores, fruto do crescimento do estoque de ações e debêntures, ao mesmo tempo que a emissão de títulos públicos decairia, dada a menor necessidade de financiamento da dívida pública. Enquanto os títulos do governo sairiam de uma participação relativa de 54% em 2018 para 36% em 2030, as ações avançariam de 19% para 30% e as debêntures corporativas (somadas com as notas promissórias) elevariam sua participação de 6% para 9%.

Se do lado do investidor o momento é de disputa – e algum estresse – por títulos de crédito corporativo, no lado das empresas emissoras elas estão captando a taxas mais favoráveis, próximas ao CDI, e os prazos estão cada vez mais alongados.

Em resumo, o mercado atual é “do emissor e não do comprador”. O tamanho do mercado de debêntures está sendo dado pela capacidade das empresas de tomar recursos. Hoje, a demanda pelos papéis é muito maior face à quantidade de operações indo a mercado.

No começo do ano, a Petrobras lançou uma operação de R$ 3 bilhões de debêntures incentivadas. Ela teve uma demanda de quase seis vezes. A Eletrobras elevou de R$ 4 bilhões para R$ 5 bilhões sua emissão. Além de quitar um bônus internacional de US$ 1 bilhão com vencimento em julho, aproveita para colocar mais recursos em seu caixa.

Nos três primeiros meses do ano, as operações movimentaram perto de R$ 20 bilhões e a estimativa do mercado é atualmente estarem em andamento ao mesmo tempo perto de 30 operações. Elas devem alcançar valor semelhante ao do primeiro trimestre e serão concluídas nos próximos 30 dias. A lista inclui empresas dos mais variados setores e perfis: Gerdau (R$ 1,4 bilhão), Santos Brasil (R$ 300 milhões), B3 (R$ 1,2 bilhão), Equatorial Energia (R$ 385 milhões), Minerva (R$ 600 milhões); BR Malls (R$ 500 milhões) e Brasil Brokers (R$ 120 milhões).

Diante dessas condições tão favoráveis, as companhias estão captando para fazer “gestão de passivo“, como se diz no jargão financeiro. Como captar ficou mais barato para elas, aproveitam para trocar dívida mais cara por outra menos custosa, com o bônus de estarem conseguindo alongar os prazos de vencimento. Isso vale principalmente para empresas com rating de primeira linha. Elas estão captando com pouco prêmio em relação ao CDI e prazos já chegando aos sete anos. Até bem pouco tempo atrás só no mercado externo isso seria possível.

Com demanda de investidores em excesso, o que estamos vendo são emissões para a gestão de dívida. Ainda não está se vendo as empresas acessarem o mercado para captar recursos para investir.

O próximo passo, diante dos retornos mais reduzidos para os investidores, será a abertura de espaço para as empresas com ratings menores também conseguirem realizar suas emissões.

O Brasil viveu nos últimos anos um ciclo de grande destruição de valor nas empresas e muitas ainda estão se recuperando do baque e se preparando para voltar a acessar o mercado. É muito positivo para o mercado brasileiro que as empresas possam fazer as operações em reais sem precisar necessariamente captar no exterior em conjunto com swaps por conta do risco cambial.

Ana Paula Ragazzi (Valor, 29/04/19) dá um exemplo: sozinho, o banco Santander está coordenando uma emissão de R$ 5 bilhões em debêntures da Eletrobras. As informações a circularem no mercado dão conta de a maioria dos papéis terem destino certo: a gestora de recursos do próprio banco.

Essa operação ilustra o atual momento do mercado de títulos de crédito corporativo: sobra demanda e falta ativo suficiente para atender a todos. Isso sugere o fato de só um banco dar conta de distribuir R$ 5 bilhões.

Até poucos anos atrás, não era possível afirmar que existia um mercado para títulos corporativos no Brasil – muito menos uma disputa por ativos. Os bancos estruturavam e colocavam nos balanços as emissões. A outra opção das empresas eram as linhas subsidiadas do BNDES.

Vieram a crise das empresas citadas na Lava-Jato, as regras de Basileia 3, os bancos fecharam a oferta do crédito e agora deixam os balanços mais leves. O BNDES se retirou dessas operações e, com a queda da demanda por crédito com TLP, deixou livre o andamento desse mercado.

Ao mesmo tempo, com a queda dos juros no Brasil, surgiu uma massa de investidores interessados em ativos com rendimentos fixos superiores ao do CDI. Ela foi impulsionada pelo crescimento das plataformas abertas. As empresas com ratings mais elevados, e em tese menos risco, começaram a atrair a atenção desses investidores das plataformas com “risco de crédito privado” — e não “soberano” com no caso de títulos emitidos pelo Tesouro Nacional.

Nessas ofertas, o formato mais comum é um pool de três ou quatro bancos estruturarem a operação com base na instrução CVM 476. Ela prevê esforços restritos de colocação. A oferta não pode ser distribuída, publicamente, para todos os investidores. Deve ser apresentada para até 75 interessados e até 50 podem efetivamente comprar os papéis.

Diante da elevada procura, o que os coordenadores têm feito é concentrar as emissões em quatro ou cinco investidores, como âncoras na operação. Esse formato faz com esse pequeno grupo definir as taxas de emissão. Mas também não são poucos os casos onde as debêntures vão diretamente para as assets.

Conforme dados da Anbima, em 2013, bancos intermediários de ofertas CVM 476 e pessoas relacionadas com a oferta ficavam com 69% das emissões. Esse percentual vem caindo desde então, mas ainda se manteve em impressionantes 45,5% em 2018.

No início do ano, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) colocou como uma das prioridades de sua supervisão baseada em risco a “verificação de eventual participação de vinculados em ofertas com excesso de demanda”.

“Investir em crédito corporativo atualmente tem um quê de vida social. Você precisa estar em contato com as pessoas, ir a todas as apresentações das ofertas públicas – mesmo não pretendendo investir – e ligar para reclamar se ficou de fora de uma operação para tentar ser lembrado. Não tem ativo para todo mundo”, afirmou um gestor independente focado em crédito.

O que tem acontecido, diz outro gestor, é um investidor ser chamado a olhar determinada operação e comentar com um colega mais próximo. Só assim descobre ter ficado de fora. Então liga para os bancos para “pressionar” para entrar na próxima.

Há dois ou três anos, quando os coordenadores líderes chamavam para uma apresentação de oferta pública de debêntures, participavam quatro ou cinco interessados. Hoje, você pode multiplicar esses números por cinco.

O aumento de demanda de investidores pela renda fixa e a chegada de novas gestoras dedicadas a crédito privado têm gerado forte aumento da demanda por papéis privados. Consequentemente, o aumento no número de participantes também tem impulsionado o volume de transações no mercado secundário. Há cinco anos existiam ao redor de 10 gestores dedicados a crédito. Hoje, dezenas de gestores possuem fundos dedicados a crédito privado, e isso é muito positivo.

No entanto, o excesso de demanda em relação ao volume de oferta segue pressionando os níveis dos spreads de crédito. Eles se encontram em patamares historicamente muito baixos. Muitos gestores têm aceitado o risco de um maior alongamento nos prazos de novas emissões como forma de obter um retorno um pouco maior.

Nessas condições, quando tanta procura já afeta a precificação, ocorrem também casos onde os fundos estão sendo fechados para a captação. As condições atuais de remuneração, garantias e prazo de papéis não estão formando um tripé tão estável ou justo para o investidor. Por isso, preferem ficar de fora.

Emissões onde há menos de um ano saíam com prazo de três ou quatro anos e com taxa acima de 110% do CDI estão agora sendo testadas com prazos de sete anos e ao redor de 103% do CDI.

Para um gestor de fundos de crédito de um grande banco, a falta de papel talvez seja um problema para fundos menores, Eles têm ativo e passivo bastante pulverizados e estão atrás somente de emissões com avaliação “AAA”.

Casas maiores, com equipes dedicadas à análise de créditos e dos riscos das operações, têm conseguido boas opções de papéis, talvez não em ratings tão elevados ou prazos dilatados, entrando nesses pools de colocação. Mas é preciso ter a expertise de análise e tamanho de fundo para conseguir acompanhar vários níveis de risco.

A demanda forte já tem feito com empresas antes não acessando o mercado lancem suas emissões de debêntures, caso recente da IMC, dona da rede Frango Assado. Também há companhias fazendo questão de suas operações sejam levadas “a mercado” em vez de ficarem em um pool de poucos bancos, como aconteceu recentemente com a operadora de turismo CVC, o braço de shoppings da Cyrela CCP, e a BRF.

Em vez da opção da Eletrobras, apresentar a operação para a maior quantidade de investidores possível, fazendo eles terem acesso e relacionamento com as companhias, só tende a ser positivo para elas.

Algumas empresas vêm se tornando emissoras frequentes, o que é um desenvolvimento muito positivo. É muito importante a companhia ir a mercado com frequência, pelo menos uma vez por ano, pois isso:

  1. ajuda a fortalecer seu nome no mercado de capitais,
  2. atrai mais interesse de gestores, e
  3. ajuda a baratear os custos de captação.

O fato de o Santander ter ficado sozinho com a operação da Eletrobras incomodou outros bancos atuantes no segmento. Apesar de o incômodo ter muito a ver com o fato de eles terem perdido a chance de ganhar uma comissão polpuda, há argumentos fortes para as críticas.

Se na emissão a debênture fica concentrada em tão poucas mãos, muito provavelmente ela não vai ter negociação relevante no mercado secundário. Isso faz pouco sentido, ainda mais em um mercado em busca de papéis.

A outra questão é um eventual conflito de interesses do banco trabalhando ao mesmo tempo para a empresa emissora, que vai querer captar a um custo menor, e o investidor, que buscará retornos mais altos. Pior, encarteira em fundos onde investidores não sabem o que contém as carteiras!

Mercado de Debêntures: Substituição do BNDES? publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



Nenhum comentário:

Postar um comentário