quarta-feira, 27 de março de 2019

Auxílio Básico Universal e Vida com Significado

Yuval Noah Harari, no livro “21 lições para o século 21” (São Paulo: Companhia das Letras; 2017), o objetivo do auxílio básico universal é o atendimento às necessidades humanas básicas, mas não existe uma definição aceita para isso.

Do ponto de vista puramente biológico, um Sapiens precisa de 1,5 mil a 2,5 mil calorias por dia para sobreviver. Tudo o que exceder isso é luxo. Mas, além e acima dessa linha de pobreza biológica, toda cultura na história definiu necessidades adicionais como sendo “básicas”.

O que uma educação básica deve incluir: ler e escrever apenas, ou também programar computadores e tocar violino? Seis anos de ensino fundamental, ou até o doutorado?

E quanto à saúde? Se em 2050 os avanços da medicina possibilitarem retardar os processos de envelhecimento e estender significativamente a duração da vida humana, os novos tratamentos estarão disponíveis para 10 bilhões de humanos no planeta, ou só para uns poucos bilionários? Se a biotecnologia habilitar os pais a aprimorar seus filhos, isso será considerado uma necessidade humana básica, ou veremos o gênero humano dividir-se em diferentes castas biológicas, com super-humanos ricos desfrutando de capacidades que superam as de Homo sapiens pobres?

Não importa como definamos “necessidades humanas básicas”, se todos desfrutarem delas gratuitamente, elas deixarão de ser um problema. Então, as ferrenhas competições e lutas políticas estarão focadas em luxos não básicos — sejam elegantes carros autodirigidos, acesso a parques de realidade virtual ou corpos incrementados pela bioengenharia. Mas, se as massas de desempregados não dispuserem de ativos econômicos, é difícil ver como poderiam algum dia esperar obter tais luxos.

Consequentemente, a brecha entre os ricos (diretores e acionistas empresas de alta tecnologia) e os pobres (os que dependem da renda básica universal) poderia se tornar não apenas maior, mas intransponível.

Daí mesmo um programa de auxílio universal garantindo às pessoas pobres, em 2050, serviços de saúde e educação muito melhores que os de hoje, elas ainda poderão estar extremamente raivosas com a desigualdade global e a falta de mobilidade social. As pessoas sentirão o sistema [capitalista?] estar contra elas e o governo só atender aos super-ricos. Logo, o futuro será ainda pior para eles e seus filhos.

O Homo sapiens simplesmente não é programado para se satisfazer. A felicidade humana depende menos de condições objetivas e mais de nossas próprias expectativas, daquilo que esperamos obter. As expectativas, contudo, tendem a se adaptar às condições, inclusive à condição de outras pessoas.

Quando as coisas melhoram, as expectativas inflam, e consequentemente até mesmo uma melhora dramática das condições podem nos deixar tão insatisfeitos quanto antes. Se o auxílio básico universal visa a melhorar as condições objetivas de uma pessoa mediana em 2050, ele tem uma boa probabilidade de sucesso. Porém, se visa a fazer as pessoas ficarem subjetivamente mais satisfeitas com seu quinhão e evitar o descontentamento social, é provável que fracasse.

À medida que a IA e robôs puserem os humanos fora do mercado de trabalho, a vida de todas as pessoas em busca por um significado em sua vida e uma comunidade pode suplantar a busca por emprego. Se conseguirmos combinar uma rede de segurança econômica universal com comunidades fortemente cooperativas e ocupações dotadas de sentido (criativo, artístico ou espiritual), perder nossos empregos para os algoritmos pode na verdade mostrar-se uma bênção.

No entanto, a perda do controle sobre nossa vida é um cenário muito mais assustador. Não obstante o perigo de desemprego em massa, o que deveria nos preocupar ainda mais é a transferência da autoridade de humanos para algoritmos, o que poderia destruir qualquer fé remanescente na narrativa liberal e abrir o caminho para o surgimento de ditaduras digitais.

Auxílio Básico Universal e Vida com Significado publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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