“O fim da aposentadoria” é pregado por Gustavo Cerbasi (Rio de Janeiro: Sextante, 2014) através de um livro de autoajuda financeira daquele tipo imperativo, onde o autor transfere a responsabilidade exclusivamente para o leitor caso sua receita infalível falhar.
Confira seu estilo no primeiro parágrafo. “Esqueça tudo o que você já ouviu falar sobre aposentadoria. Aliás, esqueça a ideia de se aposentar. Aposentadoria, no sentido que o senso comum dá a essa palavra, é um conceito ultrapassado se consideramos o estilo de vida que todos queremos e buscamos ter. Vem sendo cada vez mais debatida a ideia de que o atual modelo de aposentadoria não se sustenta.”
Por que tanta ênfase, indaga o leitor. Simplesmente por causa da elevação da esperança de vida. Segundo Cerbasi, “[a aposentadoria] marca o início de uma etapa que pode ser longa a ponto de não conseguirmos ter uma noção exata do que esperar dela. Não temos sequer referências, pois, mesmo que nossos pais tenham tido vida longa, estavam em um contexto bastante diferente do atual. Estamos vivendo mais, com mais qualidade, custo de vida mais alto e maior nível educacional e cultural. Após desfrutar de tantas experiências de consumo e lazer, ninguém estará disposto a simplesmente aceitar um estilo de vida com escolhas limitadas pela falta de dinheiro. Se a redução na renda não matar de fome, vai matar de depressão muitos desprecavidos.”
Falando diretamente, em dezembro de 2018, 83,5% dos benefícios emitidos pela Previdência Social por grandes grupos, segundo faixas de valor, atingem dois salários mínimos. Até três já são 91,7%, até quatro 96,7% e até cinco 99,1%. Acima de seis salários mínimos apenas recebem 0,1% dos beneficiários ou 8.345 beneficiários do total de 35,058 milhões. Em outros termos, as chances de o leitor receber entre R$ 1.000 (66,5%) e R$ 3.000 (91,7%) são imensas.
Se na vida ativa ele possui renda superior a três mil reais, obviamente tem de obter Educação Financeira desde o início de sua vida profissional. Então, é importante destacar: 66% das famílias brasileiras ganham mensalmente até R$ 2.994, segundo o Datafolha, ou seja, menos de um salário mínimo (R$ 998 em 2019) em média per capita.
Grosso modo, entre 3 e 4,5 salários mínimos estão 18% das famílias (classe D ou média-baixa), entre R$ 4.500 e R$ 10.000 estão 12% das famílias (classe C ou média-média), entre essa faixa e R$ 20.000 estão 3% das famílias (classe B ou média alta), e renda mensal acima de vinte mil reais recebem apenas 1% das famílias (classe A ou rica).
Qual elixir milagroso Cerbasi promete em seu livro? “É essa nova forma de lidar com o dinheiro ao longo da vida que proponho neste livro. Reuni pesquisas e reflexões sobre casos de fracasso e de sucesso para desenvolver conselhos atualizados sobre a melhor maneira de se educar, de investir, de gerenciar a carreira e de desfrutar aquilo que foi plantado. (…) preparei-me para apresentar aqui uma nova forma de lidar com a evolução da riqueza ao longo da vida. (…) o caminho que recomendo envolve menos privações, maior qualidade de vida, investimentos conservadores e mais sonhos realizados no decorrer dos anos.” Só!
Gustavo Cerbasi cita en passant as Finanças Comportamentais. “As razões dessa aparente insanidade são muito bem discutidas e entendidas por um ramo da ciência chamado Psicologia Econômica. Basicamente, o que explica o que deixamos de fazer e o que fazemos sem obter grandes resultados é o fato de nosso cérebro dar mais atenção ao que nos dá prazer. Comprar é um ato de prazer, de recompensa imediata. Ao mesmo tempo, planejamento financeiro é algo tão associado à privação, ao sofrimento ou à lembrança do grande problema que teremos pela frente que nosso cérebro trata de nos isolar desse tema.”
Ele cita também o fim do bônus demográfico em função da queda da taxa de natalidade e da taxa de mortalidade. A partir de então a proporção da população ativa cai em relação à da inativa e destrói a lógica do regime de repartição da Previdência Social. A chamada Taxa de Dependência (número de dependentes para cada 100 pessoas ativas) cairá para 43% até 2022. Daí começará a se elevar até, em 2041, o número de dependentes superar o de pessoas ativas, com a taxa de dependência passando de 50%.
Seu argumento é: “antes [da elevação da renda per capita brasileira], a maioria das pessoas consumia pouco e contava tranquilamente com a baixa renda da previdência pública para manter o seu simplório estilo de vida até seus últimos dias. Mas, ao aprender a consumir mais e melhor, estamos criando para o futuro uma conta alta e impossível de ser paga pelo atual modelo. Nesse contexto, inevitavelmente iremos sofrer para abrir mão de um estilo de vida que conquistamos e que não cuidamos para que fosse sustentável. Mais sofrimento e depressão induzem a mais problemas de saúde, o que acaba por encarecer nossos já previsíveis gastos altos com saúde. Será que podemos mesmo comemorar os anos a mais de vida que o conhecimento e a Medicina estão nos trazendo?”
Alerta mesmo quem se prepara financeiramente para viver mais e depender de uma renda maior, via “poupança” (contenção de gastos de consumo para sobrar renda e investir), contratando, por exemplo, um plano de previdência privada (PGBL/VGBL), comprando pequenos imóveis além da casa própria mesmo ainda pagando a dívida do financiamento imobiliário, e ainda fazendo algumas reservas para emergências, “você pode ser surpreendido pela renda insuficiente para uma aposentadoria confortável, caso esteja se esquecendo dos perigosos efeitos da inflação em seus planos”.
Em geral, são cometidos dois tipos de erro em relação à corrosão que a inflação causa em seu patrimônio:
- Meta nominal do valor do patrimônio financeiro a alcançar em certo período, mas sem a devida correção contra a corrosão inflacionária de seu poder de compra.
A prática correta inclui as seguintes iniciativas:
- estabelecer um valor de referência no início do plano de formação de poupança;
- descontar, nas contas feitas para projetar os valores acumulados ou a parcela a poupar a cada mês, o efeito inflacionário dos rendimentos obtidos nas aplicações não corrigidas por taxa de juro real;
- a cada seis meses, atualizar pela inflação acumulada o valor a ser poupado regularmente e também a meta de valores a serem alcançados;
- avaliar, anualmente, se o indicador de inflação utilizado para as correções (como o IPCA ou o IGP-M) realmente reflete o aumento de seu custo de vida, porque eles medem uma cesta básica (média) de consumo considerando quase todas as faixas de renda – e não especificamente de camadas de alta renda.
Cerbasi chega a recomendar uma tolice para quem vai exercer seu poder de compra no País: “uma maneira um pouco menos trabalhosa de realizar projeções mais consistentes é fazê-las em moeda forte, como o dólar americano.” Esta taxa de câmbio nominal está sujeita à especulação ou a fatores distintos do câmbio real (er = en.[P*/P]), indicador do diferencial de poder de compra da moeda estrangeira no país e no exterior.
- Percepção de ganho patrimonial em imóvel sem apurar o ganho real.
“Poucos investimentos criam uma sensação de enriquecimento tão falsa quanto os imóveis. Como os movimentos são bem mais lentos no mercado de imóveis do que nos mercados financeiros, as pessoas se habituaram a esperar alguns anos para avaliar se esse tipo de investimento é rentável ou não. Mas, na prática, a quase totalidade dos investidores se recusa a reconhecer seus erros e pontos fracos e costuma superestimar os ganhos”.
Se seu imóvel se valorizou 100% e a inflação no período foi, digamos, de 30,82%,6 a valorização real de seu imóvel foi de apenas 52,88%, praticamente metade em relação aos valores nominais.
A conta a ser feita envolve o simples raciocínio da conhecida regra de três: se hoje se paga o valor de R$ 130,82 para comprar o que há cinco anos custava R$ 100,00, então R$ 200,00 (o dobro de R$ 100) hoje equivalem a qual valor de cinco anos atrás?
R$ 130,82 -> R$ 100
R$ 200 -> x logo, x = 20.000 / 130,82 = R$ 152,88
A conta acima mostra, em apenas cinco anos, o seu ganho real ser de apenas metade em relação aos valores nominais. Assim, não é para contar tanto com o ganho de capital, mas sim com o aluguel como complemento de renda da aposentadoria. No entanto, este costumava ter o valor mensal de 1% do valor de mercado do imóvel. Houve um descolamento com o boom e o crash dos preços dos imóveis. Hoje se estima, considerando vacâncias periódicas com pagamento de taxas e condomínios, em 0,3%.
Além da armadilha da inflação, é comum que o investidor de longo prazo esqueça também os gastos que teve nas negociações de seu investimento, como corretagens, comissões, pequenas reformas e ajustes, tributos e condomínio no caso de imóveis vagos, além do tempo consumido para resolver questões burocráticas. É um custo de oportunidade. Em geral, compara-se o preço de aquisição, não incluindo custos da transação, com o valor de mercado atual ou o preço de venda potencial (e não efetivo quando se costuma dar desconto para pagamento à vista), não incluindo novos custos.
No caso de estimativa de valorização durante a construção, além dos custos de intermediação citados, não é costume levar em consideração atrasos na entrega da obra. Por exemplo, 25% de ganhos em dois anos é bem diferente de 25% de ganhos em três anos.
O que vale para os imóveis também vale para outros investimentos com propostas de longo prazo, como Planos de Previdência Privada, saldo no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e Fundos de Investimentos Imobiliários (FII). Se ignorar os efeitos da inflação e dos custos para investir e manter os ativos, há uma sensação de enriquecimento ilusória, chamada de “ilusão monetária”.
Gustavo Cerbasi destaca exageradamente em termos sociais: “por causa da inflação, mais cedo ou mais tarde todos seremos milionários. Resta saber se com R$ 1 milhão no futuro você será capaz de comprar uma casa ou apenas uma cesta básica”.
Adeus, aposentadoria: como garantir seu futuro sem depender dos outros publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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