Quando Massimo Egidi, Robin Marris e Riccardo Vale colaboraram com Herbert Simon em 1992 para a publicação pela Editora Edward Elgar do livro “Economia, Racionalidade Limitada e Revolução Cognitiva”, a contribuição das Ciências Cognitivas para a Teoria da Racionalidade e, em geral, para o desenvolvimento das Ciências Sociais, foi absolutamente marginal e contestada na Europa e nos Estados Unidos. Ciências cognitivas foram vistas com desconfiança por sociólogos, economistas, cientistas políticos, antropólogos e até filósofos.
Riccardo Vale já tinha experimentado esse tipo de hostilidade do mundo filosófico diretamente alguns anos antes, em Oxford em 1984. Quando ele propôs o esboço da sua tese de doutorado em Filosofia da Ciência, teve de superar uma grande dose de hostilidade e depreciação por parte do seu orientador para a questão da Teoria Cognitiva da Ciência.
Na Europa, em particular, ainda prevalecia a cultura neopositivista, mantendo uma clara separação entre o contexto da descoberta e a justificação racional, uma opinião vigorosamente sustentada até por um não neopositivista como Sir Karl Popper. A racionalidade metodológica não poderia ser analisada empiricamente por causa do risco de cair no pecado mortal de uma falácia naturalista.
A revolução naturalista da W.O. Quine e a contribuição de filósofos como Steven Stich ou Alvin Goldman não estavam representados na Filosofia da Ciência. Até mesmo Larry Laudan, que havia considerado o problema entre a avaliação empírico-histórica e a justificativa da racionalidade metodológica, não fazia parte do mainstream da Filosofia da Ciência e foi subestimado na Europa.
O trabalho de Riccardo Vale em Oxford e seu trabalho subsequente na Universidade L. Bocconi de Milão, onde começou a ensinar Lógica e Epistemologia como parte do curso de Disciplinas Econômicas e Sociais (DES), em 1987, forneceu a base para o seu livro “Metodo e Societa`nella Scienza”, publicado em 1991, pouco depois de Ronald Giere ter publicado sua “Explaining Science” em 1988. Ambos propuseram uma abordagem naturalista da Filosofia Da Ciência.
O livro de Vale também argumentou a favor da supremacia explicativa da abordagem cognitiva sobre a abordagem social no estudo da dinâmica de mudança conceitual na comunidade científica.
Este livro Methodological Cognitivism Vol. 1: Mind, Rationality, and Society (Berlim: Springer; 2012) é tanto uma síntese do seu trabalho sobre a Teoria Cognitiva da Ciência (o tema do segundo volume) e o início de dois programas de trabalho:
- um na epistemologia e metodologia das Ciências Sociais, projetado para superar o intencionalismo e o racionalismo inerentes à hegemônica ideologia neoliberal do Individualismo Metodológico, e
- outro projetado para desenvolver os fundamentos cognitivos da racionalidade, com particular referência ao contexto econômico.
Economistas introduziram dois significados-chave para a racionalidade. Exige uma melhor definição de racionalidade. Ela, no mainstream, mais se assemelha a um paradigma de decisões práticas em lugar de um paradigma de teoria específica.
Considera-se um agente econômico agir racionalmente, por exemplo, quando tem uma função de utilidade, cujos argumentos são definidos como os usos alternativos dos recursos com o qual ele está dotado. A quantidade desses recursos é vista como restrição para as possíveis opções disponíveis para o tomador de decisão, de modo o comportamento racional consistir, em termos de resolução de um problema de maximização limitada, em determinar toda a panóplia – conjunto de recursos, modos de agir, expedientes, razões disponíveis para uma pessoa atingir seus objetivos – de recursos para dedicar a cada um dos possíveis usos.
Este conceito de custo de oportunidade oferece um princípio estabelecedor de uma relação entre as mudanças em uma ou mais restrições sobre os recursos disponíveis e mudanças na quantidade de fenômenos para descrever. Pode ser o fornecimento de um produto ou outros fenômenos. Por exemplo, mudanças nos números de crime, nas taxas de natalidade ou no número de casamentos. Não há necessidade de fazer suposições de tipo psicológico para aplicar o paradigma de escolha racional.
A segunda definição de racionalidade é estreita, substituindo a definição mais ampla em muitos contextos descritos. A racionalidade é vista como a maximização da utilidade esperada. Ela é baseada em forte base psicológica a priori de suposições. Assume as preferências como sendo dadas e coerentes, um corpus de crenças correspondentes a uma verdadeira descrição do mundo, e um ilimitado poder para o tomador de decisões. Portanto, não há necessidade de desenhar uma distinção entre o mundo real e a percepção do tomador de decisão a respeito, dado ele ter uma representação pressuposta verdadeira do mundo.
Podemos, portanto, prever as escolhas do tomador racional de decisões a partir do nosso conhecimento do mundo, juntamente com o conhecimento de sua função de utilidade. Dispensa termos de conhecer as características específicas através das quais o tomador de decisões percebeu, elaborou e memorizou a respeito de suas crenças no mundo.
Contrariamente a estas pressuposições, se em vez delas aceitarmos uma hipótese empiricamente confirmada, encontrando uma capacidade limitada de conhecimento e do poder computacional do tomador de decisões humanas, então devemos distinguir entre o mundo real e o das representações dele formadas pelo tomador de decisões. Em outras palavras, devemos elaborar uma teoria empírica dos processos cognitivos capazes de levar à decisão.
Isto incluirá, portanto, a percepção, a representação e a memorização de crenças quanto ao mundo e o raciocínio dedutivo e probabilístico sobre a base factual produzida. Isso é definido por Herbert Simon como racionalidade processual.
Herbert Alexander Simon foi um economista norte-americano. Foi agraciado com o Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel de 1978. Foi um pesquisador nos campos de Psicologia Cognitiva, Informática, Administração Pública, Sociologia Económica, e Filosofia.
Como Simon sublinhou, a Ciência Econômica neoclássica difere das outras ciências na maneira como ela enfrenta o problema da racionalidade. Essa linha de pensamento econômico é caracterizada por:
- seu silêncio sobre o tipo de preferências e crenças, e
- sua assunção de uma abordagem coerente sobre comportamento e racionalidade em relação ao ambiente total, tanto agora, como no futuro.
Ao contrário, outras Ciências Humanas prestam mais atenção quando confrontam o problema da racionalidade para:
(1) determinar os processos, tanto individuais como sociais, costumeiros de perceber, elaborar e memorizar aspectos selecionados da realidade; eles compõem o corpus de crenças onde o raciocínio sobre decisões está baseado;
(2) definir empiricamente a natureza e a origem dos valores e suas mudanças;
(3) compreender as estratégias computacionais, usadas no raciocínio, de modo a permitir um nível muito limitado de processamento de informações lidar com uma realidade muito complexa;
(4) descrever e explicar como as causas emocionais, motivacionais e sensoriais podem influenciar e perturbar os mecanismos de atenção e a definição da situação real formadora da base factual da racionalidade (Simon 1986, p. 26).
A abordagem da Economia neoclássica à racionalidade tem dificultado:
- o desenvolvimento de métodos eficazes para investigar os processos pelos quais aspectos selecionados da realidade são percebidos, ou
- como uma representação é formada em situação de escolha, ou
- como os processos inferenciais são responsáveis por determinadas conclusões baseadas em representação anterior.
Quando confrontado com descrições das dificuldades preditivas, os economistas neoclássicos estão geralmente dispostos a acrescentar uma suposição teórica auxiliar:
- sobre a forma das funções de utilidade ou
- sobre a maneira pela qual os atores criam expectativas sobre o futuro ou
- sobre seu foco ou falta de foco em determinadas variáveis ambientais.
Tudo parece ser permitido a fim de manter o postulado de maximizar a utilidade, mesmo preservando o não confirmado por pressupostos empíricos.
Como foi demonstrado por autores como Simon, a natureza tautológica e não falsificável do postulado defendido pela Economia neoclássica leva seus defensores a não perceber a força de suas previsões basear-se principalmente nas suposições descritivas auxiliares, muitas vezes descontroladas e ad hoc em relação ao ambiente de decisão.
Muitas explicações da Economia neoclássica tomadas com base em pressupostos auxiliares ad hoc poderiam ter sido alcançadas usando o postulado da racionalidade processual limitada sem a suposição de maximização da utilidade. Por exemplo, a teoria neoclássica não pode explicar o fenômeno do ciclo econômico sem recorrer a pressupostos irracionais auxiliares, como a da ilusão monetária. Claramente, corresponde a um desvio do objetivo racionalidade.
Se nos referirmos à Teoria Geral de Keynes (1936), coincidente em vários pontos com o modelo de racionalidade neoclássica, apenas os sindicatos sofreriam de ilusão monetária, porque eles não poderiam distinguir entre mudanças monetárias e mudanças no poder de compra dos salários. No entanto, se, em vez disso, a interpretação se refere a Lucas (1981), o ciclo econômico é derivado da suposição auxiliar sobre a ilusão monetária dos empreendedores. Eles são incapazes de distinguir entre os aumentos gerais de preços e as mudanças no próprio setor empresarial.
Em ambos os casos, pode-se dizer: o ciclo econômico deriva de suposições auxiliares e não da premissa de racionalidade adotada por todo o mainstream. Em seu lugar, o fenômeno da ilusão monetária é ligado aos processos utilizados pelos agentes econômicos para criar expectativas sobre os futuros eventos, um campo de investigação com pesquisa empírica de acordo com o postulado de racionalidade processual.
A limitada utilidade teórica e cognitiva de um conceito de racionalismo formal e apriorístico parece ser bastante claro. O julgamento de um certo tipo de comportamento ser racional só pode ser feito dentro de um contexto de premissas empiricamente formuladas.
Estas incluem a situação onde o comportamento ocorre, as preferências e as finalidades das tentativas do agente econômico, e os meios cognitivos disponíveis para determinar como esses fins podem ser alcançados. É precisamente este terceiro aspecto capaz de fazer a racionalidade processual de Simon tão diferente dos exemplos neoclássicos. A racionalidade procedural (diz respeito ao prazo processual) torna-se a premissa causal da racionalidade da ação.
Nesse ponto, poderíamos caracterizar o modelo de racionalidade em quatro etapas, cada uma das fases com um tipo específico de racionalidade:
- o processo informativo dá ao agente uma gama de dados evidenciais mais ou menos precisos (racionalidade perceptiva),
- eles são representados e memorizados (racionalidade das crenças);
- usando a lógica e as formas probabilísticas de raciocínio, o processo decisório infere a possível ação da informação (racionalidade decisória); e
- os processos de implementação ao transformar, com resultados mais ou menos precisos, a ação potencial em ação real (racionalidade da ação).
A racionalidade decisória pode, por sua vez, ser decomposta em duas principais formas de racionalidade:
- a racionalidade cognitiva, ligada ao processamento de dados, a fim de definir as expectativas do agente sobre si mesmo, e
- a racionalidade instrumental, com base nessas expectativas, tentativa de selecionar a ação mais apropriada.
Racionalidades perceptivas e decisórias correspondem à racionalidade processual de Simon.
Bibliografia de Herbert A. Simon:
Simon, H. A. (1956). Rational choice and the structure of the environment. Psychology Review, 63, 129–138.
Simon, H. A. (1957). Models of man. New York: Wiley.
Simon, H. A. (1982). Models of bounded rationality. Cambridge, MA: MIT Press.
Simon, H. A. (1985). Causalita`, razionalita`, organizzazione. Bologna: Il Mulino.
Simon, H. A. (1986). Rationality in psychology and economics. In R. Hogarth & M. Reder (Eds.), Rational choice. Chicago: The University of Chicago Press.
Simon, H. A. (1990). Invariants of human behavior. Annual Review of Psychology, 41, 1–19.
Simon, H. A. (1997). An empirically based microeconomics. Cambridge, UK: Cambridge University Press.
Simon, H. A. (2000). Bounded rationality in social sciences: Today and tomorrow. Mind& Society, 1(1), 25–41.
Simon, H. A., Egidi, M., Marris, R., & Viale, R. (Eds.). (1992). Economics, bounded rationality and the cognitive revolution. Aldershot: Edward Elgar.
Metodologia do Cognitivismo: Mente, Racionalidade e Sociedade publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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